MARIA JOÃOZINHO – Eita, mulher virada na breca! Era a filha do
Barão, a Maria Joãozinho, um homem escritinho, só faltava o bregueço no meio
das pernas. O resto ela tinha: pisada firme, nariz empinado, jeitão de mandona.
Era gente-boa, falava com todo mundo. E brincava, tirando onda para cima dos
marmanjos e destemidos. Na quebra-de-braço, não perdia uma, por bem ou por mal,
facilitasse ou não, deixava a cabroeira toda de farol baixo. Respeite a
pontaria, era de botar pra trás atirador profissional. Um revólver no coldre,
um punhal na bainha dos quartos, brincasse não, o carão comia no centro. Mulher
valente, avexada. Montava de tudo, até bicho brabo ela domava. Só chegava num
puro sangue, cada dia um diferente. Gostava de cavalgar mesmo num que era tão
branco e grandão, que chega a brancura brilhava de doer nos olhos da gente.
Logo zarpava, às carreiras com suas urgências. Se demorasse um pouquinho que
fosse, soltava lorota, contava piada, virava o copo, enchia o tampo e ninguém
nunca a viu bêbada caindo, quem arriava era a macharia pelos cantos, tudo
engrolando a língua e trocando as pernas. Mandava, desmandava, brigava de
deixar lutadores com a bunda no chão. Enfrentava tempo ruim, tangia a manada,
guiava de dar cavalo-de-pau em rua estreitinha e, para acabar, ainda saía num
jipe de banda, empinando só em duas rodas. Sabia de tudo: ganhava no carteado,
xeque-mate no xadrez, dava tacada na sinuca de ninguém pegar no taco para uma
jogada sequer. No futebol, dava drible e toque de arrodeio de deixar beque e
zagueiros tudo zonzos, sacando golaço por cobertura depois de um banho de cuia
no goleiro. Aquilo que era mulher-macho, fumava que só uma caipora e era
achegada a uns braquearos de ficar com os olhos tudo arreados. E era bonita, a
danada. Beldade de se ver. Nas presepadas dela, vez em quando dava pra ver um
lance dos peitinhos miúdos soltos dentro da blusa de alça querendo pular fora, eita,
coisa mais linda de se ver. Era cada decote, camisas desabotoadas, um
espetáculo! Chega arrepiava de tão desejante. Pense nuns peitos lindos que
tinha aquela mulher. Ah, quando ela se alvoroçava, dava mesmo pra ver a
calcinha estufada com os guardados dela embaixo da saia. Dava o maior tumulto
na rapaziada. Muitos corriam pros esconderijos, rendiam homenagens a fole.
Pense num desmantelo! Era cada tora de coxa, vixe! Deixava os lambaios tudo
desassossegados. Pernuda, chega as batatas das pernas roliças, dentro das
botas, chamarem atenção dos fuleiros. Era uma branquela bonita mesmo, sem
frescura, arrochada, apetitosa, tipo capa de revista. Chamava a gente tudo de
chapa: Ô chapa, passaí a meiota. Bebia no gargalo, de um gole só, nem fazia
careta. Limpava a boca com as costas do braço, ô beiços pidões, cangula, bons
mesmo de beijar. E quem era doido? Era chá de cadeia. Pior: era encarar o bico
da espingarda no meio dos olhos. Um tiro só, teibei. Lona. Um ou outro apelava
e ela, macha toda, botava o atrevido no lugar. Ah, mas um dia lá, ela
engraçou-se pras bandas dum crioulo dobrado que era vigilante dum banco. Foi um
escândalo. O cara era parrudo, mas não dava meio caldo perto dela. A bicha era
danada, casal café com leite. O sujeito comeu arrolhado e arroiado, quase se
vira em dois para dar conta do fogo daquela. Ô mulher fogosa. Ela dizia que
queria se perder no meio de uma seleção de futebol dessas da Nigéria, Camarão
ou de um desses países africanos, cada pintudo! Ela lá no meio deles. Só se
enganchava com musculosos, eles que se viam na volta dela. Braba que só uma
capota choca. E eles só calados, cabeça baixa, ouvindo os desaforos dela. Deixou
muitos deles de coração partido, desajuizados. Afora os casados, noivos e
solteiros que endoidaram de andar atrás dela e ela nem aí, só na cotovelada e
virada de queixo pro lado. Danou-se no mundo da gente nunca mais vê-la. Dizem
que se casou mais de vinte vezes, deixando os maridos tudo atrapalhado. É, se
não desse conta, era duas de quinhentos na hora! Aquela era uma danada de
carteirinha. Homem bem soubesse só queria dela amizade; compromisso sério,
vôte, só pra quem tem coragem de mamar em onça e das furiosas. Pense numa
bronca! Só pra quem quer ver a morte de perto! Bote fé. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
Até que ponto atos
como transgredir as leis, praticar a corrupção, afrontar a moral pública são
atributos comuns apenas aos homens públicos (“os eleitos”), sobre serem
socialmente reprovados? Até onde são condutas comuns a quase todos (“os
eleitores”), além de socialmente cometidas? [...]
Talvez um pouco de tudo isso, mas sem que
se deva enxergar próxima, em todas as suas cores, uma tragédia social. De um
lado, porque o brasileiro ainda demonstra saber distinguir, em seu pensar, o
certo do errado. Ele está, porém, cansado de ver que as leis não são cumpridas;
que a Justiça, quase sempre tardia, sujeita-se a interesses pessoais e
parcialidades políticas; e que o Estado nega-lhe acesso suficiente à saúde, à
educação, à segurança ao tempo em que lhe impõe insuportável ônus fiscal. Esse
estado de coisas precisa mudar rapidamente. De outro lado, parece estar cedendo
o umbral a partir do qual vai ampliando, num crescendo, a tolerância social,
inclusive a atos e condutas formalmente incriminados: ao pequeno suborno, à
sonegação eventual. Como persiste resistindo uma certa indefinição entre o
público e o privado por onde se imiscuem, sancionados socialmente, o nepotismo
e outras formas de apropriação pessoal e familiar do Estado. São processos que
devem ser estancados e pacientemente revertidos. Mais complicado será receitar
o que se deve objetivamente fazer para combater a complacência dos mais
“educados” (isto é, de mais anos de estudo) e dos mais jovens (acaso imaturos?)
a comportamentos ilegais ou eticamente reprovados.
Trechos de Corrupção,
ética e sociedade, extraídos da obra Antes
tempos depois: pequenos ensaios (José Olympio, 2007), do advogado e
economista Roberto Cavalcanti de
Albuquerque. Veja mais aqui, aqui e aqui.
A POESIA
DE JESSIER QUIRINO
POLITICAGEM: A tal da politicagem / é o acento circunflexo / da
palavrinha cocô... / é feito brigar com gambá / pois mesmo o cabra ganhando /
sai arranhado e fedendo. / É dirigir dando ré / o cabra tem três espelhos / e
ainda olha pra trás. / E pode prestar atenção: / na boca do candidato / é o
mesmo Mané Luiz: / TRABALHO E HONESTIDADE / TRABALHO E HONESTIDADE / por quê?
Porque o povo gosta de mentira! / Seu manezinho Boleiro / suplente de
Merda-Viva / foi dar uma de sincero / dizendo o que pretendia: / trabalhar de
terça à quinta-feira / e roubar só o normal... / Teve uma queda de votação tão
pra baixo / que até inda é suplente.
COISAS QUE A NATUREZA ARRUPINA: Se o urubu cheirar perfume / morre de
porre cheiroso / se o bode for pro chuveiro / morre de banho espumoso / se o
oceano fosse insosso / eu insossava o bacalhau / botava insosso na bolacha /
sofria de pressão baixa / era a vida aquele sal.
VIVER ASSIM É DE MORTE: Os tiros ao alvo e outro ao escuro / do policial
que não policia / mataram meninos José e Maria / de tombo bi-tombo tri-tombo e
hiato / sapatos sem pés e pés sem sapatos / favelas lotadas de becos pendentes
/ humano inumano rangendo seus dentes / travando batalha com a culpa maldada /
justiça que medra, que merda, que nada / que planta maldade chumbando as
sementes.
Poemas
recolhidos do livro Bandeira nordestina
(Bagaço, 2006), do poeta, compositor e intérprete Jessier Quirino. Veja
mais aqui e aqui.
A ARTE DE ELKE KRYSTUFEK
Acho que a arte é
como um orgasmo, mas se o sexo for aborrecido, não quero fazê-lo. Estou vivendo a vida que você nunca ousará
viver.
A arte da artista conceitual austríaca Elke Silvia Krystufek que
trabalha em variadas mídias, incluindo pintura, escultura, vídeo, fotografia,
colagens & performance art. Veja mais aqui e aqui.
A OBRA DE RAINER MARIA RILKE
Vivo a minha vida em círculos cada vez
maiores / que se estendem sobre as coisas. / Talvez não possa acabar o último,
/ mas quero tentar.