O DIA E A MARAVILHA VIVER - Ainda ontem não sabia o
que pensar, fazer o que não fiz, dizer o que não disse. Coisas e lembranças
perdidas ou jogadas fora; aventuras adiadas, festas que passaram, rugas do que
restam, destroços e monturos. Sigo entre o flagra e divagar. O que era guerra
ainda hoje é iminente. Anteontem a quimera do futuro, hoje horagá. A vida passa
depressa, senão corro, eu vou devagar. Havia tanta incerteza, farsas, ratatá. Ainda
muito que aprender. Aqui há muito mais além de possibilidades, consequências, o
que é que há? Houve um tempo em que tudo era factível, isso na infância, quase
na adolescência, ah, não mais, só o impossível a se desvelar abrindo o breu e
tudo raiar. Afinal, o que já foi saiu da moldura, desbotou, quase sumiu e não
cabe mais nem sequer cogitar, ou o que vai, se já não foi; o que terá de ser,
será! Ou não, o que se sabe é quase nada, fiapinho dagora, cabelinho de sapo, o
triz, já fora de moda, o perene descartável. Valho-me ainda do aperto de mão, do
abraço amigo, ah, o eflúvio das rosas, a luz, o luar. Melhor a surpresa e tudo
passar ou desandar, correr ou parecer que para tudo e tudo não para, deslizes,
acomodações, continuações. Melhor é saber que nasce o dia e que é lindo o
amanhecer, como é maravilhoso viver seguir adiante pro imprevisível. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] A democracia em crise é uma afirmação que a
ninguém mais surpreende. Uma crise multi-facetada que tem como consequência o
declínio das estruturas representativas tradicionais e um mal-estar geral com
o funcionamento democrático atual. Vivemos em tempos nos quais a política nos é
apresentada como algo prescindível, inclusive sujo, vergonhoso e é desejável a
não profissionalização do político. Nossas possibilidades eleitorais, com
frequência, são reféns ou de uma tecnocratizacão da política ou de uma
política demagógica que manipula medos, emoções e afetos. [...] O primeiro passo para combater posturas
antidemocráticas, que colocam em risco o avanço nos direitos e garantias
fundamentais, é entender este processo em toda sua complexidade e
multidimensionalidade.
Trecho
extraído do artigo Crise da Democracia e extremismos de direita (Friedrich-Ebert-Stiftung, 2018), da
pesquisadora e professora espanhola Esther Solano.
MENIRES APAIXONADOS
Há muitos e muitos
anos, na ilha da Bretanha, os druidas eram poderosos e respeitados. Eles
celebravam as cerimônias religiosas, diziam conhecer os segredos da Terra e do
Céu e cuidavam de tudo. Jean vivia em Belle-Île e os antigos druidas da ilha
gostavam muito dele: achavam que o jovem possuía “a bela palavra”, aquela capaz
de se comunicar tão bem com as pessoas como com as forças invisíveis da
Natureza. Jean, muito cedo, tornou-se um bardo, o primeiro degrau a se galgar
na hierarquia dos druidas. Mas Jean não se preocupava muito com o que esperavam
dele. A única coisa que lhe importava de fato era seu amor por Jeanne. A moça
era filha de um pobre pescador, homem que aos olhos dos druidas não valia nada.
Eles achavam que a menina era indigna de seu protegido. No entanto, Jean amava
Jeanne, e Jeanne amava Jean. Os druidas tentaram argumentar com o garoto,
chegaram até mesmo a ameaçá-lo com sua cólera. Jean somente disse:– De que
valem seus argumentos contra o meu amor? Devo me casar com aquela que
escolherem ou com aquela que meu coração escolher? Onde está a dita sabedoria
de vocês, se ela se limita ao que as pessoas possuem ou não possuem? Esse
pescador de mãos vazias tem o mais belo tesouro da ilha, pois, na sua pobre
casa, brilha o sorriso de Jeanne!– Que afronta a deste Jean! – rosnaram os
druidas. – Ele realmente acha que pode ir contra nossa vontade?No entanto, Jean
amava Jeanne, Jeanne amava Jean, e o amor é cego às ameaças.Naquele dia, Jean
se encontraria com a sua bem-amada num descampado. No pôr do sol, os arbustos
de violetas ficavam ainda mais rosados. Jean estava decidido a pedir a mão de
Jeanne em casamento no fim do verão. Seu coração batia mais forte, mesmo
sabendo que era quase certo que Jeanne aceitaria...Por que Jean não percebeu o
ar pesado daquela noite? Por que não escutou o barulho de passos furtivos por
detrás da duna? Por que não viu as sombras rastejando pelo chão? Por quê?
Porque ape-nas percebeu, escutou e viu Jeanne correndo em sua direção, tão leve
na luz rasante do sol!Ela corria em direção a ele. Eles estavam a apenas vinte
passos um do outro. Queriam se chamar, mas de repente a garganta dos dois se
tornou tão áspera que nenhum som saiu de suas bocas. Eles queriam se abraçar,
mas seus passos se tornaram pesados como chumbo. Eles endureceram enquanto
trocavam olhares aterrorizados, impotentes. Atrás da duna, eles escutaram subir
vozes salmodiando um canto inquietante, surdo e ameaçador. Os pés se perderam
na areia. Os braços se soldaram a seus troncos, o rosto se crispou e seus
corpos se petrificaram pouco a pouco. Jeanne e Jean se tornaram duas pedras,
eretas, frias e silenciosas. De repente, o canto cessou.Os druidas, um por um,
saíram de seu esconderijo e contemplaram sua obra. Sobre o descampado, dois
menires se erguiam face a face, a vinte passos um do outro. O feitiço, nesse
dia, foi muito mais forte que o amor. Os druidas impuseram sua lei. No entanto,
não completamente. O amor de Jeanne e de Jean não se deu por vencido. A cada
lua cheia, desde o dia em que os dois amantes teriam se unido, os dois menires
se mexem no pedestal de pedra. Com esforços incríveis, eles se aproximam um do
outro. O que acontece, então, entre os dois amantes de pedra?Ninguém sabe
dizer, mas, cada ano, no descampado, aparecem sempre pequenos e novos menires.–
São os filhos desse belo amor! – afirmam os habitantes de Belle-Île. E é nesse grande
campo que se encontram hoje todos os menires da ilha, desafiando o tempo e o
poder dos homens. As pessoas vêm de longe para admirá-los, especialmente nas
noites de verão, quando o descampado fica violeta e os raios do pôr do sol
acariciam a luz rosada dos menires.
Conto da Bretanha, extraído da obra Volta ao mundo dos contos nas asas de um
pássaro (SM, 2007), de Catherine Gendrin e Laurent Corvasier. Veja mais
aqui.
A DANÇA DE YOUNGSIL KIM
A arte
da bailarina japonesa YoungSil
Kim. Veja mais aqui.
&
A OBRA DE BERTOLT BRECHT
Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de
pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E
agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento,
que só à humanidade pertence.
A obra do
dramaturgo, encenador e poeta alemão Bertolt
Brecht (1898-1956) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui & aqui.