OS OLHOS DE JEANNE - Os teus olhos
são meus, Jeannette, com toda ventura que me espanta do teu ser, porque és
vasta e desmedida em cada gesto desordenado. Tu és minha desde Meaux, nunca
mais descascarás batatas, criando tuas próprias roupas e pintando teus sonhos. Serás
sempre a minha Livorno com a tua índole
amante e o teu incondicional amor. E se eu não morrer, Jeannette, farei melhor
que Foujita porque és minha desde aquele dia no Café de La Rotonde, em que
vieste como uma luminária com teus turbantes exóticos, tua capa marrom, todas
altas botas, pronta para me guardar. Desde quando te vi na Academia
Colarossi, minha Noix de Coco, com tua palidez esplêndida, teus intrigantes e grandes olhos
azuis, tua timidez de virgem veneziana nas ruas de Montparnasse, passaste a ser minha
para me perseguires na grande lua da tua brandura e não mais calar a
sobra dos desejos. Sou teu, Jeannette,
não direi mais que não temos sorte e te acordarei todas as manhãs a repetir
mais de mil vezes que sou feliz por te amar bem mais do que devia na minha autodiegese
e nos eternizaremos no que somos de amor, como se fosse sempre a primeira vez e
edulcorados entre os lençóis com cheiro de
vinho e latas de sardinhas, celebrando nossa pequena Jeanne e o nosso filhinho
que virá. Se eu não morrer, que eu morra em ti porque em mim habitas maior que
o merecimento das nossas palmas nas linhas das mãos entrecruzadas como uma teia
caótica, porque te quero para não me perder perigosamente, porque me amas mais
que a ti mesmo, porque te amo mais que a mim mesmo. E serás sempre minha na
chama dos beijos para assegurarmos a felicidade eterna no infinito
inexprimível do teu gozo, a tua na minha carne inundada, o meu no teu sexo em
chamas e Deus se realizará enquanto o tempo se consuma
e a vida será pouca para guardar no meu peito para sempre a mecha do teu cabelo,
o teu suspiro agonizante, o teu hálito faminto de amor. Tudo morre com o tempo,
companheira devotada, não há nem haverá mais ninguém, o amor é um só na lenda do
Père-Lachaise. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] As desigualdades continuarão a crescer em
todo o mundo. Mas, longe de alimentar um ciclo renovado de lutas de classe, os
conflitos sociais tomarão cada vez mais a forma de racismo, ultranacionalismo,
sexismo, rivalidades étnicas e religiosas, xenofobia, homofobia e outras
paixões mortais. A difamação de virtudes como o cuidado, a compaixão e a
generosidade vai de mãos dadas com a crença, especialmente entre os pobres, de
que ganhar é a única coisa que importa e de que ganhar – por qualquer meio
necessário – é, em última instância, a coisa certa. [...] Nenhuma das alternativas acima é acidental.
Em qualquer caso, é um sintoma de mudanças estruturais, mudanças que se farão
cada vez mais evidentes à medida que o novo século se desenrolar. [...] O principal choque da primeira metade do
século XXI não será entre religiões ou civilizações. Será entre a democracia
liberal e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do
povo, entre o humanismo e o niilismo. [...] Apoiado pelo poder tecnológico e militar, o capital financeiro
conseguiu sua hegemonia sobre o mundo mediante a anexação do núcleo dos desejos
humanos e, no processo, transformando-se ele mesmo na primeira teologia secular
global. Combinando os atributos de uma tecnologia e uma religião, ela se
baseava em dogmas inquestionáveis que as formas modernas de capitalismo
compartilharam relutantemente com a democracia desde o período do pós-guerra –
a liberdade individual, a competição no mercado e a regra da mercadoria e da
propriedade, o culto à ciência, à tecnologia e à razão. Cada um destes artigos
de fé está sob ameaça. Em seu núcleo, a democracia liberal não é compatível com
a lógica interna do capitalismo financeiro. É provável que o choque entre estas
duas ideias e princípios seja o acontecimento mais significativo da paisagem
política da primeira metade do século XXI, uma paisagem formada menos pela
regra da razão do que pela liberação geral de paixões, emoções e afetos. Nesta
nova paisagem, o conhecimento será definido como conhecimento para o mercado. O
próprio mercado será re-imaginado como o mecanismo principal para a validação
da verdade. Como os mercados estão se transformam cada vez mais em estruturas e
tecnologias algorítmicas, o único conhecimento útil será algorítmico. Em vez de
pessoas com corpo, história e carne, inferências estatísticas serão tudo o que
conta. As estatísticas e outros dados importantes serão derivados
principalmente da computação. Como resultado da confusão de conhecimento,
tecnologia e mercados, o desprezo se estenderá a qualquer pessoa que não tiver
nada para vender. [...] Se a
civilização pode dar lugar a alguma forma de vida política, este é o problema
do século XXI. [...].
Trecho
do artigo The age of
humanism is ending (Mail & Guardian, 2016 – tradução de
André Langer), do historiador, filósofo e cientista
político camaronês Achille
Mbembe, autor de obras, tais como Crítica da razão negra (Antigona, 2014), abordando sobre a evolução do pensamento racial na Europa, resgatando o
conceito de Negro e de homem-mercadoria, do racismo global tecido pelo
capitalismo selvagem; de Necropolítica (N-1, 2018), tratando sobre dominação,
sofrimento, destruição e sobrevivência na falência da política; de Sair da
grande noite (Pedago, 2014), um ensaio sobre a África descolonizada, a
modernidade afropolitana, demonstrando novas sociedades que emergem com a
concretização da síntese a partir da reconstituição, da
distribuição das diferenças entre si e os outros e da circulação dos homens e
das culturas; e de Políticas da inimizade (Antígona, 2017), ensaio sobre a
hostilidade e as formas que ela assume nas sociedades contemporâneas.
A ARTE DE SUELI GUERRA
A arte
da coreógrafa, intérprete criadora, bailarina e diretora artística Sueli Guerra, que se formou no Ballet
Dalal Aschar e é especialista no método Royal pela Washington School of Ballet
e graduada em Dança pela UniverCidade (RJ), tendo sido bailarina em diversas
companhias, ter fundado a Cia da Ideia, além de ter coreografado para diversos
filmes e programas de TV. Ela é integrante da Cia de Teatro Aberto e desenvolve
o projeto social Oficina da Criação na ONG Palco Social, além de integrar o
corpo docente da Casa das Artes de Laranjeira (CAL) e do curso de pós-graduação
da UNIRIO. Veja mais aqui.
AMANCEBADO
[...] Um sertanejo cearense queria dar aos filhos
um desses nomes de encher a boca. O vigário sugeriu vários nomes de santos, sem
conseguir sua concordância. Passou aos nomes profanos. E nada! Daí a pergunta:
“Mas que espécie de nome o senhor quer?” Resposta: “Senhor vigário, queria
alguma coisa assim como Amancebado!”. [...].
Trecho
extraído da obra O sertão e o mundo (Leite Ribeiro, 1923), do advogado, professor, museólogo,
folclorista e escritor cearense Gustavo
Barroso (1888-1955). Veja mais aqui.
&
A OBRA DE MODIGLIANI
Quando conhecer sua alma, pintarei seus olhos. A
felicidade é um anjo de rosto grave.
A obra do
artista plástico e escultor italiano Amedeo Clemente Modigliani
(1884-1920) aqui, aqui, aqui e aqui.
&
A OBRA DE JEANNE HEBUTERNE
Você
sabe o que é o amor? Amor de verdade? Você já amou tanto que se condenou à
eternidade no Inferno. Eu amei. A luta travada com a morte é dada através dos
mesmos gestos contidamente torturados e, não obstante, cheios de força.
A obra da
pintora francesa Jeanne Hébuterne (1898-1920), a eterna musa de Modigliani
aqui.