O SÁBIO SORRISO
DE SUELY ROLNIK – Pela primeira vez o seu sorriso apaixonante, inadvertidamente tornei-me
sapiossexual na hora! Tinha eu lá meus 20 e poucos anos e, diante daquela bela
mulher recém-chegada da França, onde se exilara por conta da perseguição
sofrida durante a horrenda ditadura militar, inevitavelmente me senti como o
garoto apaixonado pela professora da escola primária. As mesmas sensações. Avidamente,
dela bebi toda sapiência filosófica e psicanalítica, seus escritos, suas
curadorias, suas críticas de arte e cultura, sua atuação no campo da arte
contemporânea criando o Arquivo para uma obra-acontecimento com as proposições
de Lygia Clark e a caixa dos filmes de entrevistas. E, sempre que podia, não
perdia por nada suas exibições no Núcleo de Estudos da Subjetividade. Essa linda
professora havia trabalhado na Clínica Experimental com Guattari – com quem
publicou Micropolítica: Cartografias do desejo -, e que estudou com
Deleuze, Foucault, Clastres e Barthes. Estava atento a tudo que ela fizesse. Quando
ela foi embora para a Espanha, lecionar no Museu de Arte Contemporânea de
Barcelona, bateu-me a inquietação. Aí corria as vistas pelas publicações da
Documenta e da Manifesta, bem como pelo Manifeste Anthropophage /
Anthropophagie Zombie , Archivmanie, Cartografia Sentimental:
Transformações contemporâneas do desejo e das Esferas da insurreição:
notas para uma vida não cafetinada. Lia e prestigiava tudo que tivesse sua
rubrica, imperdível. Mantenho-me atento e aguardo ansioso seu retorno para
folgar de emoção e matar as saudades desta grande mulher presencialmente. Veja
mais abaixo e mais aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS – Eu fiz um pacto comigo mesma há muito tempo: nunca veja nada mais
estúpido do que você. Isso me ajudou muito. Aprecie para sempre o que te faz
único, porque você é realmente um bocejo se for. Se pudesse receber um desejo,
eu brilharia no teu olho como uma joia. Depois de trinta, um corpo tem uma
mente própria. Eu me sinto um milhão esta noite - mas um de cada vez. Pensamento da
cantora, atriz, roteirista e comediante estadunidense Bette Midler. Veja
mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Os genes
carregam a arma e o ambiente puxa o gatilho. O envelhecimento envolve muitas
coisas diferentes, e a capacidade das células de se autorrenovar faz parte do
processo, mas não é tudo. Às vezes, a biologia revela seus princípios
fundamentais por meio do que pode parecer, a princípio, misterioso e bizarro. Eu
apenas promovi ativamente o que sempre esperamos que seja boa ciência. Pensamento da
bióloga australiana Elizabeth Blackburn, Prêmio Nobel em Fisiologia e
Medicina de 2009.
UMA COISA QUE EU DISSE
- A arte se realiza com o leitor (plateia) que a identifica e por sua
experiência - que é única - transcende. O artista indaga; o leitor a
identifica, interage e responde. Assim a arte se torna verdadeiramente arte.
Por consequência, assim mesmo a arte se define e cumpre a sua função. (LAM).
A GEOPOLITICA
DO PROXENITISMO - [...] a mesma singularidade que deu tanta força
aos movimentos contraculturais no Brasil tendeu também a agravar a clonagem
desses movimentos levada a cabo pelo neoliberalismo. O savoir-faire
antropofágico dos brasileiros dá-lhes uma facilidade especial de adaptação aos
novos tempos. As elites e as classes médias do país estão absolutamente
deslumbradas por serem tão contemporâneas, tão atualizadas no cenário
internacional das novas subjetividades pós-identitárias, tão bem equipadas para
viver essa flexibilidade pós-fordista (que, por exemplo, as torna campeãs
internacionais da publicidade e as posiciona em posições elevadas no ranking
mundial das estratégias de mídia). Mas esta é apenas a forma tomada pelo
abandono voluptuoso e alienado ao regime neoliberal na sua versão local
brasileira, tornando os seus habitantes, especialmente os citadinos, em
verdadeiros zumbis antropofágicos. [...] Foram cinco séculos de
experiência antropofágica, e quase um de reflexão sobre ela, desde o momento em
que os modernistas a circunscreveram criticamente e a tornaram consciente.
Neste contexto, o savoir-faire antropofágico dos brasileiros – especialmente
como foi atualizado nas décadas de 1960-70 – ainda pode ser útil hoje, mas não
para garantir seu acesso aos paraísos imaginários do capital; pelo contrário,
para ajudá-los a problematizar a confusão vergonhosa entre as duas políticas de
subjetividade flexível e a separar o trigo do joio, essencialmente com base no
lugar ou não-lugar que é atribuído ao outro. Este conhecimento ofereceria as
condições para uma participação fértil no debate que se reúne
internacionalmente em torno da problematização de um regime que agora se tornou
hegemônico, e também na invenção de estratégias de êxodo para fora do campo
imaginário cujas origens estão em seu mito mortal. A arte tem uma vocação
especial para realizar tal tarefa, na medida em que, ao trazer as mutações da
sensibilidade para o reino do visível e do dizível, pode desvendar a
cartografia do presente, libertando a vida em seus pontos de interrupção e
liberando seu poder de germinação – uma tarefa totalmente distinta e
irredutível ao ativismo macropolítico. Este último se relaciona com a realidade
do ponto de vista da representação, denunciando os conflitos inerentes à
distribuição de lugares estabelecida na cartografia reinante (conflitos de
classe, raça, gênero etc.) e lutando por uma configuração mais justa. São dois
olhares distintos e complementares sobre a realidade, correspondendo a dois
diferentes potenciais de intervenção, ambos participando a seu modo na formação
de seu destino. No entanto, problematizar a confusão entre as duas políticas de
subjetividade flexível para intervir efetivamente nesse campo e contribuir para
quebrar o feitiço da sedução que sustenta o poder do neoliberalismo no próprio
cerne de sua política do desejo, implica necessariamente tratar a doença que
surgiu da infeliz confluência, no Brasil, dos três fatores históricos que
exerceram um efeito negativo sobre a imaginação criadora: a violência
traumática da ditadura, o proxenetismo do neoliberalismo e a ativação de uma
antropofagia de base. Essa confluência claramente exacerbou o rebaixamento da
capacidade crítica e a identificação servil com o novo regime. [...]. Trechos
extraídos do ensaio A geopolítica do proxenetismo (Transversal, 2006),
da filósofa, escritora, psicanalista e professora Suely Rolnik, autora
do ensaio A memória contagiosa do corpo: O retorno de Lygia Clark ao museu
(Transversal, 2007), no qual ela expressa: [...] A força poética é uma das
vozes na polifonia paradoxal através da qual se delineiam os devires
heterogêneos e imprevisíveis da vida pública. Esses devires se reinventam
continuamente para libertar a vida dos impasses que se acumulam nas zonas
infecciosas onde o presente se torna insuportável. Os artistas têm um ouvido
apurado para os sons inarticulados que nos chegam do indizível, nos pontos onde
a cartografia dominante se desfaz. Sua poesia é a encarnação de tais sons, que
então podem ser ouvidos entre nós. [...]. Veja mais aqui e aqui.




