A SOLIDÃO DE
MARTHA: AS CINCO TRAVESSIAS DO INFERNO – Martha também era Ellis e filha de um médico
ginecologista judeu alemão e de uma feminista sufragista filha de protestantes.
Aos 7 anos de idade participou de um comício, o The Golden Lane. Cresceu
e passou a buscar a carreira do jornalismo publicando seus textos, razão pela
qual ganhou uma viagem à Europa. Na França conheceu aos 22 anos de idade o seu
primeiro amor, causando um grande escândalo: o pai nunca lhe perdoou e logo o arrependimento.
Cobria eventos de moda para publicações dos dois lados do Atlântico, quando foi
demitida ao denunciar um caso de assédio sexual. Regressou aos Estados Unidos
já engajada no movimento pacifista, o que a levou ao seu primeiro livro What
Mad Pursuit. Viajou por todo país testemunhando a grande depressão e, a
partir de então, passou a trabalhar como fotógrafa com Dorothea Lange,
documentando a fome e o desemprego, o que levou a escrever os contos do livro The
Trouble I've Seen. A partir daí foi cobrir a Guerra Civil espanhola, as
trincheiras na linha de frente, os hospitais repletos de soldados enfermos e os
bombardeios de Barcelona. Durante os incidentes conheceu o segundo amor num
bar: Um homem grande e sujo... Fez uma atribulada viagem à China: Fechei
os olhos porque pensei que preferia não ver uma das asas a separar-se da
fuselagem. O avião, quando já estava perto do chão, começou a subir lentamente
sem perder as asas. Recuperamos o que deveria ser a altura normal de voo,
embora um voo que nada tivesse de normal, e o avião prosseguiu em estilo
borboleta... Com a companhia era a hora de um promissor casamento. Presenciou
a ascensão do nazismo e a eclosão de segunda guerra grande que seriam relatados
no seu livro A Stricken Field. Os envolvimentos amorosos se sucediam a
cada mudança de cenário. Depois ocupou-se em escrever sobre a guerra da Finlândia,
Burma, Hong Kong, Singapura e Inglaterra, fingindo-se enfermeira e se trancando
num banheiro dum navio-hospital. Ao desembarcar tornou-se carregadora de macas
transportando os feridos das tropas na Normandia, para em seguida reportar
sobre o campo de concentração de Dachau. Seguiu numa perigosa viagem oceânica
até Londres devastada, rompendo o casamento ao chegar num hotel. Adotou um órfão
italiano dedicando-se maternalmente por um bom tempo. Viajou o mundo para
relatar eventos como os julgamentos de Nuremberg. Vieram então a guerra do
Vietnã, os conflitos árabes israelenses, as guerras civis da centro-américa e a
invasão do Panamá, juntamente com os livros Face of War e The Lowest
Trees Have Tops. Novos envolvimentos amorosos, mais um casamento quase
duradouro acompanhado dum novo divórcio. Mudou-se pro Quênia, depois para País
de Gales. Depois publicou uma coleção de novelas: The Weather in Africa,
contando a travessia num Land Rover decrépito por estradas intransitáveis e o
destino se perdendo ao pôr do Sol, os insetos e a sensação de flutuar. Para ela
as cinco travessias do inferno foram as suas melhores viagens horrorosas: um
purgatório de aborrecimentos e perigos. Contava com 80 anos de idade quando foi
violada no Quênia. A cada tragada de inveterada fumante denunciava as
injustiças do mundo, contando como clandestinamente entrou no Panamá para
relatar a invasão das tropas estadunidenses. A cada gole de uísque repassava o
passado sem conseguir enxergar nada adiante. Aposentou-se e fez uma cirurgia mal
sucedida de catarata para ficar com a visão prejudicada. Publicou então Travels
with Myself and Another. Ainda queria cobrir os conflitos dos Balcãs,
quando decidiu se reportar à pobreza no Brasil. Conseguiu publicar uma coletânea
de jornalismo pacifista: The View from the Ground. Era o ocaso da inquieta
viajante intrépida que abominava o tédio e perguntas sobre Hemingway; que sentiu
a solidão fria durante os casamentos; que viveu um relacionamento distante e
amargo com o filho, a amizade rompida com Sybille Bedford, a saúde cada vez mais
piorando, um câncer no ovário e na escuridão de uma quase cegueira preferiu uma
cápsula de cianeto. Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS
- Gradualmente, percebi que as pessoas engolem mais facilmente mentiras
do que verdades, como se o sabor das mentiras fosse caseiro, apetitoso: um
hábito... As pessoas costumam dizer, com orgulho, "Não estou
interessado em política". Elas também podem dizer, "Não estou
interessado em meu padrão de vida, minha saúde, meu emprego, meus direitos,
minhas liberdades, meu futuro ou qualquer futuro". ... Se pretendemos
manter algum controle sobre nosso mundo e nossas vidas, devemos estar
interessados em política... Depois de uma vida inteira observando
guerras, vejo a guerra como uma doença humana endêmica, e os governos são os
portadores... Por que as pessoas falam dos horrores da velhice? É ótimo.
Eu me sinto como um bom carro velho com as peças gradualmente se desgastando,
mas não estou reclamando... Aqueles que acham o envelhecimento terrível são
pessoas que não fizeram o que queriam com suas vidas... A
"liberdade" é o bem mais caro que existe; ela tem que ser paga com
solidão... Pensamento da escritora e jornalista estadunidense Martha Gellhorn (Martha Ellis Gellhorn – 1908-1998), que
no seu livro Selected Letters (Holt Paperbacks, 2007), ela assinalou que:
[…] E essa vontade de fugir do que amo é um tipo de sadismo que não pretendo
mais entender. [...]. No
seu livro Travels With Myself and Another (Penguin, 2001), ela expressa
que: […] Nada é melhor para a autoestima do que a sobrevivência. [...].
No livro The Face of War (Atlantic Monthly, 1994), ela registra que: […]
Na noite de Ano Novo, pensei em uma maravilhosa resolução de Ano Novo para
os homens que governam o mundo: conhecer as pessoas que só vivem nele. [...] Nenhuma guerra, no
registro de guerras de nossa espécie, foi terminal. Até agora, quando sabemos
que uma guerra nuclear seria a morte de nosso planeta. É inacreditável que
quaisquer governos — essas breves figuras políticas — se arroguem o direito de
parar a história, a seu critério. [...].
ALGUÉM FALOU: Paz no
patriarcado é guerra contra as mulheres... Se o patriarcado teve um
início específico na história, também pode ter um fim... Pensamento da socióloga
alemã Maria Mies (1931-2023), que no seu livro Ecofeminism
(Zed, 2014), ela expressa que: [...] Agora, depois que os recursos materiais das
colônias foram saqueados, seus recursos espirituais e culturais estão sendo
transformados em mercadorias para o mercado mundial... [...].
No seu livro Patriarchy and Accumulation on a World Scale: Women in the
International Division of Labour (Zed, 1999), ela assinala que: […] O projeto feminista é basicamente um movimento anarquista
que não quer substituir uma elite de poder (masculina) por outra elite de poder
(feminina), mas que quer construir uma sociedade não hierárquica e não
centralizada, onde nenhuma elite viva de exploração e domínio sobre as outras. [...].




