A SOLIDÃO DE NANCY... - Era a filha mais velha do barão Redesdale e foi educada particularmente. Uma jovem que era uma promessa brilhante logo deu o ar de sua graça e os pendores literários com a publicação dos escritos: Highland Fling. Logo brilhou com a publicação de Christmas Pudding e, logo em seguida o primeiro amor levou-a ao casamento. Publicou outro livro, o Wigs on the Green e o relacionamento conjugal, por tanto que durou, não resistiu à insatisfação mútua e ao divórcio. A sonhadora em busca do amor logo publicou Pigeon Pie. Contudo, foi com a publicação dos manuscritos que seriam seu primeiro grande sucesso: The Pursuit of Love, mantendo a chama viva da paixão. Estava definitivamente estabelecida a sua reputação de escritora. E foi durante a segunda guerra que se envolveu com o segundo amor, publicando em seguida Love in a Cold Climate. Logo desenvolveu o conceito de língua U e não-U: as palavras identificavam as origens sociais. Era uma piada, mas foi levada a sério por muita gente. Vieram então os livros The Blessing, a biografia de Madame de Pompadour, a biografia Voltaire in Love e Don't Tell Alfred. A sua sagacidade afiada e provocativa foi amainando com o fracasso do relacionamento e a saúde deteriorada: a sua marca ficou para sempre. Veja mais abaixo & mais aqui & aqui.
DITOS &
DESDITOS - Se não é
possível ser feliz, é preciso se divertir. Há coisas piores que a pobreza,
embora eu não consiga lembrar quais são no momento. É engraçado que as pessoas
estejam sempre prontas para admitir que não têm talento para desenho ou música,
enquanto todos imaginam que são capazes de amar de verdade, o que é um talento
como qualquer outro, só que muito mais raro. O que é tão bom e tão inesperado
sobre a vida é a maneira como ela melhora conforme avança. Acho que você
deveria incutir esse fato em seus filhos porque acho que os jovens têm uma
sensação horrível de que a vida está passando por eles e eles precisam fazer
alguma coisa - pegar alguma coisa - eles não sabem bem o que, enquanto eles só
precisam esperar e tudo vem. A grande vantagem de viver em uma família grande é
a lição precoce da injustiça essencial da vida. Às vezes fico entediado com as
pessoas, mas nunca com a vida. Pensamento da escritora britânica Nancy
Freeman-Mitford (1904-1973). Veja mais aqui, aqui & aqui.
ALGUÉM FALOU: Eu fiz o meu
melhor. Não preciso convencer o público. Realmente não acredito em religiões
monoteístas e, portanto, defendo religiões africanas baseadas em espíritos. Talvez
eu tenha ousado mostrar o que acontece à noite e sobre o qual as pessoas nunca
falam durante o dia. “Cavalgar” não é um problema. Tudo é fruto da imaginação –
minha imaginação. Por que todos os filmes devem conter uma mensagem, ser
instrutivos ou educativos? Criatividade não é uma atividade analítica. Para
mim, os filmes nascem da imaginação. Como minha mãe diz, é o destino. Estava
escrito que eu tinha que passar por esse julgamento, mesmo depois de 20 anos no
ramo. Havia um mistério em torno do filme. Eu tinha dado direito de autoridade
ao produtor francês designado que tinha adquirido – sem nosso conhecimento – os
direitos do filme, bem como todo o financiamento que eu tinha obtido da Itália
e da Suíça. Tudo desapareceu no ar. Por seis anos; eu tive que lutar sozinha
até o fim do processo judicial. De qualquer forma, meu filme foi inteiramente
filmado em 1990, quando Mossane tinha 14 anos. O que aconteceria se faltassem
algumas cenas, agora que Mossane tem 21? Quero esquecer os últimos seis anos.
Mossane está pronto e estou feliz por finalmente ter chegado lá. Eu gosto muito
deste filme. Pensamento da cineasta e etnóloga senegalesa Safi Faye (1943-2023).
A TRÉGUA – […] Hurbinek
era um nada, um filho da morte, um filho de Auschwitz. [...] Hurbinek
continuou, enquanto viveu, as suas experiências obstinadas. Nos dias seguintes,
todos nós o ouviamos em silêncio, ansiosos por entendê-lo, e havia entre nós
falantes de todas as línguas da Europa: mas a palavra de Hurbinek permaneceu
secreta. Não, não devia ser uma mensagem, tampouco uma revelação: era talvez o
seu nome, se tivesse a sorte de ter um nome; talvez (segundo uma de nossas
hipóteses) quisesse dizer “comer” ou “pão”; ou talvez “carne” em boêmio, como
sustentava, com bons argumentos, um dos nossos, que conhecia essa língua. Hurbinek,
que tinha três anos e que nascera talvez em Auschwitz e que não vira jamais uma
árvore; Hurbinek, que combatera como um homem, até o último suspiro, para
conquistar a estrada no mundo dos homens, do qual uma força bestial o teria
impedido; Hurbinek, o que tinha nome, cujo minúsculo antebraço fora marcado
mesmo assim pela tatuagem de Auschwitz; Hurbinek morreu nos primeiros dias de
março de 1945, liberto mas não redimido. Nada resta dele: seu testemunho se dá
por meio de minhas palavras. [...] Em suas conversas, o verdadeiro, o
possível e o fantástico formavam um nó imbricado, variável e inextricável.
Falava da prisão e do tribunal como de um teatro, onde ninguém é realmente
ninguém, mas cada um representa, demonstra a sua habilidade, entra na pele de
outro, interpreta um papel; e o teatro, por sua vez, era um grande símbolo
obscuro, um instrumento tenebroso de perdição, a manifestação externa de uma
seita subterrânea, malvada e onipresente, que impera para dano de todos, e que
bem bater à nossa porta, para nos agarrar, pôr em nós uma máscara, para que
sejamos o que não somos e façamos o que não queremos. Essa seita é a Sociedade:
o grande inimigo, contra quem o Pôr-do-Sol sempre combatera, e sempre fora
vencido, conseguindo, porém, reerguer-se heroicamente todas as vezes. [...]
roubaram todas as suas palavras, seus gestos de desapontamento, e assim
fizeram com que se tornasse ator à sua revelia. Roubaram-lhe a imagem, a
sombra, a alma. Foram eles que o fizeram tramontar, e o batizaram Pôr-do-Sol.
[...] o homicídio polposo é quando alguém enfia a faca não no peito, ou na
barriga, mas aqui, entre o coração e a axila, na polpa; e é menos grave.
[...] o fato de sentir pela primeira vez, debaixo de nossos pés, um pedaço
da Alemanha [...] somava ao nosso cansaço um estado de alma complexo,
feito de impaciência, de frustração e de tensão. Parecia que tínhamos algo a
dizer, coisas enormes a dizer, a cada alemão em particular, e que cada alemão
tinha coisas a nos dizer: sentíamos a urgência de tirar conclusões, de
perguntar, explicar e analisar, como fazem os jogadores de xadrez no final do
jogo [...]. se não sabiam, deviam, deviam sagradamente ouvir, saber de
nós, de mim, tudo e depressa: eu sentia o número tatuado no braço queimando
como uma chaga. [...] parecia-me estar caminhando entre tropas de
devedores insolventes, como se cada qual me devesse alguma coisa e se negasse a
pagar. [...] Mas ninguém olhava em nossos olhos, ninguém aceitou o
desafio: eram surdos, cegos e mudos, entrincheirados entre as próprias ruinas
como num fortim de desejado desconhecimento, fortes, ainda, capazes de ódio e
desprezo, prisioneiros ainda do antigo nó de soberba e culpa. [...] mas
sabíamos que nas soleiras de nossas casas, para o bem ou para o mal, nos
esperava uma provação, e antecipávamos com temor. [...] sinto uma
angústia sutil e profunda, a sensação definida de uma ameaça que domina
[...]. Tudo agora tornou-se caos: estou só no centro de um nada turvo e
cinzento. [...]. Trechos extraídos da obra A treva (Companhia de
Bolso; 2010), do químico e escritor italiano Primo Levi (1919-1987).
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