terça-feira, abril 07, 2015

PRIMO LEVI, SAFI FAYE, NANCY MITFORD, GABRIELA MISTRAL & WORDSWORTH


 

A SOLIDÃO DE NANCY... - Era a filha mais velha do barão Redesdale e foi educada particularmente. Uma jovem que era uma promessa brilhante logo deu o ar de sua graça e os pendores literários com a publicação dos escritos: Highland Fling. Logo brilhou com a publicação de Christmas Pudding e, logo em seguida o primeiro amor levou-a ao casamento. Publicou outro livro, o Wigs on the Green e o relacionamento conjugal, por tanto que durou, não resistiu à insatisfação mútua e ao divórcio. A sonhadora em busca do amor logo publicou Pigeon Pie. Contudo, foi com a publicação dos manuscritos que seriam seu primeiro grande sucesso: The Pursuit of Love, mantendo a chama viva da paixão. Estava definitivamente estabelecida a sua reputação de escritora. E foi durante a segunda guerra que se envolveu com o segundo amor, publicando em seguida Love in a Cold Climate. Logo desenvolveu o conceito de língua U e não-U: as palavras identificavam as origens sociais. Era uma piada, mas foi levada a sério por muita gente. Vieram então os livros The Blessing, a biografia de Madame de Pompadour, a biografia Voltaire in Love e Don't Tell AlfredA sua sagacidade afiada e provocativa foi amainando com o fracasso do relacionamento e a saúde deteriorada: a sua marca ficou para sempre. Veja mais abaixo & mais aqui & aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Se não é possível ser feliz, é preciso se divertir. Há coisas piores que a pobreza, embora eu não consiga lembrar quais são no momento. É engraçado que as pessoas estejam sempre prontas para admitir que não têm talento para desenho ou música, enquanto todos imaginam que são capazes de amar de verdade, o que é um talento como qualquer outro, só que muito mais raro. O que é tão bom e tão inesperado sobre a vida é a maneira como ela melhora conforme avança. Acho que você deveria incutir esse fato em seus filhos porque acho que os jovens têm uma sensação horrível de que a vida está passando por eles e eles precisam fazer alguma coisa - pegar alguma coisa - eles não sabem bem o que, enquanto eles só precisam esperar e tudo vem. A grande vantagem de viver em uma família grande é a lição precoce da injustiça essencial da vida. Às vezes fico entediado com as pessoas, mas nunca com a vida. Pensamento da escritora britânica Nancy Freeman-Mitford (1904-1973). Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Eu fiz o meu melhor. Não preciso convencer o público. Realmente não acredito em religiões monoteístas e, portanto, defendo religiões africanas baseadas em espíritos. Talvez eu tenha ousado mostrar o que acontece à noite e sobre o qual as pessoas nunca falam durante o dia. “Cavalgar” não é um problema. Tudo é fruto da imaginação – minha imaginação. Por que todos os filmes devem conter uma mensagem, ser instrutivos ou educativos? Criatividade não é uma atividade analítica. Para mim, os filmes nascem da imaginação. Como minha mãe diz, é o destino. Estava escrito que eu tinha que passar por esse julgamento, mesmo depois de 20 anos no ramo. Havia um mistério em torno do filme. Eu tinha dado direito de autoridade ao produtor francês designado que tinha adquirido – sem nosso conhecimento – os direitos do filme, bem como todo o financiamento que eu tinha obtido da Itália e da Suíça. Tudo desapareceu no ar. Por seis anos; eu tive que lutar sozinha até o fim do processo judicial. De qualquer forma, meu filme foi inteiramente filmado em 1990, quando Mossane tinha 14 anos. O que aconteceria se faltassem algumas cenas, agora que Mossane tem 21? Quero esquecer os últimos seis anos. Mossane está pronto e estou feliz por finalmente ter chegado lá. Eu gosto muito deste filme. Pensamento da cineasta e etnóloga senegalesa Safi Faye (1943-2023).

 

A TRÉGUA – […] Hurbinek era um nada, um filho da morte, um filho de Auschwitz. [...] Hurbinek continuou, enquanto viveu, as suas experiências obstinadas. Nos dias seguintes, todos nós o ouviamos em silêncio, ansiosos por entendê-lo, e havia entre nós falantes de todas as línguas da Europa: mas a palavra de Hurbinek permaneceu secreta. Não, não devia ser uma mensagem, tampouco uma revelação: era talvez o seu nome, se tivesse a sorte de ter um nome; talvez (segundo uma de nossas hipóteses) quisesse dizer “comer” ou “pão”; ou talvez “carne” em boêmio, como sustentava, com bons argumentos, um dos nossos, que conhecia essa língua. Hurbinek, que tinha três anos e que nascera talvez em Auschwitz e que não vira jamais uma árvore; Hurbinek, que combatera como um homem, até o último suspiro, para conquistar a estrada no mundo dos homens, do qual uma força bestial o teria impedido; Hurbinek, o que tinha nome, cujo minúsculo antebraço fora marcado mesmo assim pela tatuagem de Auschwitz; Hurbinek morreu nos primeiros dias de março de 1945, liberto mas não redimido. Nada resta dele: seu testemunho se dá por meio de minhas palavras. [...] Em suas conversas, o verdadeiro, o possível e o fantástico formavam um nó imbricado, variável e inextricável. Falava da prisão e do tribunal como de um teatro, onde ninguém é realmente ninguém, mas cada um representa, demonstra a sua habilidade, entra na pele de outro, interpreta um papel; e o teatro, por sua vez, era um grande símbolo obscuro, um instrumento tenebroso de perdição, a manifestação externa de uma seita subterrânea, malvada e onipresente, que impera para dano de todos, e que bem bater à nossa porta, para nos agarrar, pôr em nós uma máscara, para que sejamos o que não somos e façamos o que não queremos. Essa seita é a Sociedade: o grande inimigo, contra quem o Pôr-do-Sol sempre combatera, e sempre fora vencido, conseguindo, porém, reerguer-se heroicamente todas as vezes. [...] roubaram todas as suas palavras, seus gestos de desapontamento, e assim fizeram com que se tornasse ator à sua revelia. Roubaram-lhe a imagem, a sombra, a alma. Foram eles que o fizeram tramontar, e o batizaram Pôr-do-Sol. [...] o homicídio polposo é quando alguém enfia a faca não no peito, ou na barriga, mas aqui, entre o coração e a axila, na polpa; e é menos grave. [...] o fato de sentir pela primeira vez, debaixo de nossos pés, um pedaço da Alemanha [...] somava ao nosso cansaço um estado de alma complexo, feito de impaciência, de frustração e de tensão. Parecia que tínhamos algo a dizer, coisas enormes a dizer, a cada alemão em particular, e que cada alemão tinha coisas a nos dizer: sentíamos a urgência de tirar conclusões, de perguntar, explicar e analisar, como fazem os jogadores de xadrez no final do jogo [...]. se não sabiam, deviam, deviam sagradamente ouvir, saber de nós, de mim, tudo e depressa: eu sentia o número tatuado no braço queimando como uma chaga. [...] parecia-me estar caminhando entre tropas de devedores insolventes, como se cada qual me devesse alguma coisa e se negasse a pagar. [...] Mas ninguém olhava em nossos olhos, ninguém aceitou o desafio: eram surdos, cegos e mudos, entrincheirados entre as próprias ruinas como num fortim de desejado desconhecimento, fortes, ainda, capazes de ódio e desprezo, prisioneiros ainda do antigo nó de soberba e culpa. [...] mas sabíamos que nas soleiras de nossas casas, para o bem ou para o mal, nos esperava uma provação, e antecipávamos com temor. [...] sinto uma angústia sutil e profunda, a sensação definida de uma ameaça que domina [...]. Tudo agora tornou-se caos: estou só no centro de um nada turvo e cinzento. [...]. Trechos extraídos da obra A treva (Companhia de Bolso; 2010), do químico e escritor italiano Primo Levi (1919-1987). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

A TERRA – Na antologia poética da poeta chilena Gabriela Mistral (1889-1957), destaco o seu belíssimo poema A Terra, na tradução de José Jeronymo Ribera: Indiozinho, se estás cansado / Tu te recostas sobre a Terra, / fazes igual se estás alegre, / vai, filho meu, brinca com ela... / Que de coisas maravilhosas / soa o tambor índio da Terra: / se ouve o fogo que sobe e desce / buscando o céu, e não sossega. / Roda e roda, se ouvem os rios / em cascatas que não se contam. / Se ouve mugir os animais; / comer o machado a selva. / Ouve-se soar teares índios. / Se ouvem trilhos e se ouvem festas. / Aonde o índio está chamando, / o tambor índio lhe contesta, / e tange perto e tange longe, / como o que foge e que regressa... / Tudo toma, tudo carrega / o corpo sagrado da Terra: / o que caminha, o que adormece, / o que se diverte e o que pena; / os vivos e também os mortos / leva o tambor índio da Terra. / Quando eu morrer, não chores, filho: / peito a peito junta-te a ela / e se dominas o teu fôlego / como quem tudo ou nada seja, / tu ouvirás subir seu braço / que me jungia e que me entrega / e a mãe que estava quebrantada / tu a verás tornar inteira. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aquiaqui.

Imagem: Female nude (for the decoration of Bristol club), do pintor português Almada-Negreiros (1893-1970)

Ouvindo: Concerto for sitar and orchestra (BGO Records, 1990), do compositor e músico indiano Ravi Shankar (1920-2012), arranjos de Ali Arkbar Khan e o autor, conductor André Previn and London Symphony Orchestra.

BOCA DO INFERNO – O romance Boca do Inferno (Companhia das Letras, 1990), da escritora Ana Miranda é desenvolvido no séc. XVII na Bahia colonial, durante o governo tirânico do militar Antonio de Souza de Menezes, alcunhado de Braço de Prata, por usar uma peça deste metal no lugar do braço perdido numa batalha naval contra os invasores holandeses. Entre os perseguidos pela fúria do brutal governador, está o grande poeta brasileiro Gregório de Matos Guerra (1633-1696), envolvido por suas ligações com os Ravasco e por suas sátiras aos poderosos, perdendo seus cargos e tendo que fugir com medo de ser preso ou morto. Ilustra bem a situação esse soneto da lavra desse autor: A cada canto um grande conselheiro, / Que nos quer governar cabana e vinha; / Não sabem governar sua cozinha, / E podem governar o mundo inteiro. / Em cada porta um bem frequente olheiro, / que a vida do vizinho e da vizinha / Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha, / Para o levar à praça e ao terreiro. / Muitos mulatos desavergonhados, / Trazidos sob os pés os homens nobres, / Posta nas palmas toda a picardia, / Estupendas usuras nos mercados, / Todos os que não furtam muito pobres: / E eis aqui a cidade da Bahia. Veja mais aqui e aqui.

O CARVALHO DE GUERNICA – Em uma coletânea de poemas selecionados por David Ferry (Dell Publishing, 1960), reunindo poemas do maior poeta romântico inglês, William Wordsworth (1770-1850), destaco o seu poema O carvalho de Guernica: O antigo / carvalho de Guernica, conta Laborde na sua descrição da Biscaia, é o monumento natural / mais venerável. Fernando e Isabel, em 1476, depois de ouvirem missa na Igreja de Santa / Maria la Antígua, dirigiram-se para essa árvore, sob a qual juraram aos biscaínos / respeitar os seus foros. Que outro interesse esteja ligado a ele no espírito desse povo / é o que se verá do seguinte (soneto) supostamente falando ao mesmo. 1810. / Carvalho de Guernica! Árvore mais / Sagrada que em Dodona a que escondia / Uma divina voz (a fé o cria) / Dando da aérea fronde altos sinais! / Como podes florir em tempos tais? / Que esperança o Sol te traz, ou que alegria? / São-te trazidas pela maresia, / Ou por leves orvalhos matinais? / Benvindo seja o golpe que em ti caia, / E em terra alongue a tua fronde imensa, / Se nunca mais, à sua sombra densa, / Venham legisladores sentar-se uivantes, / Senhores e camponeses, como dantes, / Guardiães das liberdades da Biscaia. Veja mais aqui, aqui, aquiaqui.

TROIS COULEURS: ROUGE – O drama Trois couleurs: Rouge (A fraternidade é vermelha, 1994), é o terceiro filme da Trilogia das Cores do cineasta polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996), conta a história de uma jovem modelo Valentine que está dirigindo seu carro de volta para casa quando atropela algo em seu caminho. Ao descer do veículo, encontra uma cadela ferida, com o endereço de seu dono na coleira, quando conheceu um juiz aposentado que termina seus dias espionando as conversas telefônicas de seus vizinhos. Por trás deste estranho comportamento, está o enigma de um homem cujo motivo vital é tomar posse da intimidade daquelas pessoas e acompanhar passo a passo o desenrolar de seus destinos. Destaque para o trabalho da atriz franco-suíça Irène Jacob no papel da protagonista. Veja mais aqui, aqui, aqui, aquiaqui.



Veja mais sobre:
Dois quentes & um fervendo, a poesia de James Joyce, A música viva de Koellreutter & Carlos Kater, a pintura de Jan Sluijters, a arte de Karel Appel, a música de Brahms & Giorgia Tomassi aqui.

E mais:
Exercício de admiração de Emil Cioran, Abril despedaçado de Ismail Kadaré, o teatro de Meyerhold, a arte de Fridha Khalo, a música de Badi Assad, a pintura de Karel Appel, o cinema de Carla Camurati & Marieta Severo, Carlota Joaquina & Clube Caiubi de Compositores aqui.
Doro na Caixa do Fecamepa aqui.
Constitucionalização do direito penal aqui.
Literatura Infantil, a poesia de Hermann Hesse, o teatro de Constantin Stanislavski, Leviatã de Thomas Hobbes, o cinema de Krzysztof Kieslowski & Juliette Binoche, a música de Tom Jobim & Lee Ritenour, Tiquê: a deusa da fortuna, a arte de Bette Davis, a pintura de Jean-Honoré Fragonard & Alexey Tarasovich Markov aqui.
O lado fatal de Lya Luft, a literatura de Marcia Tiburi, Afrodite & o julgamento de Páris, a música de Diana Kral, o teatro de Cacilda Becker & José Celso Martinez Corrêa, o cinema de Krzysztof Kieslowski & Julie Delpys, a arte de Jeanne Hébuterne, a pintura de Débora Arango & Enrique Simonet aqui.
A salvação bidiônica depois da bronca, o pensamento de István Mészarós, Mal de amores de Ángeles Mastretta, Horror econômico de Viviane Forrester, A gaia ciência de Friedrich Nietzsche, a pintura de Auguste Chabaud, a música de Tatjana Vassiljeva, a arte de Lia Chaia & Wesley Duke Lee aqui.
Colocando os pingos nos iiiiis, A teoria da viagem de Michel Onfray, Discurso & argumentação de Débora Massmann, A gaia ciência de Friedrich Nietzsche, Neurofilosofia & Neurociência, a música de Natalia Gutman, a poesia de Viviane Mosé, a fotografia de Cris Bierrenbach, a arte de Mira Schendel, Conversa de bar & filho não reconhece pai & Quando se pensa que está abafando, das duas, uma: ou contraria ou se expõe ao ridículo. Cadê o simancol, meu aqui.
A gente tem é que fazer, nunca esperar que façam por nós, O enigma do artista de Ernest Kris & Otto Kurz, Os catadores de conchas de Rosamunde Pilcher, As viagens de Marco Polo, A gaia ciência de Friedrich Nietzsche, Respeito aos idosos, a música de Silke Avenhaus, a arte de Beth Moyses & Antonio Saura, Os passos desembaraçados nos emaranhados caminhos & Quando os ventos sopram a favor, tudo fica mais fácil aqui.
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