A SENSABORIA DE
ZÉ-CORNINHO – Imagem: Arte do pintor, escultor,
performer e artista multimídia José
Roberto Aguilar. - Zé-Coninho
andava ultimamente meio que sorumbático, todo desencorajado, queixando-se de
dores nos quartos, no bucho, nas gaias, no muque, nos pulsos, enfim, dizia não
ser mais gente que prestasse pra nada, era só dor da alma pro retrato. Onde é
que está aquele que levava tudo nos peitos, hem? Ah, mô fio, já trelei muito,
toquei fogo nos quatro cantos do mundo, fui até onde o beiço virava, pro fim do
mundo que não tem porque é redondo e dei volta como a peste! Mais longe fosse,
mais ia de nem cansar tão cedo, emendava noite pelo dia e nem, nem, subia o
tanto de riba como se fosse descida ajudada, os cambitos à toda, nada de
fraquejar, sou lá bicho de me acovardar? Ora, ora. Levanta o moral, Zé! Dá mais
não, a idade chegando, a coisa complica. Que é isso, rapaz? Tão jovem, ainda.
Nada, os anos pesam, sem destreza, a gente vale mais o quê? Segura a onda,
hômi! Ah, rapaz, estou mais pra lá do que pra cá, na noite sem glória ou honra,
não sirvo nem mais prum caldo, muito menos prum pum, ora, ora. Parecia mais que
ele se entregava, sem ter nada desabonador – excetuando-se a tuia de gaia que
já havia levado pra desespero da filharada que crescia cada dia mais e ter atrapalhado
a vida de muita gente com seu arranco desmedido -, a angústia, o tédio, tomava
conta do sujeito. Pois é, uma gastura comendo tudo por dentro, da gente perder
a vontade até de viver. Como é que pode? Tome tento! Já fui bom nisso. O que já
dei de carreirão por esse mundo de meu Deus, nem dá pra contar. Desafiei de
tudo, peito estufado, barriga pra dentro, coragem na munheca, força nos
cardans, pinote pra todo lado, tino na hora, viesse o que fosse, vencia no
ânimo. Nem temia nada, estava em alta na cotação da coragem, acostumado a subir
em pé de coco, não tinha altura que não ganhasse! Uma vez mesmo, uma enxerida nua
no alto do sótão dum casarão gritou perguntando se eu tinha coragem de encarar.
Oxe, duvida? E ela viu: comi a subida como quem toma café pequeno e lá estava,
ao vivo e em cores, enfiando a macaca no rabicho dela. Tome, danada! Comigo era
assim. Provocou, estava vencido. Por isso sempre disse: onde tem um
profissional, não há espaço pra amador. Assim era, assim foi. Hoje não, tudo ao
contrário: não tem inflação e os preços das coisas subindo todo dia; não tem
dinheiro no governo e todo dia um escândalo da roubalheira dos políticos. Como é
que pode? Os caras lá de Brasília dizem que a coisa vai mudar, mas nem na
marra! Pra minha sorte, tenho ainda onde encostar a cabeça, pegar meu
espelhinho e conferir as coisas. Com ele já acendi fogueira, encandeei os
peixes na hora da pescaria, vi muita calcinha de mulher metida a besta, só no
retrovisor já escapuli de muita malquerença, e sempre conferi as pregas do cu
pra ver se ninguém me enrabou ao dormir ou de bobeira. Hoje, não, só ajeito o
tuim e fico formoso do jeito que a vida me fez, mais nada. A culpa é minha, não
é traição da vida não. Do jeito que vai a vida me despeja e eu vou pra onde? Bater
as botas e babau. Bote fé, homem, a vida é pra ser vivida! Eu sei, eu sei, todo
homem tem que saber da subida dolorosa até chegar em cima, já cheguei, agora é
segurar os freios e a carcaça porque a descida só finda no fundo do abismo. Veja
só como é que é, subiu, desceu, não dá outra. Deus me tenha, só Jesus na causa.
Nessa hora, fazendo uma careta danada pra se mexer, ele saca do bolso da bunda
o espelhinho empunhado, confere o penteado, as remelas dos olhos, os fiapos da
venta, algum detrito nos dentes futucando com a unha, dum lado pra outro, a
barba feita, as entradas no cocuruto, hem, hem, o cabelo caiu e não tem mais
volta. Num descuido, o espelhinho escapuliu e se espatifou no chão. Tá vendo,
só? Coisa de véio, não seguro mais nada, tudo cai. Hem, hem, só restou a mulher
nua do espelhinho, intacta, pelo menos, num tô dizendo! Véio num serve mais pra
nada, vou ter que ir à feira comprar outro, inté mais ver. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de
especial com o cantor, compositor,
arranjador, multi-instrumentista, ator, escritor, produtor musical, engenheiro
e ecologista Lenine em dois shows ao vivo; a cantora,violonista e compositora Luanda Jones
interpretando Aquarela, Desigual & Depois de você; & muito mais nos mais de 2 milhões de
acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só
ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA - [...] O
homem não possui somente o poder de reproduzir, de tirar as conseqüências de
uma conduta adquirida, ele possui igualmente a capacidade de mudar a ordem
relativa de seus atos e de suas representações [...] Trecho extraído da obra A realidade figurativa (Perspectiva/Edde, 1973) do sociólogo e
historiador de arte francês Pierre
Francastel (1900-1970), defendendo o valor das culturas visuais a partir do
conceito de estrutura, por meio de estudos resultantes de quinze anos de
reflexão e pesquisas históricas na Sorbonne, pelos quais entende que só o
contato real com a obra de arte permite compreender como esta se incorpora à
sociedade, alimentando-a e enriquecendo-a com elementos originais. A obra de
arte confere ao historiador e ao sociólogo elementos de informação que de outra
forma não teriam. Dentro deste postulado o autor desenvolve pormenorizada
análise em torno das artes figurativas, inserindo-as em uma nova problemática
do imaginário. As relações teóricas da arte com a técnica, com outros meios de
expressão e disciplinas, o confronto entre formas estéticas e sistemas lógicos,
os problemas inerentes à iconografia religiosa, constituem alguns dos tópicos
esclarecedores para o levantamento dos elementos estruturais próprios de uma
Sociologia da Arte.
LEITORES & VIAJANTES - [...] Os
leitores são viajantes; circulam em terras alheias; são nômades que caçam
furtivamente em campos que não escreveram. [...] a atividade silenciosa,
transgressora, irônica ou poética, de leitores (ou telespectadores) que
consevam uma reserva de distância na intimidade, sem que os ‘amos’ o saibam [...]
A escrita acumula, estoca, resiste ao
tempo pelo estabelecimento de um lugar e multiplica sua produção pelo
expansionismo da reprodução. A leitura não se protege contra o desgaste do
tempo (nos esquecemos de nós mesmos e esquecemos dela), não conserva ou
conserva mal sua conquista, e cada um dos lugares por onde passa é repetição do
paraíso perdido. [....]. Trecho da obra A Invenção do Cotidiano (Vozes, 1998), do historiador francês Michel de Certeau (1925-1986), no qual examina as maneiras em que as pessoas
individualizam a cultura de massa, alterando coisas desde objetos utilitários
até planejamentos urbanos e rituais, leis e linguagem, de forma a apropriá-los.
MARILYN NO INFERNO - [...] Raia
o arvoredo. No front os soldados se concentram e rezam com a mão sobre a
Bíblia. É a agonia de John Ford, diz o mais valente. Quando começará a cena
ninguém sabe. Sabem que será uma batalha da Guerra da Secessão e que eles estão
preparados. O mais novo se ilude com umas bugigangas compradas na Feira Hippie
de Ipanema. À noite terá a companhia de uma garota e dançará. O som frenético
das Frenéticas. O mais velho, ancião de longas barbas brancas, ao contra´rio
dos bons velhos hollywoodianos, tem uma cara de mau, de profunda
insensibilidade. Mora sozinho numa casa de Vila em Botafogo e roi desesperadamente
as unhas. Diz que sempre foi assim. A mulher que se maquia na frente do espelho
tem origem em indígenas brasileiros, mas faz o papel de uma mexicana. Saboreia
o gosto do batom. Sabe que alguém espia mas finge que não vê. É o primeiro
western rodado no Brasil, a Baixada Fluminense imitando as pradarias do
Arizona. Nenhuma grande estrela. Todos temem o freacasso do filme. Empatei
milhões nisso aí, vamos tocar pra frente, grita o produtor acordando um
figurante. É um rapazinho de Nova Iguaçu [...] Adora cinema, vê tantas fitas quanto possível pó dia. Às evezes entra
às duas e sai à meia-noite. [...] O
rapazinho olha-se no espelho da índia que faz a mexicana e ouve o “imbecil” que
o diretor lhe jogou para que levantasse a espingarda com vontade contra o céu
[...] aí vê um flash explodir sobre seu
corpo e banhá-lo de uma luz efêmera como um soluço mas que o deixa iliminado
para sempre [...] lá vai o rapazinho
agarrado ao pescoço do cavalo, o céu e a terra são uma coisa só, Caxias está
perto, muito perto, quase chegando, o rapazinho já vê os primeiros prédios e
chaminés [...] é boa a vertigem e ele
conseguirá o estrelato na Globo abraçado a Rosamaria Murtinho na capa da Amiga,
ele preferia estar ao lado da Aracy Balabanian [...] ele não sabe por que mas
gosta da Aracy Balabanian, aquela moça que não é bonita nem feia mas que tem
uma simpatia que cativa o coração de todos – na rua principal de Caxias ele
galopa veloz entre os canros e ônibus, não respeita os congestionamentos e
passa fininho por uma bicicleta assustada [...] o grande cartaz do cinema mostra Kung Fu contra os espadachins de
Damasco, Kung Fu! Repete o rapazinho que não agüenta tanta gloria e é cuspido
do cavalo contra o cartaz que se rasga e recebe um biolento jato de sangue no
olho do Kung Fu. Trechos extraídos da obra O cego e a dançarina (L&PM, 1980), do premiado escritor João Gilberto Noll (1946-2017).
DOIS POEMAS – O
PENSADOR DE RODIN: – Apoiando na mão rugosa o queixo fino, / o pensador reflete
que é carne sem defesa: / carne da cova, nua em face do destino, / carne
queodeia a morte e tremeu de beleza. / E tremeu de amor, toda a primavera ardente,
/ e hoje, no outono, afoga-se em verdade e tristeza / o “havemos de morrer”
passa-lhe pela mente / quando no bronze cai a noturna escureza. / E na
angustia, seus músculos se fendem sofredores. / Sua carne sulcada enche-de de
terrore. / Fende-se, como a folha de outono, ao Senhor forte / Que o reclama
nos bronzes. Não há arvore torcida / pelo sal na planície, nem leão de anca
ferida, / crispados como este homem que medita na morte. PRIMEIRO SONETO DA MORTE: Do nicho lôbrego
onde os homens te pusarem / te levarei à terra humilde e ensolarada / nela hei
de adormecer – se os homens não souberem - / e havemos de dormir sobre a mesma
almofada. / Te deitarei na terra humilde, te envolvendo / no amor da mãe para o
seu filho adormecido. / E a terra há de fazer-se um berço recebendo / teu corpo
de menino exausto e dolorido. / Poderei descansar, sabendo que descansas / no
pó que levantei azulado e linar / em que presos serão os teus leves destroços.
/ Partirei a cantar minhas belas vinganças, / pois nenhuma mulher me há de vir
disputar / a este fundo descenso o teu punhado de ossos. Poemas da poeta chilena Gabriela Mistral (1889-1957), Prêmio
Nobel de Literatura em 1945. Veja mais aqui.
ANNA K & JOSÉ ROBERTO AGUILAR
O drama
fantasia Anna K (2015), de José Roberto Aguilar, conta a história
de um professor de russo que fica intrigado ao dar aulas para Joana, uma mulher
que acredita ser Anna Karenina, personagem que dá título ao romance de Liev
Tolstói. O destaque do filme fica por conta da belíssima atriz Leona Cavalli.
Veja mais:
Sou da
terra alma caeté, as histórias
de Darcy Ribeiro, a
música de Yasushi Akutagawa, a
pintura de Kent Williams & Renate Dartois aqui.
Cecília Meireles, Gregório de Matos Guerra, Camargo
Guarnieri, Heitor Shalia, Albert
Marquet, Violência Doméstica, Argemiro Corrêa, Sarah
Siddons, Guta Stresser, Graciela
Rodrigues, Priscila Almeida & Folia Caeté aqui.
Esclarmonde
de Foix & Todo dia é dia da mulher aqui.
Denise
Levertov, Johan Huizinga, Philippe Ariés, Camargo Guarnieri, Lauri Blank, Emil
Nolde, Kim Thomson & o umbigo no cultuo da avareza aqui.
Direitos
humanos aqui.
História
do cinema aqui.
Os assassinos do frevo aqui.
Minha alma tupi-guarani, minha sina caeté aqui.
Folia
Caeté, Ascenso Ferreira, Baco, Chiquinha Gonzaga, O Frevo & José Ramos
Tinhorão, Nelson Ferreira, As Puaras, Dias de Momo, Adolphe William Bouguereau,
Teatro & Carnaval, Circo & Peró Andrade aqui.
Alvoradinha,
o curumim caeté, Manuel Bandeira, Fernando Botero, Qorpo
Santo, Lygia Fagundes Teles, Psicologia Social, Jayne Mansfield, Marilyn Monroe & Roberto Carlos aqui.
Fecamepa:
os caetés, Sardinha & a cana aqui.
Os
aborígenes: das sociedades primitivas de Pindorama aos caetés, Monserrat Figueiras, Plauto, Miklos Mihalovits, Acmeísmo, Jennifer Lopez, Débora
Novaes de Castro, Paulo & Virgínia aqui.
&
A ARTE DE JOSÉ ROBERTO AGUILAR
A arte do pintor, escultor, performer e artista multimídia
José Roberto Aguilar.