sexta-feira, fevereiro 16, 2018

POE, RILKE, STANISLAW, MARIANA ALCOFORADO, LAURINDO ALMEIDA, JULIA FISCHER, CLÓVIS DE BARROS, ALBERT MAIGNAN & LINDA KUNZ

O POETA & A MUSA - Imagem: Green Muse (1895), do pintor e ilustrador francês Albert Maignan (1845-1908). - Edgardilton Pigmaleão sonhou com uma bela mulher, enfeitiçado completamente por ela, apaixonou-se. Essa intensa paixão o fez poetar, assim do nada, aprendeu sem se ensinar. E a poesia tomou conta da sua vida, evocativa, versos ardentes e rimas líricas com juras impetuosas de amor. Pelas ruas, vales, rios, a recitar suas trovas para as moças belas, elas faziam pouco, até caçoavam dele. Onde aquela bela mulher dos seus sonhos se recolhia, em que paraíso o seu paradeiro, ele não sabia e cada poesia o seu apelo ardoroso até as raias do desespero. Vivia só de poetar e mais nada. Assim, um dia poetou e dormiu, sonhou e a musa nua a chamá-lo: Vem! Um beijo e a vida eterna nos lábios dela. Nunca mais acordou. Enterrado qual insano embaixo da maior chacota, nenhum parente, nem conhecidos, apenas a própria loucura quixotesca. A sua casa invadida, poemas e rabiscos ilustrados nas paredes, recantos, prateleiras, mesas, por tudo quanto era canto apenas as suas garatujas, um baú cheio deles, findaram abandonados em monturo no lixão. Uma ventania e um deles levitou até pousar janela da formosa Denildita Galateia, a bela sonhadora com seus olhas entre as entrelas à espera de seu príncipe encantado. Apaixounou-se à primeira lida. E a partir daquele dia todas as tardes vinham poemas aos ventos. Quem esse poeta que o destino lhe reservara? Ficava sempre a postos esperando pela brisa vespertina com suas estrofes enamoradas, perseguindo a aragem até chegar ao baú no lixão. Tornou-se o seu tesouro, um a um, todos belíssimos, feitos para ela. Apaixonada, saiu à procura do seu poeta, aquele que se tornou o dono do seu coração. Onde aquele que cativara sua alma, em que rincão se encontrava, não sabia, apenas amava sem saber. Como não lograra êxito, resolveu reuni-los em um enorme volume e os fez publicar sob o título de Poemas do Poeta Anônimo. Talvez assim seu autor desse sinal de vida. Assim fez e esperou. E toda tarde esperava, nem sinal dele, apenas o canto mavioso de uma ave canora a cada dia mais se aproximando da sua janela. Uma ave que nem distinguia, apenas o seu canto. Meninos apareceram armados de petecas, arapucas, pedras e armas. Estirou a mão e o passarinho pousou para se proteger das atiradeiras e astúcias. Fez-lhe um poleiro e o dia inteiro privava maravilhada daquele canto amoroso que tocava fundo em sua alma. Aquele canto parecia música dos versos que a cativara, por isso lia e relia os poemas do anônimo poeta amado. E assim adormecia. Até que um dia sonhou que o seu passarinho se transformava em galante poeta a se dizer vítima de feitiços e ao beijá-la estaria salvo da maldição. E daquele beijo ela ganhou a eternidade e nunca mais acordou. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de especial com o violonista e compositor Laurindo Almeida (1916-1995): Music Of Brazilian Masters, Cajita de Musica & Classical Current; a violinista e pianista alemã Julia Fischer: The Four Seasons Vivaldi, Violin Concert in D major Tchaikovski & Violin Concert Beethoven; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Se a existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Pensamento do poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926). Veja mais aqui.

A MORAL DO DESINTERESSE - [...] Mesmo sabendo que não somos a mesma pessoa no passar dos dias, das semanas e dos anos, e admitindo que muitas vezes mudamos de opinião e nos arrependemos, continuamos a defender uma identidade que, no passado de um sujeito que não mais existe, se presentifica em um outro sobre a denominação ilusória de “Eu”. Identidade que resgata um passado já vivido, destruído e reconstruído. Conclui-se: sou ente porque me sinto responsável pelo que fiz. E só posso ser responsável porque acreditamos que continuo sendo quem sou. A ilusão tem de ser compartilhada. Por isso, o discurso moral é um discurso identitário de pertencimento. Pertencimento a um grupo de agentes morais. A um universo de pessoas que, por sua vez, se singularizam em face de outros universos. Para ir além nessa reflexão, devemos aprofundar essa relação entre moral e identidade. É o que segue. [...] O discurso do desinteresse, da moral higienizada de desejos, é uma perversão. Os homens, como ensinavam Epicuro, Hobbes e Espinosa, são movidos por conatus. Por desejos e emoções imperativas alheias à razão. Tudo o que fazemos é interessado. Nem o mais louco, ou o mais sábio, escapa. Temos interesse sim. A todo momento. A todo instante. Só não vê quem não quer. Como a garota que reclama do ex-amigo que foi seu ombro amigo por meses, escutou barbaridades do antigo namorado, ficou horas no telefone apoiando na triste separação, e depois de seis meses a beijou no cinema. Dizer que amigos não devem desejar ou ter interesses é uma atitude mais condenável do que se aproveitar de um laço de amizade para tocar a boca amada. Minha experiência mostra que toda pessoa ou empresa que comunica uma posição de desinteresse esconde atitudes reprováveis. Tem culpa em cartório. E muita. Nada mais justo, ao nos definirmos em um dado momento, comunicar nossos interesses. Se desejamos a confiança de alguém, precisamos deixar claro exatamente aquilo que queremos dele. Partir do pressuposto de que, quando duas pessoas estão juntas, se relacionando, ambas são plenamente interessadas no outro. Para além da simbologia ascética, da camaradagem e do discurso do desinteresse. Trechos extraídos de A moral do desinteresse (Pensar Contemporaneo, 2018), do professor e jornalista Clóvis de Barros Filho.

VAMOS ACABAR COM ESSA FOLGAO negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo. De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou: — Isso é comigo? — Pode ser com você também — respondeu o alemão. Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos. O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros: — Isso é comigo? O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro. Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros. Extraído da obra Dois amigos e um chato (Moderna, 1986), de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo usado pelo cronista, radialista e compositor Sérgio Porto (1923-1968). Veja mais aqui.

TRÊS POEMAS1 - Em tua festa de núpcias eu te vi, / ardendo de rubor. / E havia só venturas junto a ti; / e era, a teus pés, o mundo, todo amor. / E em teu olhar, a luz incandescente / (ah, qualquer que ela fosse) / era o que, para o meu olhar dolente, / existia na terra de mais doce. 2 – O riacho em prata em borborinho, / nos espinhais gorjeando o passarinho, / recordam-me de ti; / pensamento de amor vão sussurrando, / como tu, sob os astros do céu, quando / testemunharam juras que te ouvi. / O zéfiro suave que vagueia / e em meus suspiros de pesar se enleia / lembra o instante abençoado, / em que o néctar dos lábios teus me trouxe / fragrância tão balsâmica e tão doce / dando o primeiro beijo apaixonado. 3 – Vi-te uma vez, só uma, há vários anos. / Já não sei dizer quantos, mas não muitos. / Era em junho; passava a meia noite / e a lua, em ascensão, como tua alma, / nos céus abria um rápido caminho. / O luar caía, um véu de seda e prata, / calma, tépida, embaladoramente, / em cheio sobre as faces de mil rosas, / que floresciam num jardim de fadas, / onde até o vento andava de mansinho. / Caía o luar nas faces dessas rosas, / que morriam, sorrindo, no jardim / pela tua presença enfeitiçado. / Toda de branco, vi-te reclinada / sobre violetas; e o luar caía / sobre a face das rosas sobre a tua, / voltada para os céus, ai! De tristeza. Poemas do escritor norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1840). Veja mais aqui.

CARTAS DE AMOR DA SÓROR MARIANA ALCOFORADO
[...] Considera, meu amor, a que ponto chegou a tua imprevidência. Desgraçado!, foste enganado e enganaste-me com falsas esperanças. Uma paixão de que esperaste tanto prazer não é agora mais que desespero mortal, só comparável à crueldade da ausência que o causa. Há de então este afastamento, para o qual a minha dor, por mais subtil que seja, não encontrou nome bastante lamentável, privar-me para sempre de me debruçar nuns olhos onde já vi tanto amor, que despertavam em mim emoções que me enchiam de alegria, que bastavam para meu contentamento e valiam, enfim, tudo quanto há? Ai!, os meus estão privados da única luz que os alumiava, só lágrimas lhes restam, e chorar é o único uso que faço deles, desde que soube que te havias decidido a um afastamento tão insuportável que me matará em pouco tempo. Parece-me, no entanto, que até ao sofrimento, de que és a única causa, já vou tendo afeição. Mal te vi a minha vida foi tua, e chego a ter prazer em sacrificar-ta. Mil vezes ao dia os meus suspiros vão ao teu encontro, procuram-te por toda a parte e, em troca de tanto desassossego, só me trazem sinais da minha má sorte, que cruelmente não me consente qualquer engano e me diz a todo o momento: Cessa, pobre Mariana, cessa de te mortificar em vão, e de procurar um amante que não voltarás a ver, que atravessou mares para te fugir, que está em França rodeado de prazeres, que não pensa um só instante nas tuas mágoas, que dispensa todo este arrebatamento e nem sequer sabe agradecer-to. Mas não, não me resolvo, a pensar tão mal de ti e estou por demais empenhada em te justificar. Nem quero imaginar que me esqueceste. Não sou já bem desgraçada sem o tormento de falsas suspeitas? E porque hei de eu procurar esquecer todo o desvelo com que me manifestavas o teu amor? Tão deslumbrada fiquei com os teus cuidados, que bem ingrata seria se não te quisesse com desvario igual ao que me levava a minha paixão, quando me davas provas da tua. Como é possível que a lembrança de momentos tão belos se tenha tornado tão cruel? E que, contra a sua natureza, sirva agora só para me torturar o coração? Ai!, a tua última carta reduziu-o a um estado bem singular: bateu de tal forma que parecia querer fugir-me para te ir procurar. Fiquei tão prostrada de comoção que durante mais de três horas todos os meus sentidos me abandonaram: recusava uma vida que tenho de perder por ti, já que para ti a não posso guardar. Enfim, voltei, contra vontade, a ver a luz: agradava-me sentir que morria de amor, e, além do mais, era um alívio não voltar a ser posta em frente do meu coração despedaçado pela dor da tua ausência. Depois deste acidente tenho padecido muito, mas como poderei deixar de sofrer enquanto não te vir? Suporto contudo o meu mal sem me queixar, porque me vem de ti. É então isto que me dás em troca de tanto amor? Mas não importa, estou resolvida a adorar-te toda a vida e a não ver seja quem for, e asseguro-te que seria melhor para ti não amares mais ninguém. Poderias contentar te com uma paixão menos ardente que a minha? Talvez encontrasses mais beleza (houve um tempo, no entanto, em que me dizias que eu era muito bonita), mas não encontrarias nunca tanto amor, e tudo o mais não é nada. Não enchas as tuas cartas de coisas inúteis, nem me voltes a pedir que me lembre de ti. Eu não te posso esquecer, e não esqueço também a esperança que me deste de vires passar algum tempo comigo. Ai!, porque não queres passar a vida inteira ao pé de mim? Se me fosse possível sair deste malfadado convento, não esperaria em Portugal pelo cumprimento da tua promessa: iria eu, sem guardar nenhuma conveniência, procurar-te, e seguir te, e amar-te em toda a parte. Não me atrevo a acreditar que isso possa acontecer; tal esperança por certo me daria algum consolo, mas não quero alimentá-la, pois só à minha dor me devo entregar. Porém, quando meu irmão me permitiu que te escrevesse, confesso que surpreendi em mim um alvoroço de alegria, que suspendeu por momentos o desespero em que vivo. Suplico-te que me digas porque teimaste em me desvairar assim, sabendo, como sabias, que terminavas por me abandonar? Porque te empenhaste tanto em me desgraçar? Porque não me deixaste em sossego no meu convento? Em que é que te ofendi? Mas perdoa-me; não te culpo de nada. Não me encontro em estado de pensar em vingança, e acuso somente o rigor do meu destino. Ao separar-nos, julgo que nos fez o mais temível dos males, embora não possa afastar o meu coração do teu; o amor, bem mais forte, uniu-os para toda a vida. E tu, se tens algum interesse por mim, escreve-me amiúde. Bem mereço o cuidado de me falares do teu coração e da tua vida; e sobretudo vem ver-me.Adeus. Não posso separar-me deste papel que irá ter às tuas mãos. Quem me dera a mesma sorte! Ai, que loucura a minha! Sei bem que isso não é possível! Adeus; não posso mais. Adeus. Ama-me sempre, e faz-me sofrer mais ainda. [...]
Trecho da primeira das cartas publicadas na obra Cartas de amor da sóror Mariana Alcoforado (Letters Portugaises, 1669 – Eiropa-América, 1974), da freira portuguesa Mariana Alcoforado (1640-1723), dedicadas ao marquês e oficial francês Noel Bouton de Chamilli, conde de Saint-Léger. Foi transformada em filme (Die Liebesbriefe einer portugiesischen Nonne, 1977), sob a direção do cineasta, roteirista e produtor de cinema espanhol Jesús Franco (1930-2913).

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ARTE DE LINDA KUNZ
Art by Linda Kunz.

 

JUDITH BUTLER, EDA AHI, EVA GARCÍA SÁENZ, DAMA DO TEATRO & EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA

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