É HOJE O DIA DE
CARNAVAL – Imagem: Art by Andrea Bacal - UMA: A LA URSA – A La Ursa quer
dinheiro, quem não dá é pirangueiro! Isso era Clodovilson, entrava ano e saía
ano, desde que a Gervasilva, aquele mulherão de parar o trânsito, instalou-se
na sua vida. Pra quem vivia morrendo na mão ou pegando pigu no passo da
primeira catraia que embeiçasse sua feiura, topar um monumento daqueles, assim
do nada, era o mesmo que ganhar na loteria. Se era, hem? A mulher era bonitona,
olhos, beiços, cara, peitos, bunda, pernas e coxas, corpulenta de chamar
atenção, majestosa de ter tudo aos seus pés, colossal de endoidar santos,
inocentes, anciões e endiabrados. Tanta coisa bonita num só mesmo lugar, só
graça de Deus! Oxe, ele nem nem, só pendurado na garupa do bundão dela,
agarrado ao seu pescoço, sai pra lá que essa aqui tem dono. E tinha, ele não
largava do pé dele, nem ela do dele, parecia mais feito um pro outro. Bastava o
apito anunciar o carnaval, ele devidamente trajado, tomava a posse da festa e
segurava o rojão como podia. Ela mesma sugeriu uma coleira, adepta que era de
BDSM, adorava ser dominada, pisoteada, maltratada por seu macho e submissa
somente a ele, ô cara sortudo esse, diziam todos, e era mesmo. Quem chegasse ao
desaviso de visitá-lo, encontrava-a quase nua, de quatro, lambendo os pés dele
e tudo o mais. Tinha até plateia do outro da rua defronte a casa dele, espiando
todo pelas brechas da sua casa, uma janela esquecida aberta, uma portinhola
escancarada, na varanda, terraço, ou na cozinha por cima do muro no quintal.
Havia sempre um jeito de se atrepar para ver as paparicadas dela pra cima dele.
Só no carnaval que ela botava a cara na rua, trancada às setecentas chaves o
resto do ano. No carnaval ela aparecia depravada, uma perdição geral, com tão
pouca roupa que não cobria quase nada, quase tudo de fora, aliás, pouquíssima
coisa deixava de ser vista, e ele lá rei do pedaço, dono da mais fantástica
entre todas as mulheres do planeta. Todo mundo limpava as vistas com
saracoteado dela e qualquer que se abestalhasse com a sua exuberância, dava de
cara com a La Ursa, verdadeiro chega pra lá. O que tinha de gente maldizendo da
vida e invejando Clodovilson, era da muita, e ele mão de figa, gritava: Tire o
olho gordo do meu pirão, não é pro seu bico, essa aqui tem dono e sou eu,
arreda que aqui só quem reina sou eu! DOIS:
O HOMEM DA MEIA NOITE, A MULHER DO MEIO DIA – Assim é a vida: ele zanzava
de noite, donzelão, quanta mulher vistosa, exóticas, todas assanhadas e
prontas, sem um centavo no bolso, via com o umbigo, lambia com a testa, não
dava conta, só pinguço aguenta. Ela voava de dia, arredia, a vida traz a conta,
sabia, desenganada do amor, não existia pecado ao sul do Equador, não era pra
ela, pudica, aliás, sonsa, se guardava pro princípe encantado. As razões mais
absurdas, até as pedras se encontram, não seria eles o desencontro. Em uma
esquina, ao crepúsculo, ela se recolhia, ele saía pra vida, um encontrão: Quem
é você? Colombina, Pierrot. Nada mais romântico, ele a levou na noite, ela
raiou no dia dele, indômitos, olhos nos olhos, mão na mão, parecia mais um
feito pro outro. Trocaram de fuso horário, ela nua exaltada na noite, gemendo
égua no cio, ele priápico no pino do meio dia, enganchado nela como que
engatados pelo amor. E foram felizes pra sempre, ninguém sabe, o Homem da Meia
Noite, a Mulher do Meio Dia. TRÊS:
EDUCAÇÃO X ESCOLARIZAÇÃO – Tem chato de galocha de todo jeito, valha-me
tanta carne de pescoço. De uma vez por todas: educação nunca foi escolarização,
no máximo esta é apenas uma mínima parte daquela, provavelmente uma ferramenta,
um instrumento. Principalmente no Brasil em que a tragédia educacional perpassa
as redes pública e privada, moldando apenas o aprendiz pro mercado e mais nada,
cidadania e dignidade humana, solidariedade que é bom, passam ao largo, descaradamente.
Pra você ver, um dia desses uns alunos duns cursos de uma distinta faculdade,
falavam pra mim que um certo professor de Ciências Sociais mestre em não sei o
quê, disse no meio da aula que odiava Marx e que, por isso, não falaria de
marxismo nem coisa que valha, preferindo elogiar com o título de filósofo um
certo político que enganou todo mundo na caça aos marajás, reconhecendo nele o
ideal de ser humano. Cada coisa que me aparece. Ainda me deram de bandeja que
nas provas desse tal professor mestre em não sei o quê, tem sempre um ou dois
quesitos com caça-palavras, indisfarçamente com nomes pra lá de duvidos e que
são exaltados por ele, inclusive, confidenciando outros mais achegados que ele
anda com os dois colhões pro lado direito, repetindo frases que um certo tido
por intelectual, plantado de tédio e angústia em Miami, ejacula de sua
masturbação mental pelos quatro cantos. Eu, hem! Cada uma que me aparece, pra
onde me viro só vejo assombração. Isto é Brasilzilzilzilzil!!! E vamos aprumar
a conversa. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de
especial com Frevo & Folia Caeté no Dia Mundial da Rádio & a duplamiga Tatiana
Cobbett & Marcoliva: Parceiros, Bendita
companhia, Corte & costura, Sawabona Shikoba, Na Vera & Taleban &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – Se eu chegasse a ser dum Outro / mas de mim não me
perdendo / e esse Outro todos os outros / que comigo estão vivendo / não só
homens mas também / os animais e as plantas / e os minerais ou os ares / e as
estrelas tais e tantas / terei decerto cumprido / meu destino e com que sorte /
para gozar de uma vida / já ressurecta da morte. Poema do filósofo, poeta e ensaísta português Agostinho
da Silva (1906-1994), extraído de Uns
poemas de Agostinho (Ulmeiro, 1990), que traz também: Crente é pouco sê-te Deus / e para o nada que é tudo / inventa caminhos
teus. Veja mais aqui e aqui.
GUETO
& PRISÃO - [...] Para perceber o parentesco profundo que liga
o gueto e a prisão, parentesco que contribui para explicar como o declínio
estrutural e a obsolescência funcional de um pôde conduzir à ascensão
inesperada e à extraordinária expansão da outra no último quarto de século, é necessário
antes caracterizar corretamente o gueto. Mas diante disso nos vemos
confrontados com um problema preocupante: as ciências sociais falharam em
desenvolver um conceito analítico sólido de gueto; elas se contentaram, a cada
época, em tomar emprestado o conceito indígena corrente no debate sociopolítico
e no discurso comum. Donde uma grande confusão, que fez com que o gueto fosse
assimilado incorretamente, segundo os casos, a uma zona segregada, um bairro étnico,
um território de grande pobreza ou habitat deteriorado ou, até mesmo, com a
emergência nestes últimos anos do mito político-universitário da “underclass”,
a uma simples acumulação de patologias urbanas e de comportamentos anti-sociais [...] A extensão e os meios destas leis variam de uma jurisdição e de uma
cidade para outra. Em certos estados, a notificação é “passiva”: deve ser
iniciada pelo público e frequentemente às suas custas; em outros, ela é
“ativa”: são as autoridades que tomam a iniciativa e assumem os custos de
difusão da informação junto à população. Aqui, ela diz respeito apenas a certas
categorias de “sex offenders” consideradas perigosas e tendentes à recidiva,
que a lei chama de “predadores sexuais”; lá, ela se aplica ao conjunto dos
condenados por costumes [...] Por seu questionamento crítico, baseado na
observação e na comparação, os pesquisadores têm um papel motor a desempenhar
para reformular em termos audaciosos e ao mesmo tempo realistas a questão do
castigo e para tentar, com todos aqueles que trabalham a seu redor e em seu
seio, advogados, interventores externos, militantes, presos e suas famílias,
fazer, enfim, que a prisão entre na cidade. Trechos extraídos da obra Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos
Estados Unidos (Revan, 2003), do sociólogo
e pesquisador francês Loïc Wacquant, tratando sobre a criminalização da
m iséria, a “reforma” da assistência social para vigiar e punir, a prosperidade
do Estado penal, o “Grande Confinamento” do fim de século, 0 “Big Government”
carcerário e seus custos, alvos privilegiados, a nova “instituição peculiar”
dos Estados Unidos: a prisão como substituto do gueto, as presas fáceis: a caça
aos delinqüentes sexuais, a prisão é uma instituição fora-da-lei, entre outros
assuntos, analisando o processo contemporâneo do desenvolvimento do
capitalismo, principalmente nos Estados Unidos, mas com extensão a todo o
mundo. Em condições nas quais o capitalismo gera mais desemprego do que
emprego, tendo lugar a criminalização da pobreza, a passagem do Estado de
Bem-Estar Social ao Estado Penal, quando os serviços sociais perdem a função
assistencial para transformar-se em instrumentos de vigilância e controle das
novas classes perigosas. Veja mais aqui.
NINGUÉM SE BANHA DUAS VEZES NO MESMO RIO - Estou deitado na margem. Dois barcos, presos
a um tronco de salgueiro cortado em remotos tempos, oscilam ao jeito do vento,
não da corrente, que é macia, vagarosa, quase invisível. A paisagem em frente,
conheço-a. Por uma aberta entre as árvores, vejo as terras lisas da lezíria, ao
fundo uma franja de vegetação verde-escura, e depois, inevitavelmente, o céu
onde boiam nuvens que só não são brancas porque a tarde chega ao fim e há o tom
de pérola que é o dia que se extingue. Entretanto, o rio corre. [...] Três metros acima da minha cabeça estão
presos nos ramos rolos de palha, canalhas de milho, aglomerados de lodo seco.
São os vestígios da cheia. À esquerda, na outra margem, alinham-se os freixos
que, a esta distância, por obra do vento que Ihes estremece as folhas numa
vibração interminável, me fazem lembrar o interior de uma colmeia. [...] Entretanto, enquanto vou pensando, o rio
continua a passar, em silêncio. Vem agora no vento, da aldeia que não está
longe, um lamentoso toque de sinos: alguém morreu, sei quem foi, mas de que
serve dizê-Io? Muito alto, duas garças brancas (ou talvez não sejam garças, não
importa) desenham um bailado sem princípio nem fim: vieram inscrever-se no meu
tempo, irão depois continuar o seu, sem mim. Olho agora o rio que conheço tão bem. A cor das águas, a maneira como
escorregam ao longo das margens, as espadanas3 verdes, as plataformas de limos
onde encontram chão as rãs, onde as libélulas (também chamadas tira-olhos)
pousam a extremidade das pequenas garras - este rio é qualquer coisa que me
corre no sangue, a que estou preso desde sempre e para sempre. Naveguei nele,
aprendi nele a nadar, conheço-lhe os fundões e as locas onde os barbos pairam
imóveis. É mais do que um rio, é talvez um segredo. E, contudo, estas águas já não são as minhas águas. O tempo flui nelas,
arrasta-as e vai arrastando na corrente líquida, devagar, à velocidade (aqui,
na terra) de sessenta segundos por minuto. Quantos minutos passaram já desde
que me deitei na margem, sobre o feno seco e doirado? Quantos metros andou
aquele tronco apodrecido que flutua? O sino ainda toca, a tarde teve agora um
arrepio, as garças onde estão? Devagar, levanto-me, sacudo as palhas agarradas
à roupa, calço-me. Apanho uma pedra, um seixo redondo e denso, lanço-o pelo ar,
num gesto do passado. Cai no meio do rio, mergulha (não vejo, mas sei),
atravessa as águas opacas, assenta no lodo do fundo, enterra-se um pouco. [...]
Desço até à água, mergulho nela as mãos,
e não as reconheço. Vêm-me da memória outras mãos mergulhadas noutro rio. As
minhas mãos de há trinta anos, o rio antigo de águas que já se perderam no mar.
Vejo passar o tempo. Tem a cor da água e vai carregado de detritos, de pétalas
arrancadas de flores, de um toque vagaroso de sinos. Então uma ave cor de fogo
passa como um relâmpago. O sino cala-se. E eu sacudo as mãos molhadas de tempo,
levando-as até aos olhos - as minhas mãos de hoje, com que prendo a vida e a
verdade desta hora. Trechos extraído da obra Deste mundo e do outro (Caminho,
1985), do escritor, teatrólogo, jornalista e dramaturgo
português José Saramago (1922-2010)
– Prêmio Nobel de Literatura de 1998. Veja mais aqui.
TRÊS POEMAS – 1 - por vezes o
poema engasga / (tal como a fúria daqueles) / que espetam garfos quando pensam
/ não é que isso seja grave / (terrível é
olhar para ti e sentir) / que és matéria inexistente. 2 - nos pingos de chuva que caem
/ há violinos com saudades do mar / impera no céu enegrecido / o voo obliquo de
gaivotas / com fome e sede dos búzios / rendilhados
de espuma e naufrágios. / quem dera soubesses entender / (tal como eu, neste
instante...) / que nenhum sol se atreverá a mudar / esse tempo em que te lembro
a chorar. 3 - porque andam "azedas" / as pessoas? / o acto da
cordialidade vai se perdendo / (mais do que isso...) / parece que se disputa a
bestialidade humana. Poemas da poeta Suzana Sanches.
CLEÓPATRA DE NATALIE DESSAY
Curtindo o CD/DVD Árias do compositor George Frideric Händel, Giulio
Cesare (Virgin, 2011), no qual a soprano francesa Natalie
Dessay interpreta Cleópatra, com a orquestra Le Concert
d’Astrpée, Chorus of Opéra National de Paris e regência de Emmanuelle Haïm. Veja mais aqui.
Veja mais:
Tem hora pra tudo e a vida é outra coisa, a música do Quinteto Armorial, a arte de Emilia Kallock, os cordéis de Ciro Veras
& Alexandra Lacerda aqui.
A Uiara do Jaraguá aqui.
Quebra de Xangô, Yulia
Gorodinski, Relacionamentos Afetivos, Psicologia Jurídica & Criminologia aqui.
Deusa Vesta, Daniel
Goleman & Foco, Crimes Tributários, Psicologia & Pesquisa aqui.
Gilles Deleuze & Félix Guattari,
Peter Gabriel, Catarina Eufémia, Sam Mendes, Vicente Caruso, Mena Suvari, O
Rádio & Radiodifusão, Psicopatologia & Memória, Sandra Fayad &
Janne Eyre Melo Sarmento aqui.
Direito Ambiental
aqui.
Tolinho & Bestinha: quando a lei do
semideus é cachaça, tapa e gaia aqui.
Psicopatologia
& Orientação, Psicologia Jurídica & Agências Reguladoras aqui.
A Utopia de Thomas More aqui.
Dois
poemetos em prosa de amor pra ela aqui.
Psicopatologia
& Atenção, Psicodrama & Crimes contra a administração pública aqui.
A
contenda do amor aqui.
A ARTE DE BÁRBARA STIMOLE
A arte da dançarina e coreografa alemã Barbara Stimole, na premiada obra La teoria delle stringhe - La Badini, de Fabrizio Zamero.