A SINA DE
JUSTINITA – Imagem: Lady Justice under
fire, art by Day Williams. - Desde o dia em que fora atropelada pela
cabrita, ocorrera uma drástica transformação no comportamento de Justinita. Ao
pensar se ao invés do golpe caprino fosse ela recolhida pelo caminhão
desgovernado, hoje estaria de pés juntos no reino dos esquecidos. O destino
assim quisera, ela refeita do susto. Esse fato fizera repensar a vida e pode
perceber ao seu redor a miséria dos famintos, o desamparo dos despejados, o
sofrimento dos desvalidos, o desespero dos desabrigados. Aos seus olhos isso
tudo era injusto, Deus não promoveria tanto sofrimento à toa, por certo haveria
outra razão para tal desgraça. Homens, mulheres, crianças, idosos, tanta gente
supliciada, tudo isso provocava nela um ar de soturnidade jamais visto na sua
sempre sorridente forma de ser. Tinha de fazer alguma coisa, não sabia, logo
descobriria. E assim passou dias imaginando como saber a verdade e ajudar os
pobres coitados que sofriam em todos os lugares pela periferia da cidade. Voluntariamente
passou a assistir os necessitados, visitando abrigos, hospitais,
penitenciárias, manicômios, e a cada visita chorava com tanto meninos e meninas
cancerosas, tantos macróbios abandonados, tantos pobres desassistidos, tantos
presos amontoados, era sofrimento demais para sua sensibilidade. Nas suas
visitas levava o que podia de alimentos, abraços, palavras amigas, lágrimas de
solidariedade. Mas logo percebeu que caridade não resolveria, dia mais dia,
nada mudaria se ficasse apenas na filantropia, precisava fazer algo mais e não
sabia. E usou de sua jovialidade encantadora para promover campanhas em defesa
dos desassistidos. Por ser uma jovem bela e sedutora, muitos simpatizantes logo
acorreram em socorro e aumentaram o prestígio das suas manifestações. Cobiçada por
todos os marmanjos da cidade, não demorou muito a ser disputada por advogados,
promotores, juízes, desembargadores e até ministros que lhe prometiam fundos
vultosos para seus pleitos, afora o apoio irrestrito no que ela pretendesse
realizar para alcançar seus intentos. A sua causa logo alcançou a marca de
milhões de participantes, chegando mesmo a ter ações como a construção de casas
populares, assistência médico-hospitalar gratuita para os enfermos, assistência
social para os desamparados, enfim, tornou-se o símbolo da defensora dos pobres
e oprimidos. Logo cogitaram filiações partidárias para pleito eleitoral, ao que
ela imediatamente rechaçou alegando completa descrença nas coisas de política e
nas promessas eleitoreiras, deixando claro que se os políticos e autoridades
até então nada fizeram por tais problemas, não seria agora que partidos e
gestores tomariam a iniciativa de fazê-lo. Não, mil vezes disse não, alegando a
partir de agora ser a responsabilidade de cada ser humano a preservação da sua
espécie, promovendo a existência do outro na verdadeira iniciativa pela
proteção e promoção do exercício da cidadania e dignidade da pessoa humana
entre todos e isso começava por ela, era o seu exemplo, quem quisesse que
seguisse. Contudo, não contava ela com as astúcias ardilosas dos cortejadores,
entendia que era presenteada não por algo em troca, mas pela sensibilização das
pessoas por sua causa. Jamais previra a incestuosa intenção de um seu irmão de
criação agora representante do Ministério Público, nem a investida estupradora de
um primo em terceiro grau, muito menos que seria vendada pelo juridiquês de
advogados, a ponto de não ver mais nada e enredada numa teia de tenebroso coral
barítono, Eu não vejo nada, e mãos tateavam suas carnes por baixo de suas
vestes, pegavam-lhe dos pés à cabeça a puxar-lhe a calcinha pernas abaixo, a
soltarem o sutiã, remover-lhe as vestes e deixa-la nua desamparada, pegada,
puxada, levada, agarrada, beliscada, apertada, e uma grave voz: Cumpra-se! E mais
era tomada por muitas mãos na sua cegueira, e riam cochichando que ia dormir
com o juiz no primeiro sono, muitos juízes, e com desembargadores o segundo o
sono, e com os ministros o terceiro sono, e ouvia e tentava se soltar e
acorrentada por mãos e riam, murros em mesas, gritos exigindo silêncio, muitas
vozes no seu juízo e sentiu a vagina invadida por um pênis enlouquecido, muitos
outros e tantos pênis se enfiavam nela, no seu ânus, sua boca, ouvido, muitos e
mais pênis esfregando-se em suas faces, ao pescoço, aos ombros, seios, mãos,
entre as pernas e coxas, costas e ventre, gargalhadas insolentes explodiram enquanto
sentia a urina deles sobre seu rosto e corpo, chamavam-na de puta, gritavam safada,
quenga, puta, puta, e quanto mais relutava mais era fodida, cuspida, mijada,
seviciada, nada podia fazer senão desmaiar e morrer, nunca mais acordar. Ao recobrar
os sentidos, nua algemada, vendada e amordaçada, o frio e vozes como solenidade
do Tribunal do Juri, muitas vozes de ambiente repleto de gente e ela ali
desamparada entre sentenças e penas. Não sabia nada, não via nada, nada podia
fazer ali, nada mais a fazer por nada. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
Imagem: Bound Justice, art by Corliss
Lesser.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de especial com a música do compositor holandês Jacob
de Haan:
Concerto d’ Amore, Ross Roy, Utopia & Pacific Dream; a
interpretação da virtuosa e belíssima violinista e violista holandesa Janine
Jansen: Concert Tchaikovisky Live, Four Seasons Vivaldi e Concert Violin
Dvorak; &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Ensinar,
nos termos de Paulo Freire, nãoé simplesmente estar na sala de aula, mas estar
na hostória, na esfera mais ampla de um imaginário político que oferece aos
educadores a oportunidade de uma enorme coleção de campos para mobilizar conhecimentos
e desejos que podem levar a mudanças significativas na minimalização do grau de
opressão na vida das pessoas. [...]. Extraido da obra Um livro para os que cruzam fronteiras (Cortez 1996), do pedagogo e
crítico cultural estadunidense Henry Giroux.
DESERTO DO REAL - [...] Sempre
que cencontramos um mal tão puro no exterior, devemos reunir a coragem para
apoiar a lição hegeliana: nesse exterior puro, nós devemos reconhecer a versão
destilada de nossa propria essência. Pois nos últimos cinco séculos a
prosperidade e paz (relativas) do Ocidente “civilizado” foram compradas pela
exportação de impiedosa violência e destruição ao Exterior “bárbaro”: a longa
história desde a conquista da América ao massacre no Congo. Por mais que soe
cruel e indiferente, nós também deveríamos, agora mais do que nunca, ter em
mente que o efeito desses ataques é de fato muito mais simbólico do que real.
[...] Os EUA apenas experimentaram o que
acontece no resto do mundo diariamente, de Sarajevo a Grozni, de Ruanda e do
Congo a Serra Leoa. Se forem adicionados à situação em New York atiradores de
elite e estupros em massa, é possível ter uma ideia do que era Sarajevo uma
década atrás. Foi quando assistirmos na tela de TV ao colapso das duas torres
do World Trade Center que se tornou possível experimentar a falsidade de
“reality shows” da TV: mesmo se esses shows forem “de verdade”, as pessoas
ainda atuam neles – elas simplesmente atuam como elas mesmas. [...]. Trechos
extraídos da obra Bem-vindo ao deserto do
real: cinco ensaios sobre o 11 de
setembro e datas relacionadas – Estado de Sítio (Boitempo, 2003), do filósofo,
teórico crítico e cientista social esloveno Slavoj Žižek. Veja mais aqui e aqui.
A ESTAÇÃO ATÔMICA – [...] E
como essas palavras de uma saga soavam falso, em sua boca, tentou dar=-lhe
peso, atirando-se em cima de mim. Bateu-me, várias vezes, com seus punhos
serrados. Depois tentou morder-me, mas não o permiti. Acabou perdendo a vontade
de lutar comigo e quando viu que não conseguia desembaraçar-se voltou ao
vestíbulo e lá, bem no meio do aposento, após a luta, deixou escorregar, de
seus ombros magros, até o chão o casado de pele, como se o estivesse perdendo.
E lá o deixou, como se abandonasse uma pele de animal dos encantamentos.
Voltara a ser uma menina, com seus gestos desajeitados e desarticulados.
Encolheu-se a um canto do sofá, o queixo nos joelhos, os pinhos fechados sobre
os olhos e pos-se a chorar: a princípio, com grandes soluços e grandes suspiros,
depois, lamuriante como uma criança que se lamenta. Então vi que não se
tarataba apenas de comédia. Ou seria uma comedia bem representada? Tentei
aproximar-me dela, com o máximo de precaição possível [...] O resultado dessa discussão foi que a
senhorita Sangue de Maçã nada fez do que ameaçou. Por sua vez, não iria
suicidar-se, nem mataria seu amante. Mas pediu-me licença para dormir comigo o
resto da noite, porque era pequena e tinha os nervos fracos, enquanto eu era
robusta e vinha do campo. [...]. Procurei
com o olhar o caminho mais curto para sair dessa praça, apertei meu buquê de
flores contra o peito e pus-me a caminhar. Que preço teria tido a vida, a meus
olhos, se essas flores não tivessem existido? Trechos da obra A estação atômica (Delta, 1966), do
escritor islandês Halldór Laxness
(1902-1998), Prêmio Nobel de 1955.
OUTONAL – Andas sobre o
outonal assoalho, onde o seu corpo, / dela, sob três pés de folhas decompõe-se
/ imensos membros seus trazidos pelo vento. / E nos montes de terra o cavalo
furioso / mergulha, vira e corre através de tal carne. / Ela, a flama outonal,
a carne em taça molda, / onde sólida e espessa a carne impede o vento. / A
fumaça a fluir do arruinado cadáver / oculto à palidez no intimo da pele / e a
urina as folhas suja embaixo do cavalo. / O sentido da massa envolve estes
cavalos / ao tempo emque um a um mergulha sobre a carne. / A sempre devagar
liquescência da pele / é o espesso queimar do cadáver corrupto. / Esra plimagem
trela ao vento solta livre! / Nesse vento a fluir os gases que se evolam / as
memórias arrancam do afogado cavalo. / As árvores, largando a carne, cegas vão.
/ A folha a se erodir na fusão do cadáver. / As fissuras se abrindo em chamas
pela pel. / Suporta a forte vinha o impulso sob a pele. / Combustivel suporta o
óleo espesso da carne, / o gás a vista ensopa ao cavalo enforacado / as chamas
a jorrar pelos poros do vento / pegam o focal estilo achado no cadáver. /
Cadáver em chama nu exposto a todo vento / o cavalo a arder se difundindo em
pele / a folha a extinta folha a correr sobre a carne. Poema do poeta
estadunidense Joseph Bennet.
O LEITO POR DETRÁS DO RIO, DESTILAR A PELE
O leito por detrás do rio, destilar a pele é um
solo concebido e interpretado pela atriz Cris
Oliveira, resultado da pesquisa interdisciplinar sobre a percepção e os
cinco sentidos, em especial o tato. A experiência partiu da interação da pele
com os elementos: leite, mel, água, óleo e sangue. A temática trata dos limites
do corpo e a re-materialização da própria identidade, enquanto substância. O
trabalho apropria-se do sentido filosófico e alquímico dos elementos na busca
por transformação.
Veja mais:
Justinita & a cabrita braba, o pensamento de Amartya Sen & Zilda Arns, a crônica
de Kledir Ramil, o cinema de Penny Marshall & Elizabeth Perkins, a arte de Dorina
Costras, a música de Arnaldo Antunes & Roberta Sá aqui.
Rascunho solitário, a literatura de Arturo Ambrogi, a música de Edino Krieger, a pintura de Camille Corot & a
arte de Jim Thompson aqui.
Gato escaldado pra se enturmar é um pé na
frente e outro atrás,
a música de Sonia Bach,
a fotografia de Mariana Beltrame & a pintura
de Umberto Boccioni aqui.
Quando te vi na Crônica de amor por ela, Marques Rebelo, Eduardo Giannetti, Luzilá Gonçalves, Francis Poulenc, William Shakespeare, Patrícia
Petibon, Anatol Rosenfeld, Anésia Pinheiro Machado, Marcela Rafea, Franz von Bayros, Asztalos Gyula & Magda Zallio aqui.
Marguerite Duras & Todo dia é dia da
mulher aqui.
Pagu – Patrícia Galvão & Todo dia é
dia da mulher aqui.
Serenar na Crônica de amor por ela, Dinah
Silveira de Queiroz, Jacques Prévert, Validivar, Paulo Santoro, Arieta
Corrêa, Wong Kar-Wai, Manuel Puig, Peter Greenaway, Elisete Retter, Shirley
Kwan, Agi Strauss, A educação e seus problemas & Lilian Pimentel aqui.
A árvore de Humberto
Maturana & Francisco Varela, Darel
Valença Lins, Luiz Melodia, Terra Oca
& Lady Francisco aqui.
Debussy, Pierre Bonnard, Laurindo Almeida, Carl Rogers, Emily
Greene Balch & Pós-Modernidade aqui.
Projeto Tataritaritatá aqui.
Educação, Sexualidade & Orientação
Sexual aqui.
Big Shit Bôbras: Ói nois aqui traveiz aqui.
Big Shit Bôbras: o despranaviado geral
aqui.
A campanha do Doro Presidente aqui.
Tolinho & Bestinha: Quando Bestinha
enfiou-se na bronca da vida e num teve quem desse jeito aqui.
O que deu, deu; o que não deu, só na
outra aqui.
Aprendi a voar nas páginas de um livro
aqui.
Canção de quem ama além da conta aqui.
Ulysses Gaze, Eleni Karaindrou & Kim
Kashkashian, Tunga & Giuseppe Gioachino Belli aqui.
Steven Pinker & Lou Vilela aqui.
Psicanálise & Roger Cruz aqui.
Nélida Piñon, Oduvaldo Vianna Filho &
Júlio Pomar aqui.
Dia
Branco, Ítalo Calvino, Isaac Newton, Henrich Heine, Mark Twain, Moisés, John
Watson, Meio Ambiente & Programa Tataritaritatá aqui.
As
muitas e tantas do Rei Salomão aqui.
Cantiga
de amor pra ela & Programa Tataritaritatá aqui.
Haroldo
de Campos & Jacques Lacan aqui.
Tempo
& Expressão Literária de Raúl Castagnino & Totem e Tabu de Freud aqui.
ARTE DE YVONNE JEANETTE KARLSE
Art by Yvonne Jeanette Karlse