DIÁRIO DE QUARENTENA – UMA: SOLIDÃO, HORROR & DESGOVERNO - Todo dia
varando o pedaço azul da imensidão que me cabe no fluxo incessante dos devires,
vou à varanda e é tempo chuvoso, o inverno se avizinha. Logo imagino neste
tempo ter de volta aquele de luta pela redemocratização do meu país. Tempo difícil
de negrume e a minha gente se esqueceu daquela lição. Deu-me a sensação de Yasunari Kawabata: Talvez o sentimento do mal tivesse ficado anestesiado, confundido com
costumes e ordens sociais. Parece mesmo, a nossa democracia é uma jovem
sujeita às ilusões das lábias cavernosas dos poderosos dominantes, nossas
frágeis instituições sucumbem com facilidade ao poder econômico e os sabidos
acham pouco e fraudam até as cotas das universidades. Pois é, com a luta da Carta
Cidadã não deu para vaticinar o futuro demolindo o passado, voltamos para a
estaca zero. Vou para outra. DOIS: OS
VENCEDORES QUE SE CUIDEM – A história oficial sempre foi contada pelos e
para os vencedores. Somente a eles dominantes que tripudiaram para se
eternizarem, o elogio no poder de ditar o que ficaria para a posteridade. Hoje
o que a gente vê de patrimônio histórico e nomes de praças e ruas com o que
eles mandaram e desmandaram dão na desfaçatez e indignação. A história haverá
de ser reescrita e, ao que parece, já começou: muitos livros, documentários,
narrativas, ficções e depoimentos precisam ser levados em consideração. Que os
historiadores tomem coragem – alguns já deram o pontapé! Para tanto, no Fecamepa dou meus pitacos nesse sentido
e com uma farta referência no final, coisa de doido. Mas para não ficar nessa
aguada e tediosa angústia quarentenada, melhor os versos do Espelho de Geraldo Carneiro: do outro
lado um estranho / faz simulações como se fosse / um demônio familiar / é
sempre noite, um assassino sonha / com mulheres assassinadas em série / sob as
palmeiras de Malibu / o mundo é só uma ficção plausível / a imagem que baila ao
rés-da-lâmina / é um último e improvável vestígio / da existência de Deus / o
resto são ecos de outras faces / gestos de espanto e despedida / a música dos
relógios, a morte. De repente a catarse nos sinalize um paraíso qualquer
por insinuação. TRÊS: MUDANDO DE
CONVERSA PELAS DOIDICES - Gente, que tolidade é esta, hem? A patetada
ministerial tesloucou ou é o fanatismo disparatado que está vingando na onda
coisada, ou as duas coisas mesmo, só sendo. Haja patacoada: para o da saúde o
norte/nordeste está no Polo Ártico; para o da área ambiental, boiadas passam
pro desmatamento e tome queimada amazônica; para a doida dos direitos, Jesus na
goiabeira quer prender os do contra e cassar os que morreram caçados; pro energúmeno
da educação, ditadura nas universidades para gestão privada e desaprendizagens
online; pro da economia, enriquecer os ricos e promessas de esmolas para os
pobres; isso tudo afora afrontas antidemocráticas, arengas nas relações
internacionais e aposta nas sandices de enxofre e alho para combater a
pandemia. Olhando direitinho, do fundo do poço não dá pra ver luz nenhuma no
fim do túnel: o Planalto pirou e nem se sabe para onde vamos. Como o
Brasil está num mata-burro, estou aqui com caraminholas no juízo e ouvindo Vygotsky repetir: O saber que não vem da experiência não é realmente saber. Através dos
outros, nos tornamos nós mesmos. E o que tem a ver isso com aquilo? Acho
que estou variando, será que a disparatada contagia como a pandemia? Eita! Tenho
que tomar tino, vai lá que seja contagioso mesmo, hem? Até mais ver que vou ali e volta já, tá? © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] A
semente de Auschwitz não deveria voltar a germinar; mas a violência está perto,
à nossa volta, e há uma violência que é filha da violência. Existem vínculos
subterrâneos entre a violência das duas guerras mundiais e a violência que
presenciamos [...]. Trecho extraído da obra Entrevistas y consersaciones (Península, 1998), do
químico e escritor italiano Primo Levi (1919-1987). Veja mais
aqui e aqui.
CONTANDO OS VESTIDOS DELA, DE GERTRUDE
STEIN
[...] PARTE I - ATO I Quando eles não me viram. Eu vi eles de novo. Eu não
gostei. ATO II Eu conto os vestidos dela de novo. ATO III Você pode desenhar um
vestido. ATO IV Em um minuto. [...] PARTE XXXVII - ATO I Conta
os vestidos dela. ATO II Coleciona os vestidos dela ATO III Limpa os vestidos
dela. ATO IV Eis o sistema. [...] PARTE XXXVIII - ATO I Ela poliu a
mesa. ATO II Conta os vestidos dela novamente. ATO III Quando você pode vir. ATO
IV Quando você pode vir. [...] PARTE XXXI - ATO I Reflita mais. ATO
II Eu quero mesmo um jardim. ATO III Você quer. ATO IV E roupas. ATO V Eu não menciono roupas. ATO VI Não você não mencionou mas eu
mencionei. ATO VII É eu sei
disso. [...].
CONTANDO OS VESTIDOS DELA – Trechos extraídos da peça teatral Contando os vestidos dela (7 Letras, 2001), da
escritora, dramaturga e feminista estadunidense Gertrude Stein
(1874-1946). Esta obra é parte dos estudos realizados pela tese de doutoramento
sobre a temática Aqui há uma margem - teatro e
exílio em Gertrude Stein (UFRJ, 2007), da professora e
pesquisadora Inês Cardoso Martins Moreira, que é graduada em Artes Cênicas –
Teatro pela UFRJ. Veja mais aqui.
A ARTE DE RICARDO RANGEL
Temos um país sentado.
RICARDO RANGEL – A arte do fotógrafo e fotojornalista
moçambicano Ricardo Rangel
(1924-2009), que teve durante sua carreira muitas obras proibidas e destruídas pelos
censores portugueses que não foram exibidas até à independência de Moçambique,
em 1975, por ser frequente alvo da polícia secreta, a PIDE. Sobre ele o longa-metragem
documentário Ricardo
Rangel - Ferro em Brasa (2009), do realizador Licínio Azevedo,
desatacando-o como símbolo vivo da geração que no fim dos anos 1940, iniciou as
primeiras denúncias contra a situação colonial, enquanto fotografava e revelava
a desumanidade e a crueldade do colonialismo, até o fim da guerra civil
pós-independência. Veja mais aqui.
PERNAMBUCULTURARTES
A arte do escultor,
ceramista e artista plástico Francisco
Brennand (1927-2019). Veja mais aqui.
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A música da saudosa cantora e
compositora Selma do Coco (1935-2015) aqui.
A arte da artista visual Juliana Lapa aqui.
Organismo, de Jeorge Pereira & Bianca Joy Porte aqui.
Memória da Cena Pernambucana
aqui.
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