DITOS & DESDITOS: [...] Em geral não se
matam os prisioneiros de guerra, que são feitos escravos. Nossos rebanhos são
populações escravas. O trabalho deles é se reproduzirem para nós. Até seu sexo
transforma-se em uma forma de trabalho. Não os odiamos mais porque nem sequer são
dignos do nosso ódio. Nós os vemos com desprezo. Mas ainda existem animais que
odiamos, como os ratos, que não se renderam. Eles reagem, se organizam em
unidades subterrâneas em nossos esgotos. Não estão vencendo, mas também não
estão perdendo. Sem falar dos insetos e micróbios, que podem nos vencer e
certamente sobreviverão a nós.
[...] O segundo Outro da
nossa cultura é o primitivo (o índio, o selvagem), que chegou a gerar uma
questão teológica, dirigida sob forma de consulta ao papa: os índios têm alma?
Na mesma época, na sociedade brasileira, começava a aparecer o negro como
instrumento de trabalho. Os índios fugiam ao trabalho, mas adotavam a religião
dos senhores que lhes era incutida por meio da catequese, que entretanto também
teve seus paradoxos. Assim é que o motivo de maior estranhamento dos que vinham
de fora, os portugueses e os jesuítas da catequese, era a antropofagia entre os
índios. E não os afligia de modo nenhum o comportamento religioso dos escravos,
que praticavam interessantíssimo sincretismo religioso. Aliás, ‘sincretismo’
talvez não seja a noção adequada, já que as divindades originárias da cultura
religiosa dos negros escravos, os orixás, eram ocultadas por santos católicos
que mantinham com estes certas semelhanças. Mas não havia ocultamento do
canibalismo. Todos os depoimentos que temos, os escritos da época da
descoberta, todos os documentos mostram que o canibalismo era uma antropofagia.
Existe o canibalismo que não é antropofágico como, por exemplo, a ingestão de
partes pequenas, como unhas e pedaços de dedos dos mortos. A absorção da carne
humana, da carne do outro, morto em batalha, era antropofagia, a ingestão do
inimigo chamado ‘sagrado’, inimigo sacro, aquele que tinha virtudes a serem aproveitadas.
A ingestão de carne humana era, então, ao mesmo tempo um ato de vingança e de
apropriação das faculdades do inimigo corajoso. Essa ingestão proporcionava,
portanto, uma continuidade mágica do espólio consumido. [...] A questão não só do índio como do negro em
nossa cultura se coloca sob dois focos. Um foco mais antigo era considerar que
esses ‘primitivos’ tinham uma mentalidade diferente da nossa, chamada ‘pré-lógica’,
não-lógica porque antecede a lógica. [...] E desculpai-me, também vós todos, por esse quadro de horror. Trechos
do ensaio O animal e o primitivo:
os Outros de nossa cultura (Suplemento, dez.
2007), do premiado filósofo, escritor, professor e crítico literário Benedito Nunes (1929-2011), autor de
obras como Quase
um plano de aula (2009), A
Filosofia Contemporânea (1967), Crivo
de papel (1998), No tempo do niilismo e outros ensaios (1993) Hermenêutica
e poesia - O pensamento poético (1999) e A Clave do Poético (2009),
entre muitos outros.
A POESIA DE CRAIG ARNOLD
Acorde quando tudo for possível / antes do tumulto do dia
/ pegue você / vá para a cozinha / e descasque uma pequena bola de basquete /
no café da manhã / rasgue a concha / como um algodão enchendo uma nuvem de óleo
/ vaporizando de suas punções poros / limpos e ácidos
como pimenta / afrouxar / cada cunha rosa pálido do estojo / com cuidado sem
quebrar / não uma célula de pérola / deslizar cada peça / para uma tigela de
porcelana fria / o suco formando uma lacuna até tudo / o
fruto é separado da sua pele / e só então para comer / tão doce / uma
disciplina / precisamente um devoto inútil / intervenção das mãos e dos
sentidos / uma pausa um pequeno vazio / a cada ano mais difícil de viver / a
cada ano mais difícil de viver sem ele.
CRAIG ARNOLD – Poema Meditation
on a Grapefruit, do premiado poeta e professor estadunidense
Craig Arnold (1967-2009), autor do livro Shells (1999), entre
outros.
&
REGINA AZEVEDO
vários incêndios / você e sua febre / me lembram que hoje ainda não / pensamos
/ no ano que entra / quantos precipícios cabem / no caminho quantos terremotos
/ quantos imprevistos quantas / vezes reaprender a dormir / sozinhos / quantos
gatos quantas plantas / podemos amar / quantas planilhas eu posso / preencher,
o que é preciso / além da chave, / água, janelas / esqueço o que já vem / incluo
o preço do vaso sanitário / do chuveiro / basta teu nome estendido numa cama / tua
pele, água corrente / lembrar das coisas que já existem / um chão, uma coleção
de conchas / e pequenas certezas / ao amanhecer
REGINA AZEVEDO – Poema da poeta Regina Azevedo que há publicou Candura (2014), Das vezes que morri
em você (2013), Por isso eu amo em azul intenso (2015), Carcaça (2015) e Pirueta
(2017), afora uma série de participações em fanzines, festivais, revistas,
curadorias e traduções. Veja mais aqui.
A ARTE DE Rebecca Sugar
A arte da premiada animadora, compositora, escritora
e ativista estadunidense Rebecca Sugar, criadora da série animada
televisa Steven Universo e que trabalhou na série Hora de Aventura. Veja mais
aqui.
&
COLETIVO REBU
O Coletivo Rebu trabalha na defesa de direitos, no
enfrentamento a violência, na defesa da saúde integral das mulheres que exercem
o trabalho sexual, o reconhecimento do trabalho sexual como trabalho e o
combate ao estigma, envolvendo trabalhadoras sexuais cis, trans e travestis.
Já realizou o documentário Filhos da Puta,
apresentando três filhos de trabalhadoras sexuais e suas histórias, e o
lançamento do livro Putafeminismo
(2018), da trabalhadora sexual, ativista e putafeminista Monique Prada, que fala sobre as primeiras experiências com o sexo
casual aos 15 anos de idade, a entrada no mundo da prostituição aos 19, quando
ainda trabalhava como estagiária em um escritório de advocacia, e a descoberta
do feminismo. Veja mais aqui.
PERNAMBUCULTURARTES
címbalos soam a palavra / Sangarida / sopra terral no ostensório do meu
nome / teu nome / pedra / recifes à flor das águas / cinge aves do mar e peixes
/ amotinando-os ao verbo magro dos viajantes / Sangarida / tuas veias marítimas
sangram o signo / habitam-me o ventre / ressuscitam sereias nas siremusas / anunciam
o sal / não só vermelho cor da tarde / Sangarida Sangarida / o sangue principia
novo nome
Poema Matris Dies, da poeta Jacineide Travassos, autora do Livro
dos Ventos. Veja mais aqui.
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A poesia
de Solano Trindade (1908-1974) aqui;
A arte
de Maria Paula Costa Rego aqui.
A música
da cantora e compositora Ana Diniz aqui.
A arte
de Roberto Ploeg aqui.
O Recife: histórias de uma cidade, do professor, advogado,
historiador e pesquisador Antônio Paulo Rezende aqui.
O
espetáculo Retratos de chumbo: as rosas que enfrentaram os canhões, texto e
direção de Oséas Borba Neto e montagem Grupo de Teatro João Teimoso aqui.
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