LILI, MULHER AMADA - Simples como um mugido, sou sem um vintém no bolso,
faminto às andanças, sem teto: minha casa é a rua futurista na hipérbole dos
meus versos no frio da peste, faminto de amor. Sou a tempestade extravagante e
me querem amordaçado, expulso sob as estridentes vaias dos incompreensíveis. Oh,
Lili, minha formosa sensual dos olhos profundos e escuros, intensa
indecentemente, foi pela mão de Elsa que cheguei a você, minha musa
protagonista, amor da minha vida, toda minha lírica é sua: “o amor é vida. O amor é o coração de tudo”.
A propósito disto: não vivi ainda o meu bocado de amor, é a mim que deve
ressuscitar, ressuscita-me, Lilya, estou sempre a pique de murmurar alguma
coisa, ideias na reserva, como um dinâmo de alta frequência giratória. Sou,
antes e depois de tudo, eu mesmo, jamais passarei a vergonha de me acomodar,
odeio o passado de escravos em cada um de nós, o enxame de mesquinharias. Sou
sem partido, não tenho bens imóveis, jamais negociei nem explorei ninguém! Sou meu
coração turbulento, apenas uma nuvem de calças: estou em chamas! E na luta da guerra
pela paz: minha voz, a única humana, entre lamentos e gemidos erguida à luz do
dia: despejo minha alma até o fim. Amo: o amor floresce, floresce e depois
desfolha. Fui agraciado com o amor sem limites. Você é domadora e eu de júbilo,
depositei o amor, atraído, arrebatado, pois que amo a flauta vertebrada: aquela
diante de quem a montanha se perturba e treme, e me ordenou: ama-a! E canto à
espera da lânguida lua nua, o derradeiro amor do mundo. Lílitchka! Em lugar de uma carta: você sentada no coração de aço, afora
o seu amor por mim, não há mar, não há sol. Acaricio suas mãos e me expulsa, me
insulta, o meu amor com você aonde for, seus passos na minha última ternura. Liliók
minha, sou o cão, você a gata comigo na galeria Luibianski: sem você não há
vida. Nós dois acorrentados ao filme com todas as calamidades da grande guerra.
Tome o anel gravado com seu nome: amo, no meio da guerra civil. Você me salvou
duas vezes do suicídio. Todos os meus poemas são seus. O barco do amor
espatifou-se contra o cotidiano, querida Liliók, doce Liliók, maravilhosa
Liliók! Não há mais como resistir, entrego a minha vida em suas mãos: hoje
executarei meus versos na flauta de minhas próprias vértebras. Beijo, beijo e
beijo. Todo seu, adeus. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Alexandre
Magno, o maior conquistador do mundo antigo, soube que um dos seus soldados
passara a usar o seu nome. E, mandando que ele viesse à sua presença, disse-lhe:
“ – Queres então usar o meu nome? Pois usa-o. mas procura lembrar-te, durante
as batalhas, de que te chamas Alexandre”. Sobre usurpações de nomes, há outra
história que envolve a personalidade do guerreiro tártaro Timur Leng, também
conhecido como Tamerlão. Tinha ele em grande apreço um filósofo e letrado
persa, Ismail Kemal. E, ao invadir a Pérsia, dera ordem para que ele fosse
poupado e levado à sua tenda. Tal recomendação acabou por se divulgar. E, para
escapar ao tremendo massacre programado, vários persas resolveram adotar à
última hora o nome de Ismail Kemal. Um dos capitães de Tamerlão já havia
poupado a vida de dois deles, quando levaram à sua presença um terceiro.
Indignado, ele disse: “Como?” outro Ismail Kemal? É muito abuso! Chega... Degolem
já esse sujeito!” E assim teria perecido o verdadeiro Ismail Kemal,vítima dos
usurpadores do seu nome. [...].
Trechos extraídos da obra Como você se chama? Estudo sócio-psicologico de prenomes e cognomes
(Documentário, 1973), do saudoso jornalista, poeta, biógrafo e teatrólogo Raimundo Magalhães Júnior (1907-1981).
Veja mais aqui e aqui.
A POESIA DE JACINEIDE TRAVASSOS
o vento sopra a
tarde para o sol / pólen de rosa e violeta sideradas / mar em mármore azul e
véus de nuvem / talhar do vento para uma bailarina nas águas / em dança de
peixes sem asas / sonha a bailarina coisas pássaras / — porque sonho de pássaro
nas águas? / — é culpa do mar ser espelho? / em sua noite de casa / traz a
bailarina sapatilha e sal / rastro de mar por dentro / cobre de branco o chão
onde passa / branco de pombos e de asas / vestígio de um poema antigo / da
espuma quando se deita na praia / o telhado é quatro águas / é negro em sua
noite de casa / dança a lua em véus de ágata / sombra e borrão de cal / o
telhado da casa é quatro águas / sonha a bailarina coisas pássaras / — como
pousar / bailarina nascida das águas / se peixe se vento se asas?
Poema Estudo do vento para uma bailarina, da poeta Jacineide Travassos, autora do Livro dos Ventos (poesia,
2009). Ela é professora universitária, coordenadora das pós-graduações em
Literatura Brasileira e Arte e Linguística e Ensino da Universidade Salgado de
Oliveira, atuando também como professora do Ensino Médio na Escola Parque e
edita o blog A odisseia de Penélope.
&
A NAÇÃO
AVACALHADA DE ANCHIETA DALI
Tanta gente iludida com a
fama / tanto brega espalhado pelo ar / besteirol, fuleragem, cri-car / muita
gente bebendo fel e lama / empresários comendo nessa trama / tá no rádio e na
televisão / escrotice, pornô e podridão / tem mané deslizando no quiabo /
outros mamam nos ovos do diavo / crocodilo, gambá e charlatão.
Poema Fama (orgia),
extraído da obra Nação avacalhada (Oxente,
2019), do poeta, músico e compositor Anchieta
Dali. Veja mais aqui.
A ARTE DE
VALIE EXPORT
Se as mulheres abandonarem os maridos e os
filhos e a sociedade o tolerar tanto legal como socialmente, como no caso dos
homens; se as mulheres conseguirem isso, desenvolverão uma criatividade
igualmente fértil. Sempre e em toda parte.
A arte
da artista austríaca Valie Export (Waltraud Lehner , também Höllinger), que realiza instalações
em vídeo, performances corporais, cinema expandido, animações por computador,
fotografia, esculturas e publicações sobre artes contemporâneas. Veja mais aqui e aqui.
A OBRA DE MAIAKOVSKI
Doravante, eu o sei e qualquer um o sabe. O
coração tem domicílio no peito. Comigo a anatomia enlouqueceu. - Sou todo
coração. Em todas as partes pulsa.
Imagem:
da escritora musa e protagonista da vanguarda russa, Lilya Brik (1891-1978),
musa e amante do poeta.
A obra do poeta,
dramaturgo e teórico russo Vladimir Maiakovski (1893-1930) aqui, aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.