OPHELIA, ÚNICO AMOR – Ah, Ophelia, geminiana Lisboa, minha criancinha que descobri datilógrafa
da Baixa lisboeta, a Lídia de Reis e a vida passa à beira do rio, a Daise do
soneto já antigo de Álvaro, a quem tudo é tão puro e doce e o seu sorriso na hora
absurda do Cancioneiro, está comigo na floresta do alheiamento. A foto do seu
sobrinho era, na verdade, para você. Era você que eu queria encontrar. E envio
outra, autografada: “em flagrante delitro”, como as palavras de pórtico: criar
é preciso, viver não é necessário. Ainda não é finda a vida, como na prece a
alma é vil. Você é aquela que durmo como um cão corrido no caminho para todo o
resto do Universo, quero ser sempre como a passagem das horas. Amo como o amor
ama, porque todos os dias, quero que diga qualquer coisa para eu acordar de
novo, pastor amoroso das ficções do interlúdio de Caieiro. Ah, musa da Lisbon
Revisited, não quero nada, tenho o direito de ser doido de pedra, quero ser
sozinho no céu azul da minha infância e vivo a sonhar irrequieto com o coração
longínquo – meu coração é um balde despejado! -, serei sempre o que não nasceu
para isso. (Se eu me casasse com a filha da minha lavadeira, ou com a boca
bonita da filha do caseiro, talvez fosse feliz). Mas não, amanhã direi as
palavras, ou depois de amanhã, minha alma partiu-se como um vaso vazio no
desejo físico de se encontrar ali outra vez, meu amor. Grandes são os desertos
e tudo é deserto, quem me dera ouvir de alguém a voz humana. Há um poeta em mim
que Deus me disse na análise e autopsicografia. Você não devia ter ouvido o que
dizia Álvaro, meu algoz, só o meu amor devia ser levado a sério. Da primeira
vez o amor passou, meu destino pertencia a uma outra Lei de Mestres que não
permitiam nem perdoavam. Nasci para ser sozinho, não mereço a sua companhia. Recebi
todas as suas cartas, leio e releio, perturbado e dividido, Álvaro nos
persegue. O que há em mim de pecaminoso e nocivo, nada mais que o meu estúpido
amor por você, a única amada. Foi preciso quase uma década para reencontrá-la e
ouvi-la ao telefone, sempre temi não fazê-la feliz, essa dor me corroi. Nunca
diga que sou poeta, se muito faço versos, apenas. Tenho que escrever, é só o
que faço. Acordo de noite e escrevo, a minha vida, a minha obra, mesmo que nada
valha, se é que vale alguma coisa, sou eu: o maior alienado, morador onde Deus
é servido conceder-me, em companhia da minha solidão com insetos e a escuridão.
Existo e não me suicido antes do assunto, sei apenas escrever asneiras. Sei que
todas as minhas cartas de amor são ridículas, todas as palavras esdrúxulas com
sentimentos esdrúxulos. Mas saiba, de coração, únicamada, sou seu Nininho.
Nininhoninhozinho, sempre e muito seu, jinhos, jinhos e mais jinhos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] o homem crê
cada vez menos que a felicidade se identifica com a força e a possessão.
[...] Seus sonhos ou seus projetos de
felicidade estão cada vez mais ligados a uma arte de viver novas relações com a
natureza, com os outros homens, com o futuro e a transcendência. Novas relações
com a natureza que não sejam mais relações de conquistadores mas de namorados.
[...] Novas relações com os outros homens
que não sejam nem o individualismo da selva nem o golilha totalitário, mas
relações de comunidade e de amor. Esta necessidade fraternal traduz-se pela
constituição de múltiplas comunidades de base. [...] A felicidade é, antes de tudo, o amor. [...] Novas relações com o porvir e o transcendente, relações que já não
seriam as da simples extrapolação quantitativa, tecnologia, meios, à maneira da
“futurologia” positivista, mas invenção do futuro. A transcendência não é
apenas ultrapassagem e ruptura, mas descoberta de possíveis novos, que procuro
e crio por meio próprio esforço, ao mesmo tempo que a acolho como um dom.
[...] A felicidade é esta criação, a
participação na criação continuada de um homem sempre mais um, de um mundo
sempre mais humano.
Trechos de A
felicidade, extraído da obra Palavra
de homem (Difel, 1975), do filósofo francês Roger Garaudy
(1913-2012). Veja mais aqui e aqui.
O SANTO E A PORCA
[...] (Afastam-se
todos. A cena deve dar ideia da solidão de Euricão, solidão que vai crescendo
até o fim). EUDORO: Mas espere... EURICÃO: Afaste-se! Saia de junto de mim!
EUDORO: Eurico, você guardou esse dinheiro muito tempo, não foi? EURICÃO:
Guardei, toda a minha vida! Quase toda a minha vida! Desde que minha mulher me
deixou! Agora, posso falar nisso, pois tudo perdeu a importância diante da
porca! EUDORO: Eurico, o dinheiro não é tudo neste mundo. Você tem sua filha,
tem a todos nós que agora somos sua família. Deixe de depositar toda a sua vida
nesse dinheiro! Não dê importância ao que não vale nada! Porque... EURICÃO: Por
que o quê? Que é que você quer dizer? Diga, termine! EUDORO: Será melhor dizer
mesmo, Eurico! EURICÃO: Dizer o quê? Diga logo, é melhor do que me esconder
alguma coisa grave. Que é? EUDORO: Esse dinheiro está todo recolhido, Eurico!
Tudo o que você tem aí não vale nem um tostão! [...].
Trecho do terceiro ato da peça teatral O santo e a porca (Nova Fronteira,
2017), do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014).
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
A ARTE DE
DOROTHEA LANGE
Não é por acaso que o fotógrafo se torna um fotógrafo
mais do que o domador de leões se torna um domador de leões. A câmera é um
instrumento que ensina as pessoas a ver sem uma câmera. Deve-se realmente usar
a câmera como se amanhã você ficasse cego. Viver uma vida visual é um
empreendimento enorme, praticamente inatingível. Eu apenas toquei, apenas
toquei. Embora haja talvez uma província em que a fotografia possa nos dizer
nada mais do que vemos com nossos próprios olhos, há outra em que nos prova
quão pouco nossos olhos nos permitem ver.
A OBRA DE FERNANDO PESSOA
A liberdade é a possibilidade do isolamento.
Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
A obra do
poeta e filósofo português Fernando Pessoa (1888-1935) aqui, aqui, aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.