domingo, outubro 04, 2015

RAJNEESH, PESSOA, GRACILIANO, ARISTÓFANES, BUSTER, LIÇÃO PRA SER FELIZ & BRINCARTE DO NITOLINO.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? LIÇÃO PRA SER FELIZ – Desde um tempo atrás que ouvi de Gonzaguinha que não dá pra ser feliz do jeito que a coisa vai, que minhas catracas do quengo anda questionando a respeito. Pudera, o que mais ouço hoje, é que todos querem a felicidade a qualquer preço e modo, simplesmente, porque todos nós merecemos, de uma forma ou de outra, sermos felizes. Vai e volta, esbarro em gente que quer achar essa tal felicidade. Onde ela está escondida? O que a gente faz pra tê-la pra gente? Eu mesmo digo pra elas: - Se acharem, me avisem; vamos socializar. Confesso que por mais de cinquenta anos, ou melhor, por toda minha vida, a minha busca era saber onde que droga se encontrava escondida essa felicidade que todo mundo fala e canta. Nas minhas investigações, ora, ouvi de tudo, desde conselhos e trilhas, até admoestações as mais severas. Teve quem dissesse que estava no Himalaia; outro com ar de autoridade e sabedor de tudo, disse que está no Kilimanjaro; um mais afoito não dispensou o seu que nada pra corrigir tudo e todos, afirmando categoricamente se encontrar no Fuji-Yama; e, no meio disso, não se esqueceram de mencionar que está no segredo guardado das múmias do Egito. E lá vai teitei. Não faltou quem apontasse pro colosso de Rodes, pras ruínas da acrópole de Partenon, pro pico do Aconcágua, até pros espelhos de Arquimedes. Alguns até ousaram recomendações de que para tal precisava saber alfa e ômega de tudo, ou dar um golpe do baú pra encontrar o Eldorado, ou achar o pote de ouro no fim do arco-íris, catar os líquens e musgos no vulcão de Erebus da Antártida, ou praticar autoflagelação num iglu dos esquimós, ou possuir um fragmento do bendengó ou a pedra Caaba de Meca ou mesmo o diamante de Cullinam ou uma grande pepita de ouro, pra ter toda divícia. Quer dizer, um bocado de gente sinalizava que só a riqueza traz felicidade. Outros, não descartando tudo isso, deram conta de que pra ter felicidade precisava ser benzido e curado pelo gênio Caruana do Amazonas, praticar a eugenia, ou livrar-se dos brasa-escondidas do mundo ababelado; afora isso, só lendo o Alcorão e os Vedas, com o Colliget de Averróis, as lições dos babalorixás, saber de cor a Bíblia, a Imitação de Cristo de Thomas de Kêmpis e os mandamentos de Alá, Javé, Buda ou Adonai; praticar necromancia, ler as mil e uma noites, desatar nó górdio, decifrar papiros e entender os oráculos. Outranos aumentavam a bula do sincretismo com afirmação de que só poderia encontrá-la quem tivesse coragem de correr todo arquipélago das Bermudas, ou ter a graça de ser abduzido por um Ovni e, quando voltar, conseguir entrar no Templo de Baal. Outrantos mais, além disso, direcionaram como fundamental uma vista pros templos de Calcutá, a determinada fuga de Abaçai, a cagada da posse de aerólitos, participar da água-de-oxalá, seguir os passos de Gandhi e desvendar os enigmas da Esfinge. Ah, não faltou quem ousasse a indicação da indispensável viagem pela Gulf-Stream lendo as profecias de Nostradamus até encontrar o perfume da beleza de Pentesileia, voltar para as bandas de Madagascar a dar sota e ás pra achar o elo perdido de Java. Não faltaram outrotantos pitacos pra dar em cima dos mistérios de Osíris visando descobrir a longevidade e dar um trato à bola pra saber o esconderijo das botijas de Montezuma e tralalá blablablá. E batiam pé e reafirmavam: só assim. Pelo jeito, tinha que dar uma volta ao mundo todo e, se fosse pouco, não seria nada demais dar um pulinho em Marte ou sair pinotando pros outros planetas da nossa galáxia, a fim de localizar o real paradeiro da felicidade. Isso me levaria a correr todas as altitudes e latitudes, até encontrar o armistício humano. Andejo como sou, seria uma andada que findaria acometido por abasia, acho. Preferi fazer ginástica nos neurônios e cutucar todo tipo de ideia possível e inimaginável. Pra meu desapontamento, só dei água em barrela e com os burros n’água. Resolvi descartar qualquer menção de posse, desejo ou obstinação. Foi aí que me ocorreu uma generosa intuição que me saltou de repente e do nada pra compreensão. Seguinte, por mais que se pense que a felicidade está em algum lugar do universo, só há um local onde ela pode ser encontrada de verdade: é dentro de mim mesmo. Esta foi a lição que aprendi: ela não está em nenhum lugar do mundo ou do universo, a felicidade está dentro de cada um. É só descobri-la e seja feliz. Sorria – e que o sorriso seja sua prática todo dia e o dia todo -, faça o teste e constate. Faça as pazes consigo. Aproveite, faça uma faxina e saiba que você é uma pessoa sortuda, pois foi escolhida entre os milhões de espermatozoides. Sofrimento? Encare as dívidas e os problemas como brincar de lição de casa. Não se leve tão a sério, faça como Rita Lee: brinque de ser sério e leve a sério a brincadeira. É difícil? Só depende de você. Invente, faça de você uma pessoa diferente e descubra que a felicidade verdadeira está dentro você. Sorria e vamos aprumar a conversa aqui

Imagem Allegro (1909), do pintor e compositor lituano Mikalojus Konstantinas Ciurlionis (1875-1911).


Curtindo o álbum Senhas (CBS/Columbia Records, 1992), da cantora e compositora Adriana Calcanhoto. Veja mais aqui.

BRINCARTE DO NITOLINO – Hoje é dia do programa Brincarte do Nitolino Especial do Dia Mundial da Natureza e dos Animais. Será a partir das 10hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação luxuosa da simpaticíssima Isis Corrêa Naves. Na programação para as crianças de todas as idades: Fagner, Robertinho do Recife, Vida Verde Viva, Leo & Gandhi, O leão cordeirinho, Anderson Freire, As Esquiletes, Manuel Sampaio, O lobo e os sete cabritinhos, Nita & o jacaré e a princesa, O lobisomem zonzo, Meimei Corrêa, Eliana, Patati & Patatá & muito mais brincadeiras, poesias, histórias e entretenimento. No blog dicas de Educação, Psicologia, Direito das Crianças e Adolescentes, Teatro, Literatura e Música Infantis. Para conferir ao vivo e online clique aqui ou aqui.

A SEMENTE DA MOSTARDA – No livro A semente da mostarda: discursos sobre as palavras de Jesus segundo o Evangelho de Tomé (Tao, 1979), do filósofo e místico, líder religioso hindu das tradições dármicas, mestre da arte da meditação e do despertar da consciência Bhagwan Shree Rajneesh (1931-1990), encontro o Décimo primeiro discurso, proferido em 31 de agosto de 1974, no qual destaco os trechos a seguir: Todo o problema humano consiste em escolher entre o momentâneo e o eterno. Quando você escolhe o momentâneo, está construindo sua casa na área – ela cairá. Quando escolher o eterno, então algo que dura para todo o sempre é alcançado. [...] A avestruz esconde a cabeça, fecha os olhos e imediatamente não tem mais medo porque o inimigo não pode ser visto. Mas o inimigo não acredita nessa lógica. Pelo contrário, você é um brinquedo em suas mãos quando fecha os olhos; está pedindo para ser a vítima. Você poderia fugir mas não o fez porque pensou que o inimigo não estivesse lá – não que ele não estivesse, você é que sentiu que ele não estava. É assim que você sente uma felicidade momentânea quando se torna inconsciente através de drogas - os problemas não existem, todos os inimigos desaparecem, não há ansiedade – porque para haver ansiedade, você tem de estar alerta, desperto. [...] Aconteceu certa vez que Thomas Edison foi convidado para um jantar onde se reuniam alguns amigos. Ele era um homem de poucas palavras e ficava sempre perturbado quando havia muita gente por perto. Ele era um trabalhador solitário em seu laboratório, era um pesquisador, um homem contemplativo; a presença dos outros era sempre uma perturbação para ele. E no jantar havia muitas pessoas, todas ocupadas em comer, tagarelar que Edison pensou: “Esse é o mento de escapar!” Então ele começou a procurar uma porta pela qual pudesse escapar – nesse momento foi apanhado. O anfitrião agarrou-o e perguntou: “Sr. Edison, no que o senhor está trabalhando atualmente?” Ele respondeu: “Na fuga!”. Mas todos estão trabalhando na fuga. Esteja alerta para isso! Por que você não consegue desfrutar da vida – que é um presente? Você não teve de ganha-la; é por isso que eu digo que é uma graça. Ela lhe foi dada pela existência – você pode chama-la de Deus – ela é simplesmente um presente, um puro presente. Você não fez nada para consegui-la, para ganha-la. Por que não consegue ser grato e desfrutá-la? Você deveria estar dançando de alegria, mas qual é o problema: porque para desfrutar da felicidade, é necessária uma consciência maior. Para sofrer uma angustia não há necessidade de estar alerta. Para sofrer uma angustia é necessário maior escuridão, menos consciência – é necessário a noite, não o dia. Mas para desfrutar a felicidade, é necessário mais consciência. Assim, se você encontrar um santo triste, saiba que ele não é santo. Porque a consciência dá felicidade plena, dá um profundo sorriso a todo o seu ser. A consciência lhe dá algo que o transforma em criança|: você pode correr atrás de uma borboleta, pode saborear uma comida simples, pode desfrutar das coisas simples da vida, a ponto de tudo se tornar um presente. Tudo se torna uma graça de Deus e você pode ser grato a cada momento – mesmo pelo ar que respira. Pode desfrutar até da sua própria respiração. Uma simples respiração! E o prazer é tão grande! Se encontrar um santo triste, saiba que algo está errado; ele ainda vive no vale, ainda não se moveu para o pico. Caso contrário ele estaria radiante, teria beleza, teria o prazer de uma criança: despreocupado, sem medo – estaria fortificado na sua consciência. Veja mais aqui e aqui.

A CACHORRA BALEIA – No livro Vidas secas (Martins, 1938), do escritor e jornalista Graciliano Ramos (1892-1953), encontro o trecho de Baleia o qual destaco: [...] A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo caira-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida. Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de roscas, semelhantes a uma cauda de cascavel. Então Fabiano resolveu mata-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carrega-la bem para a cachorra não sofrer muito. Sinha Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta: - Vão bulir com a Baleia? [...] Fabiano percorreu o alpendre, olhando a baraúna e as porteiras, açulando um cão invisível contra animais invisíveis. – Ecô! Ecô! Em seguida entrou na sala, atravessou o corregor e chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé-de-turco, levou a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, detevbe-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rost. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia que se pôs a latir desesperadamente. Ouvindo o tiro e os latidos, sinhá Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram na cama, chorando alto. Fabiano recolheu-se. E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às panelas de losna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das cabras. Demorou-se aí um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino aos pulos. Defronte do carro de bois faltou-se a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da roda. Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia uma barroca macia e funda. Gostava de espojar-se ali: cobria-se de poeira, evitava as moscas e os mosquitos, e quando se levantava, tinha folhas secas e gravetos colados às feridas, era um bicho diferente dos outros. Caiu antes de alcançar essa cova arredada. Tentou erguer-se, endireitou a cabeça e estirou as pernas dianteiras, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição torcida, mexeu-se a custo, ralando as patas, cravando as unhas no chão, agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e aquietou-se junto ás pedras onde os meninos jogavam coisas mortas. Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pos-se a latir e desejou morder Fabiano. Realmente não latia: uivava baixinho, e os uivos iam diminuindo, tornam-se quase imperceptíveis. Como o sol a encadeasse, conseguiu adiantar-se umas polegadas e escondeu-se numa nesga de sombra que ladeava a pedra. Olhou-se de novo, aflita. Que lhe estaria acontecendo? O nevoeiro engrossava e aproximava-se. Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado muito. Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os preás que pulavam e corriam em liberdade. [...] Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente sinhá Vitoria tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes. [...] Veja mais aqui.

O PASTOR AMOROSO – No livro O eu profundos e os outros eus (Nova Fronteira, 1980), do poeta e filósofo português Fernando Pessoa (1888-1935), encontro a seção Fernando Pessoa, o outro – Ficções do interlúdio -, em que destaco o poema O Pastor Amoroso: Quando eu não te tinha / Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo... / Agora amo a Natureza / Como um monge calmo à Virgem Maria, / Religiosamente, a meu modo, como dantes, / Mas de outra maneira mais comovida e próxima... / Vejo melhor os rios quando vou contigo / Pelos campos até à beira dos rios; / Sentado a teu lado reparando nas nuvens / Reparo nelas melhor - / Tu não me tiraste a Natureza... / Tu mudaste a Natureza... / Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim, / Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma, / Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais, / Por tu me escolheres para te ter e te amar, / Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente / Sobre todas as cousas. / Não me arrependo do que fui outrora / Porque ainda o sou. / Vai alta no céu a lua da Primavera. / Penso em ti e dentro de mim estou completo. / Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira. / Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz. / Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelo campo, / E eu andarei contigo pelos campos ver-te colher flores. / Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos, / Pois quando vieres amanhã e andares comigo no campo a colher flores, / Isso será uma alegria e uma verdade para mim. / O amor é uma companhia. / Já não sei andar só pelos caminhos, / Porque já não posso andar só. / Um pensamento visível faz-me andar mais depressa / E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo. / Mesmo a ausência dela é uma cousa que está comigo. / E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar. / Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas. / Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela. / Todo eu sou qualquer força que me abandona. / Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio. / O pastor amoroso perdeu o cajado, / E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta, / E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar. / Ninguém lhe apareceu ou desapareceu. Nunca mais encontrou o cajado. / Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas. / Ninguém o tinha amado, afinal. / Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo: / Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre, / As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer sentimento, / A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que existem, estão presentes. / (E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou fresco nos pulmões) / E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito. / Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela, / E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela. / Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala, / E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança. / Amar é pensar. / E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela. / Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela. / Tenho uma grande distração animada. / Quando desejo encontrá-la / Quase que prefiro não a encontrar, / Para não ter que a deixar depois. / Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só / Pensar nela. / Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar. / Todos os dias acordo com alegria e pena. / Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava. / Tenho alegria e pena porque perco o que sonho / E posso estar na realidade onde está o que sonho. / Não sei o que hei-de fazer das minhas sensações. / Não sei o que hei-de ser comigo sozinho. / Quero que ela me diga qualquer cousa para eu acordar de novo. Veja mais aqui, aqui e aqui.

A PAZ – A comédia A paz (421aC), do dramaturgo e representante da comédia grega Aristófanes (447-385aC), conta a história de Trigeum, um lavrador ateniense que vivia em um lugarejo da Ática do cultivo de suas vinhas, resolve subir ao céu, montado num escaravelho, para perguntar aos deuses a causa dos males que afligiam a Grécia, às voltas com interminável guerra fratricida entre os helenos. No Olimpo ele encontra apenas Hermes; os demais deuses haviam-se retirado para regiões ainda mais altas do firmamento, resolvidos a não mais presenciar a discórdia que levava os gregos ao extermínio. Hermes, a princípio relutante, resolve responder às perguntas de Trigeu, que explora a gula do deus remanescente; mostra-lhe a Guerra personificada, disposta a pulverizar as cidades gregas em um imenso pilão, enquanto a Paz permanece prisioneira no fundo de uma caverna, cuja entrada está obstruída por grandes pedras. Trigeu quer libertar a prisioneira a todo custo. Por isso convoca os trabalhadores de todas as regiões da Grécia, gente do campo, os mais sacrificados com a guerra. Depois de muitos esforços conseguem libertar a prisioneira e com ela voltam aos gregos a abundância e a alegria. Somente os fabricantes de armamentos não compartilham do contentamento geral, pois o fim da guerra os arruina. A peça termina com o casamento de Trigeu e da Abundância, companheira da Paz. Da obra destaco o trecho inicial: (Aristófanes) (À direita, a casa de Trigeu; no centro, a entrada de uma caverna fechada por grandes pedras; à esquerda, a morada de Zeus) PRIMEIRO ESCRAVO - Depressa! Depressa! Traga o bolo para o escaravelho! SEGUNDO ESCRAVO - Pronto. PRIMEIRO ESCRAVO - Dê o bolo a este inseto maldito! SEGUNDO ESCRAVO - Nunca mais vai ele vai comer outro bolo melhor. PRIMEIRO ESCRAVO - Dê mais um, feito de estrume de burro. SEGUNDO ESCRAVO - Está aqui outro. PRIMEIRO ESCRAVO - E onde está o que você tinha trazido agora mesmo? Será que ele já devorou? SEGUNDO ESCRAVO - Claro! Ele revirou o bolo com as patas e engoliu de uma vez. PRIMEIRO ESCRAVO - Então faça outros depressa, e bem amassados. SEGUNDO ESCRAVO - Pelo amor dos deuses, limpadores de latrinas! Me socorram se não quiserem que eu morra sufocado! PRIMEIRO ESCRAVO - Mais! Mais! Peça a um pederasta! O escaravelho disse que gosta bem espremido. SEGUNDO ESCRAVO - Pronto. Ao menos fico livre de suspeita de comer a massa do bolo enquanto preparo ele. PRIMEIRO ESCRAVO - Que fedor! Mais! Mais! Não pare de espremer! SEGUNDO ESCRAVO - Não posso mais! Já não consigo suportar esse fedor de latrina. PRIMEIRO ESCRAVO - Vou entrar e levo a latrina comigo. (O Primeiro Escravo entra com o escaravelho) SEGUNDO ESCRAVO - Leve ela para o inferno e vá com ela! (Dirigindo-se aos espectadores) Me diga, quem souber, onde eu posso comprar um nariz sem buracos. Não conheço trabalho mais horroroso que esse de espremer comida para um escaravelho. Um porco ou um cachorro engolem sem luxinhos os nossos excrementos, mas esse bicho aí se faz de dengoso e não quer comer a não ser que eu tenha passado o dia todo amassando os bocados, como se fosse uma mulherzinha muito delicada! Mas vamos ver se ele já parou de comer; vamos abrir a porta só um pouquinho para ele não notar a minha presença. (O Segundo Escravo entreabre a porta) Coma! Empanturre-se de comida até estourar! Com que gana esse bicho maldito devora a comida! Ele mexe o queixo sem parar, como um lutador mexe com os braços. Mexe as cabeças e as patas como um fabricante de cordas para barcos. Bicho feio, fedorento e guloso! A que deus ele é consagrado? Não tenho certeza, mas penso que não há de ser a Afrodite nem às Graças. PRIMEIRO ESCRAVO - A que deus, então? SEGUNDO ESCRAVO - Só se for a Zeus merdejante. PRIMEIRO ESCRAVO - Você ainda não ouviu algum espectador, algum rapazola convencido, perguntar: “Que negócio é esse? Para que esse escaravelho?” E um vizinho dele responde: “Se não me engano, aquele político sujo anda metido nisso; dizem que ele comia imundície”. Mas eu vou entrar para dar de beber ao escaravelho. SEGUNDO ESCRAVO - E eu vou explicar o caso às crianças, aos homenzinhos, aos homens feitos, aos homens desfeitos, aos que já viveram demais. Meu patrão está com uma mania esquisita. (Não é essa de vocês, não!) É outra mania, completamente nova. O dia todo, com os olhos erguidos para o céu, ele se queixa a Zeus e diz: “Ah! Zeus! Que é que você pretende fazer? Pare com essa vassoura! Não varra a Grécia da face da terra!” Atenção! Silêncio! Parece que estou ouvindo a voz dele! TRIGEU - (sem ser visto) Ah! Zeus! Que é que você pretende fazer com os atenienses? Você não se incomoda de estar despovoando nossas cidades? SEGUNDO ESCRAVO - É essa mania de que eu estava falando. Agora vocês tiveram uma amostra da loucura dele. Mas eu quero contar a vocês as coisas que ele disse no primeiro acesso da doença: “Por que é que eu não posso ir direto a Zeus?” Depois, fazendo pequenos degraus, subia por eles com os pés e as mãos, “para escalar os céus”; até que ele caiu no chão e quebrou a cabeça. Mas ontem ele foi não onde e voltou para casa com um escaravelho enorme, indócil como um cavalo da Sicília, e fez de mim o tratador de tal bicho. Ele acaricia o escaravelho com a mão, como se fosse um potro: “Meu Pegasozinho!” diz ele. “Generoso voador, me leva direto a Zeus de um arranco só!” Mas vamos olhar por esta fresta para ver o que ele está fazendo. (Olha) Ah! Infeliz! Socorro, vizinhos! Socorro! Meu patrão está subindo desabaladamente pelos ares, cavalgando um escaravelho! TRIGEU - (montado no escaravelho) Vamos devagar, não precisa exagerar no entusiasmo! Não comece voando tão depressa assim; espere esquentar e desembaraçar as juntas com o bater das asas. E faça o favor de não largar mau cheiro em mim; se for para isso é melhor você ficar em casa. SEGUNDO ESCRAVO - O senhor está delirando, patrão! TRIGEU - Silêncio!... Silêncio!... SEGUNDO ESCRAVO - Aonde o senhor vai? O senhor vai-se perder aí pelo céu. TRIGEU - (em tom solene) O interesse dos gregos orienta meu vôo e preside meus ousados planos! SEGUNDO ESCRAVO - Por que o senhor está voando? Que maluquice é essa? TRIGEU - Não diga palavras de mau agouro! Fale coisas otimistas e dê berros de alegria! Mande todo mundo se calar, cobrir as latrinas com telhas novas e arrolhar os intestinos. SEGUNDO ESCRAVO - Eu não me calo antes de o senhor dizer para onde está voando. TRIGEU - Para onde havia de ser? Para o céu, lá para onde está Zeus. SEGUNDO ESCRAVO - E para quê? TRIGEU - Para saber o que ele pretende fazer dos gregos todos. SEGUNDO ESCRAVO - E se ele não disser? TRIGEU - Eu vou mover uma ação contra ele por trair os gregos em benefício dos persas. SEGUNDO ESCRAVO - Essa não! O senhor não vai fazer isso enquanto eu estiver vivo! TRIGEU - Não pode ser de outra maneira. SEGUNDO ESCRAVO - (Dirigindo-se às filhas de Trigeu) Meninas! O pai de vocês está indo embora! Ele vai sozinho para o céu, de fininho! Tentem dar um jeito nele, coitadinhas! (Aparecem as filhas de Trigeu) [...] Veja mais aqui, aqui e aqui.

SETE OPORTUNIDADES – A comédia/romance Sete Oportunidades (Seven Chances, 1925), é um filme de David Belasco e dirigido pelo ator, realizador, roteirista e produtor de cinema estadunidense Buster Keaton (1895-1966), conta a história de sujeito que passando por muitas dificuldades financeiras, fica sabendo que seu avô lhe deixou uma herança de sete milhões de dólares. Mas, para receber o dinheiro, ele terá que se casar até as 19h do dia do seu 27º aniversário. Merece registro o fato de que a cena mais famosa desse filme aconteceu por acaso. Nas filmagens de uma cena de perseguição em uma ladeira íngreme, Buster Keaton sem querer desalojou algumas pedras que caíram e desceram a ladeira atrás dele como se o tivessem perseguindo. Para se esquivar, ele precisou correr das pedras e depois se esconder atrás delas. No pré-lançamento, ele viu que esse acidente arrancou as maiores gargalhadas da plateia. Aí ele decidiu regravar a cena com uma centena de "pedras" de papel machê em diversos tamanhos. A cena final é ele tendo que correr de uma avalanche de pedras. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
Children's portrait in art and painting, do pintor francês Victor Gabriel Gilbert (1847-1933)

Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa Domingo Romântico, a partir do meio dia, no blog do Projeto MCLAM, com a reprise de toda programação da semana e a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na madrugada Hot Night, uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui.

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MARIA RAKHMANINOVA, ELENA DE ROO, TATIANA LEVY, ABELARDO DA HORA & ABYA YALA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Triphase (2008), Empreintes (2010), Yôkaï (2012), Circles (2016), Fables of Shwedagon (2018)...