VAMOS APRUMAR A CONVERSA? A
VIDA E CADA UM DE NÓS - A
grande maioria das pessoas que eu vejo por aí, ou aqui, ali ou acolá e alhures,
ou vivem de mangar dos defeitos dos outros, ou de esconder suas próprias desditas.
Ué, alguém é perfeito? Arre. Os primeiros vivem só de escárnio, a tocar
maldosamente com seus motejos na ferida depreciativa de quem quer seja. Bastam ver
algo de desmazelado ou não, e logo passam a rotular; seja pela calça coronha
pegando borboleta, seja pelo andar queimando o arroz no rego da bunda, ou pelo
pixaim do cristão, a gola mamãe, o vinco desajeitado nas vestes desbotadas dos
curaus ou ocrídios, a cara de foto bufenta que requer exorcismo pra erradicar a
feiura, a falta do nome do pai na certidão de nascimento, o adotado ou
enjeitado, a que perdeu os três vinténs, a vitalina, o que levou forquilha, o
que penteou um asno, não escapando quer sejam os engomadinhos do clube do
Bolinha, ou as patricinhas de bunda-rica do clube da Luluzinha. Tudo serve para
mangação na base das saudações às caretas e pilhérias de enxeridos
inescrupulosos na maior das caçoadas mais cínicas. Na verdade, todo desdém
esconde lá neles os seus próprios conflitos: macaco não olha o rabo! Vai ver, é
rindo dos outros que esconde seus escombros e fraquezas. Há também os que são
as vítimas desse menosprezo, que emendam as camisas numa bravata pra lá de
truculenta quando lhe denunciam a alcunha e que vivem de lamentar de ter
nascido onde o malquisto perdeu as botas ao invés duma paradisíaca paragem
europeia ou estadunidense. Nas suas horas minguadas vivem gemendo a jetatura de
papa-vento malfadado a se precipitar nas suas lamúrias de escanteado da sorte e
da vida. E ainda negam de pés juntos toda e qualquer suspeita enrustida de que,
na verdade, queriam ser ou roliúde da situação, ou o suprassumo da espécie. Que
tenha lá suas razões – já dizia Pascal que o coração tem razões que a própria
razão desconhece! Cada qual valoriza ou não suas próprias recompensas. E pra
esconder sua infelicidade trajam tudo de grife pra desfilar na moda! Eita, grei!
Mas como a boca fala do que está cheio o coração, mesmo no maior dos trinques mandam
ver na gesticulação furiosa e aziaga, a condenar de tudo contra os apelidos descabidos,
a gritar engravatado e cheio de nove horas que bata na boca que isso é blasfêmia
ou a velha carteirada do sabe com quem estás falando? E se arvoram com as suas exaltações
temperamentais que está tudo errado, que ninguém presta e tudo está condenado ao
fim do mundo. Minha nossa! Não tem cabimento, é o maior nhenhenhen. É só comer
sal com esse tipo de gente que logo se vê quanta veleidade. Desculpe a má
palavra, nem Deus com um gancho e o diabo com um garrancho, o que se tem de
certo é que o desgosto varia de acordo com as circunstâncias, dependendo do
temperamento de cada um ou do que melhor lhe convier. Mas como já dizia
Vespasiano: a raposa muda de pelo, mas não de costume. É a maior lengalenga. Não
seria mais fácil aceitar-se a si mesmo e olhar pro mundo como quem é o que é,
sem o desserviço de com sua infelicidade estragar o repasto dos outros? Ah, o
que vale mesmo é aquilo do se não sou feliz, ninguém será. Valha-me! Eu mesmo
que sou baixim, banguela, buchudim, tronchim e feím, dou-me por satisfeito
comigo mesmo – se bem que vou sempre resiliente pra me autosuperar e vez em
quando me surpreendo até comigo mesmo, a mangar de minhas leseiras. Ué, a
distância entre o chique do máximo e um zé-ruela é uma má impressão no meio. Mesmo
que o espelho ou fotografia não dê jeito dum mondrongo virar Apolo, a gente bem
que podia relevar na exigência, ser a gente mesmo e ver que a coisa não é tão péssima
assim, ora, ora. O pior é querer ser o que não é. Aí sim é que é engodo, só de
pensar que só você é sabido e que os outros todos são bestas, um dia a casa cai.
E como todo dia é dia da vida, o que vale de mesmo é ser feliz, seja como for. E
vamos aprumar a conversa aqui.
Imagem: Woman after Bath (1859-Nude Bather), do pintor italiano Francesco Hayez (1791-1882). Veja maisaqui.
Curtindo: cd/livro Música Contemporânea Brasileira (Lua Music 2005), do músico,
compositor, regente orquestral, professor e jornalista Gilberto Mendes.
O TERAPEUTA E O SHAMAN – O livro Vínculos e mitos: uma
introdução à mitanálise (Ágora, 1988), de Sophia Rozzanna Caracushansky, trata sobre as novas perspectivas, a
grande heresia, o terapeuta e o Shaman, a mitanálise, sobre os mitos e sonhos,
anomalias nos padrões de interação com a mãe, repetição adulta de padrões
infantis, o padrão de relacionamento, mitos e fases do desenvolvimento, autismo
normal, diferença entre autismo e síndrome pré-simbiótica, Eros e a Síndrome
Simbiótica no Adulto, a saída do ovo, Ignis e a Síndrome do Desabrochamento no
adulto, os dois níveis do desabrochamento, Mercúrioo, Paradigma da Síndrome do
Treinamento, elementos da simbiose presentes ao inicio da reaproximação, Laio
ou a Síndrome da Reaproximação no adulto, Síndromes de Separação e distância
real, Síndrome da Separação no adulto, A dama e o vagabundo, o Actong-Out,
Garuda, Apolo, a Síndrome da Distância Ideal no adulto, processo mitanalítico,
Síndrome do Deus do Inferno, Síndrome de Tiamat, Síndrome de Laio, Síndrome de
Apolo, Síndrome de Eros, Síndrome de Garuda, Shiva, mudando o significado do
Final Feliz, mitologia brasileira do século X, multiplicidade de papéis na
vida, processo irracional versus processo terapêutico, Hamlet, Peter Pan,
Aladin e a Lâmpada Maravilhosa, João e Maria, Perseu, Odisseu, Endimião, Bel
Mardik, os ciclos mitológicos subsequentes e a união dos opostos, os gêmeos,
Ino, Semele, Idade do Bronze, entre outros assuntos. Da obra destaco o trecho O
terapeuta e o Shaman: [...] O shaman é
uma pessoa que na adolescência passou por uma séria crise psicologia, a qual
chamaríamos em nossa cultura de psicose. Uma vez resolvida a crise,
considera-se que a crise anormal lhe trouxe benefícios tanto no plano afetivo
como no cognitivo. O reconhecimento entre os primitivos, que a crise possa ter
um efeito regenerador não é muito diferente da posição do psicoterapeuta
moderno das civilizações mais avançadas. Ele pode utilizar a crise como parte
do processo de cura. Mas os esquimós não se limitam a tal reconhecimento. Eles
passam a considerar o shaman como alguém superior, mais consciente que os
demais. Sempre que um jovem apresenta uma crise similar, a família manda chamar
o shaman para resolver o problema. Um shaman esquimó, de uma tribo radicada ao
noirte do Canadá, contou que quando jovem tinha constantemente sonhos
estranhos. Seres bizarros e desconhecidos dele se aproximavam e lhe falavam. Ao
acordar lembrava-se de tudo de forma tão vívida que podia descreve-lo aos que
estavam à sua volta. A família, perturbada, mas sabendo o que se passava,
mandou chamar um velho shaman de nome Peqanaoq. Ele diagnosticou imediatamente
o caso e levou-o, em pleno inverno, numa noite escura e gélida do inverno
ártico – a um deserto longínqyo, solitário, construindo ali uma pequena cabana
que mal daria para conter uma pessoa sentada. Não foi permitido ao jovem
colocar os pés na neve. Ele foi carregado por Peqanaoq, e colocado dentro da
cabana, sentado, de pernas cruzadas, sobre uma pequena tira de couro. O velho
shaman, sem deixar-lhe comida ou bebida, deu-lhe ordem de pensar apenas no
Grande Espírito, que deveria surgir ali. Foi deixado sozinho naquele lugar por
trinta dias. Após cinco dias, Peqanaoq veio trazer-lhe uma bebida quente. E
depois de outros quinze, compareceu com mais uma bebida e um pedacinho de
carne. Mas isso foi tudo. O frio e o jejum eram tão abrasadores que, vez por
outra, o jovem sentia como se estivesse morto. E durante esse tempo todo ficou
pensando no Grande Espírito, até que, lá pelo fim da provação, um espirito
benfeitor de fato apareceu, em forma de mulher, que parecia pairar sobre sua
cabeça. Ele nunca mais a viu, mas ela se tornou seu espírito protetor. Peqanaoq
levou-o, então, para casa e ele mesmo se tornou shaman. [...] A mitánalise repousa sobre umas tantas
ideias a respeito dos mitos (e dos destinos humanos neles contidos), de um
lado, e sobre determinadas descobertas no campo da psicologia do
desenvolvimento, de outro. Os mitos contem normas de de vida. Representam a
moral primitiva, voltada para a satisfação das necessidades instintivas do
homem. falam de valores, ainda primários, ligados a forças biológicas
originárias do ser e do mundo. [...] o
conto de Aladim e a Lampada Maravilhosa [...] Aladim está para morrer de fome e sede na gruta escura, quando, ao
tocar a lâmpada maravilhosa, ele consegue fazer sair dali o gênio, escrevao da
lâmpada. “Às suas ordens, senhor”, diz o gênio, “seus desejos são ordens”.
Aladim lhe pede, então, para voltar á face da terra e retornar à sua casa, a
que o gênio atende imediatamente. Depois, pede-lhe riquezas e o gênio também
atende. Assim, Aladim não precisa fazer coisa alguma a não ser chamar pelo
gênio, para ter as suas necessidades supridas. O relacionamento de Aladim com o
gênio retrata o relacionamento do Sujeito com o Objeto na fase simbiótica e em
nenhuma outra. [...]. Veja mais aqui.
A ESPOSA-SEREIA - No
livro Italian folktales (Pantheon,
1980), do escritor italiano Italo Calvino
(1923-1985), encontro a história A esposa-sereia: Há muito tempo, uma mulher casou-se com um marinheiro, porém ele ficava
longe de casa a maior parte do tempo, velejando pelos sete mares. Um dia,
quando ele estava fora, a esposa viu o rei que passava a cavalo e os dois se
apaixonaram. Ela foi viver com o rei, e quando o marido voltou, encontrou sua
casa fria e vazia. Em pouco tempo, o rei e a mulher cansaram-se um do outro e
ela voltou para casa. Suplicou ao marido que a perdoasse, mas ele enfurecido, lançou-a
no mar e gritou: “mulher infiel!” – Essa é a punição que você merece! Logo a
seguir, ele recuperou o juízo e se perguntou: - O que foi que eu fiz? Estou
matando a única mulher que amo. Tentou salvá-la, no entanto, ela já sumira nas
profundezas das águas. Ele voltou para casa com o coração partido. A mulher
caiu entre as sereias, que estavam no seu jardim de coral e pérolas. Quando as
sereias viram a mulher, exclamaram: “Que mulher linda!” Levaram-na para seu
palácio e a reanimaram com suas mágicas. Você será uma de nós, disseram as
sereias e seu nome será ‘Espuma’. Pentearam seu cabelo, perfumaram seu corpo e
a adornaram com pérolas. A seguir fizeram uma festa em sua homenagem. Ela
dançou a noite toda no salão do palácio entre lindas sereias. Daí em diante,
viveu no luxo e na alegria do fundo das águas. Um dia lembrou-se do seu marido
e encheu-se de tristeza, pois ainda o amava. Sentiu vontade de vê-lo novamente.
As sereias perguntaram o que a atormentava. – Não é nada, disse ela, mas seu
semblante estava muito triste e as sereias vendo-a sofrer não suportaram.
Resolveram levá-la para a superfície para cantarem ao luar suas canções
mágicas. Com essas canções elas faziam marinheiros caírem na água e os
transformavam em moluscos e caranguejos. Certa noite, enquanto as sereias
cantavam, um homem saltou nas águas e a esposa logo reconheceu seu marido.
Vamos torná-lo um camarão, exclamaram as sereias. - Não, não, interrompeu a
esposa. - O que você quer com ele, Espuma?, perguntaram as sereias. Ela teve
uma idéia. – Eu quero tentar uma mágica, eu mesma. As outras concordaram.
Prenderam o homem no palácio e foram dormir. A esposa foi, secretamente, até o
aposento em que ele estava e cantou do lado de fora. O marido acordou e logo
reconheceu a voz da esposa. Você está viva, disse ele e pediu-lhe que o
perdoasse. Ela disse que já o perdoara há muito tempo, porém você deve ficar
quieto. Se as outras acordarem irão fazer-lhe mal. Voltarei aqui mais tarde e o
libertatarei. Foi ver se todas estavam dormindo e depois voltou e libertou o
marido, levando-o para a superfície e o deixando-o em segurança. Logo, um navio
passou por perto e ela mandou que ele fizesse sinal para que o resgatassem. Não
posso ir com você, disse ela, agora sou uma sereia e, se sair da água, morrerei.
Em seguida mergulhou e desapareceu. Ele gritou desesperado e os marinheiros do
navio ouviram e vieram salvá-lo. Ele contou sua história, mas ninguém
acreditou, acharam que ele tinha perdido o juízo. Levaram ele de volta para sua
casa. Ele ficou muito inquieto,dia e noite só pensava na esposa. Certo dia,
imerso em seus pensamentos, saiu andando pela floresta e aproximou-se de uma
nogueira, em torno da qual diziam que as fadas dançavam. - Por que você está
tão triste, meu bom homem? Perguntou uma velha que saíra de trás da árvore. Ele
se assustou, mas contou-lhe tudo que estava passando. A velha disse que poderia
ajudá-lo, mas não era uma tarefa fácil - Farei qualquer coisa, disse ele. A
velha então falou: - Primeiro você tem que me trazer a ‘flor’ que cresce no
palácio das sereias, a qual elas chamam de ‘a mais linda flor’ . Traga-a para
mim e sua esposa sairá salva do fundo do mar. Ele coçou a cabeça, pensando como
conseguiria esta flor do fundo do mar. - Bem, disse a velha, isso você tem que
resolver e desapareceu atrás da árvore. Ele, finalmente, jogou-se na água e, no
meio do oceano, chamou pela esposa. Quando ela apareceu na superfície, ele
contou-lhe sobre a proposta da velha. A esposa disse-lhe que não podia fazer
isso, porque as sereias haviam roubado a ‘flor’ das fadas há longo tempo. Se a
perderem, morrerão e eu também, porque agora sou sereia. Não disse ele, a velha
e as fadas vão salvá-la. Ela disse que ia pensar e pediu que ele voltasse no
dia seguinte. No dia seguinte, ele voltou e ela falou que para conseguir a
‘flor’, precisava de sua ajuda, ou seja, ele tinha que vender tudo o que
possuia e com o dinheiro comprar as mais lindas e preciosas jóias. Depois
pendurá-las no seu barco e içar as velas. As sereias não conseguem resistir a
jóias e certamente o seguirão. No momento que você levá-las para longe, eu
colherei a ‘flor’. Ele voltou à cidade, vendeu o que tinha, comprou lindas e
preciosas jóias, pendurou-as em seu barco e foi para o meio do oceano. As jóias
atraíram as sereias e elas o seguiram para bem longe. Subitamente, o oceano
tremeu e o mar se abriu. As sereias morreram, imediatamente. O oceano tremeu
novamente, o marinheiro estava atônito, mas diante dele apareceu a velha da
floresta, no dorso de uma grande águia. Atrás dela vinha sua esposa, sã e
salva. A velha levou-a para a casa deles e quando ele chegou, abraçaram-se e
renovaram os votos de amor para sempre! Veja mais aqui e aqui.
A POISON TREE &
PROVÉRBIOS DO INFERNO –
No livro William Blake poesia e prosa
selecionadas (Nova Alexandria, 2006), do poeta, tipógrafo e pintor inglês William Blake (1757-1827), destaco,
inicialmente, o poema A poison tree: Estava
com raiva de meu amigo. / Falei de minha ira; minha ira morreu. / Estava com
rqaiva de meu inimigo. / Não falei disso. Minha ira cresceu. / E umedeci-a em
meus medos / noite e dia com minhas lágrimas / e aqueci-a com sorrisos / e
astúcias doces e insinceras. / E ela crescia de noite e de dia / até dar à luz
luminosa maçã / que meu inimigo, vendo brilhar, / soube que era minha. / E meu
jardim invadiu / quando a noite tudo tinha ocultado / e pela manhã feliz
constatei / meu inimigo estendido sob a árvore. Também Provérbios do
inferno: No tempo de semeadura, aprende;
na colheita, ensina; no inverno, desfruta. / Conduz teu carro e teu arado sobre
a ossada dos mortos. / O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria. / A
Prudência é uma rica, feia e velha donzela cortejada pela Impotência. / Aquele
que deseja e não age engendra a peste. / O verme perdoa o arado que o corta. / Imerge
no rio aquele que a água ama. / O tolo não vê a mesma árvore que o sábio vê. / Aquele
cuja face não fulgura jamais será uma estrela. / A Eternidade anda enamorada
dos frutos do tempo. / À laboriosa abelha não sobra tempo para tristezas. / As
horas de insensatez, mede-as o relógio; as de sabedoria, porém, não há relógio
que as meça. / Todo alimento sadio se colhe sem rede e sem laço. / Toma número,
peso & medida em ano de míngua. / Ave alguma se eleva a grande altura, se
se eleva com suas próprias alas. / Um cadáver não revida agravos. / O ato mais
alto é até outro elevar-te. / Se persistisse em sua tolice, o tolo sábio se
tornaria. / A tolice é o manto da malandrice. / O manto do orgulho, a vergonha.
/ Prisões se constroem com pedras da Lei; Bordéis, com tijolos da Religião. / A
vanglória do pavão é a glória de Deus. / O cabritismo do bode é a bondade de
Deus. / A fúria do leão é a sabedoria de Deus. / A nudez da mulher é a obra de
Deus. / Excesso de pranto ri. Excesso de riso chora. / O rugir de leões, o
uivar de lobos, o furor do mar em procela e a espada destruidora são fragmentos
de eternidade, demasiado grandes para o olho humano. / A raposa culpa o ardil,
não a si mesma. / Júbilo fecunda. Tristeza engendra. / Vista o homem a pele do
leão, a mulher, o velo da ovelha. / O pássaro um ninho, a aranha uma teia, o
homem amizade. / O tolo, egoísta e risonho, & o tolo, sisudo e tristonho,
serão ambos julgados sábios, para que sejam exemplo. / O que agora se prova
outrora foi imaginário. / O rato, o camundongo, a raposa e o coelho espreitam
as raízes; o leão, o tigre, o cavalo e o elefante espreitam os frutos. / A
cisterna contém: a fonte transborda. / Uma só idéia impregna a imensidão. / Dize
sempre o que pensas e o vil te evitará. / Tudo em que se pode crer é imagem da
verdade. / Jamais uma águia perdeu tanto tempo como quando se dispôs a aprender
com a gralha. / A raposa provê a si mesma, mas Deus provê ao leão. / De manhã,
pensa, Ao meio-dia, age. Ao entardecer, come. De noite, dorme. / Quem consentiu
que dele te aproveitasses, este te conhece. / Assim como o arado segue as
palavras, Deus recompensa as preces. / Os tigres da ira são mais sábios que os
cavalos da instrução. / Da água estagnada espera veneno. / Jamais saberás o que
é suficiente, se não souberes o que é mais que suficiente. / Ouve a crítica do
tolo! É um direito régio! / Os olhos de fogo, as narinas de ar, a boca de água,
a barba de terra. / O fraco em coragem é forte em astúcia. / A macieira jamais
pergunta à faia como crescer; nem o leão ao cavalo como apanhar sua presa. / Quem
reconhecido recebe, abundante colheita obtém. / Se outros não fossem tolos,
seríamos nós. / A alma de doce deleite jamais será maculada. / Quando vês uma
Águia, vês uma parcela do Gênio; ergue a cabeça! / Assim como a lagarta escolhe
as mais belas folhas para pôr seus ovos, o sacerdote lança sua maldição sobre
as alegrias mais belas. / Criar uma pequena flor é labor de séculos. / Maldição
tensiona: Benção relaxa. / O melhor vinho é o mais velho, a melhor água, a mais
nova. / Orações não aram! Louvores não colhem! / Júbilos não riem! Tristezas
não choram! / A cabeça, Sublime; o coração, Paixão; os genitais, Beleza; mãos e
pés, Proporção. / Como o ar para o pássaro, ou o mar para o peixe, assim o
desprezo para o desprezível. / O corvo queria tudo negro; tudo branco, a
coruja. / Exuberância é Beleza. / Se seguisse os conselhos da raposa, o leão
seria astuto. / O Progresso constrói caminhos retos; mas caminhos tortuosos sem
Progresso são caminhos de Gênio. / Melhor matar um bebê em seu berço que
acalentar desejos irrealizáveis. / Onde ausente o homem, estéril a natureza. / A
verdade jamais será dita de modo compreensível, sem que nela se creia. / Suficiente!
ou Demasiado. / Os Poetas antigos animaram todos os objetos sensíveis com Deuses
e Gênios, nomeando-os e adornando-os com os atributos de bosques, rios,
montanhas, lagos, cidades, nações e tudo quanto seus amplos e numerosos
sentidos permitiam perceber. / E estudaram, em particular, o caráter de cada
cidade e país, identificando-os segundo sua deidade mental; / Até que se
estabeleceu um sistema, do qual alguns se favoreceram, & escravizaram o
vulgo com o intento de concretizar ou abstrair as deidades mentais a partir de
seus objetos: assim começou o Sacerdócio; / Pela escolha de formas de culto das
narrativas poéticas. / E proclamaram, por fim, que os Deuses haviam ordenado
tais coisas. / Desse modo, os homens esqueceram que todas as deidades residem
no coração humano. Veja mais aqui, aqui e aqui.
AUTO DA ALMA – A peça teatral Auto da Alma (1518), do poeta e dramaturgo português Gil Vicente
(1465-1537), é um auto de cunho religioso contando a história de uma alma que é
levada por um anjo quando se defrontam com o Diabo e suas tentações. Da obra
destaco o trecho inicial: Está posta uma
mesa com uma cadeira. Vem a Madre Santa Igreja com seus quatro doutores: S.
Tomás, S. Jerónimo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. E diz Agostinho:
AGOSTINHO Necessário foi, amigos, que nesta triste carreira desta vida, pera os
mui p'rigosos p'rigos dos imigos, houvesse alguma maneira de guarida. Porque a
humana transitória natureza vai cansada em várias calmas; nesta carreira da
glória meritória, foi necessário pousada pera as almas. Pousada com
mantimentos, mesa posta em clara luz, sempre esperando com dobrados mantimentos
dos tormentos que o Filho de Deus, na Cruz, comprou, penando. Sua morte foi
avença, dando, por dar-nos paraíso, a sua vida apreçada, sem detença, por
sentença, julgada a paga em proviso, e recebida. A Sua mortal empresa foi santa
estalajadeira Igreja Madre: consolar à sua despesa, nesta mesa, qualquer alma
caminheira, com o Padre e o Anjo Custódio aio. Alma que lhe é encomendada, se
enfraquece e lhe vai tomando raio de desmaio, se chegando a esta pousada, se
guarece. Vem o Anjo Custódio, com a Alma, e diz: ANJO Alma humana, formada de
nenhüa cousa feita, mui preciosa, de corrupção separada, e esmaltada naquela
frágoa perfeita, gloriosa! Planta neste vale posta pera dar celestes flores
olorosas, e pera serdes tresposta em a alta costa, onde se criam primores mais
que rosas! Planta sois e caminheira, que ainda que estais, vos is donde
viestes. Vossa pátria verdadeira é ser herdei da glória que conseguis: andai
prestes. Alma bem-aventurada, dos anjos tanto querida, não durmais! Um ponto
não esteis parada, que a jornada muito em breve é fenecida, se atentais. ALMA
Anjo que sois minha guarda, olhai por minha fraqueza terreal! de toda a parte
haja resguarda, que não arda a minha preciosa riqueza principal. Cercai-me
sempre ò redor porque vou mui temerosa de contenda. Ó precioso defensor meu
favor! Vossa espada lumiosa me defenda! Tende sempre mão em mim, porque hei
medo de empeçar, e de cair ANJO Pera isso sam e a isso vim; mas enfim,
cumpre-vos de me ajudar a resistir Não vos ocupem vaidades, riquezas, nem seus
debates. Olhai por vós; que pompas, honras, herdades e vaidades, são embates e
combates pera vós. Vosso livre alvedrio, isento, forro, poderoso vos é dado
polo divinal poderio e senhorio, que possais fazer glorioso vosso estado.
Deu-vos livre entendimento, e vontade libertada e a memória, que tenhais em
vosso tento fundamento, que sois por Ele criada pera a glória. E vendo Deus que
o metal em que vos pôs a estilar, pera merecer, que era muito fraco e mortal,
e, por tal, me manda a vos ajudar e defender. Andemos a estrada nossa; olhai:
não torneis atrás, que o imigo à vossa vida gloriosa porá grosa, Não creiais a
Satanás, vosso perigo! Continuai ter o cuidado no fim de vossa jornada, e a
memória, que o espírito atalaiado do pecado caminha sem temer nada pera a Glória.
E nos laços infernais, e nas redes de tristura tenebrosas da carreira, que
passais, não caiais: siga vossa fermosura as gloriosas. Adianta-se o Anjo, e
vem o Diabo a ela e diz: [...]. Veja mais aqui e aqui.
8½
WOMEN – O filme 8½ Women (1999),
dirigido pelo cineasta e artista multimídia britânico Peter
Greenaway, e apresentado durante o Festival de Cannes daquele ano, é uma
homenagem direta às mulheres de Federico Fellini. Conta a história de um pai e
filho bilionários, donos de cassinos luxuosos no Japão que contratam oito
mulheres para servirem de acompanhantes e supostas esposas, num mundo de
requintada estranheza, descobrindo como melhor se relacionarem com elas em suas
diferentes e bizarras características. Além de ser um ótimo e imperdível filme,
merece destaque o grandioso desfile de belas mulheres que desfilam durante a
trama, tais como as atrizes Vivian Wu, Annie Shizuka Inoh, Barbara Sarafian,
Kirina Mano, Toni Collete, Amanda Plummer, Natacha Amal, Manna Fujiwara, Polly
Walker, Elizabeth Berrington, Myriam Muller e Claire Johnston. Veja mais aqui,
aqui e aqui.
Lyrical Poetry, do escultor francês Lambert Sigisbert Adam (1700-1759).
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Tataritaritatá, a partir das
21hs, no blog do Projeto MCLAM, com apresentação sempre especial e apaixonante
de Meimei Corrêa. Na programação: Especial
de Fagner & mais Lobo de Mesquita, Paul Simon, Edu da Gaita, Luiz Vieira, Margareth
Menezes & Cláudio Zoli, Luis de Freitas Branco, Wilson Monteiro, Tatiana Cobett,
Rosana Simpson, Wilson Miranda, Wagner e Wander Ponzo, Walter Pepê, Ricardo
Machado, Paul Potts & Kanon, Christophe, Carlos Marín, Ashanti, Roupa Nova,
Verney Filho & Rubem Alves, Meimei Corrêa & muito mais! Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na
madrugada Hot Night, uma programação
toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui .
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