VAMOS APRUMAR A CONVERSA? DESPERTAR - É com o sol da manhã que me voo pro dia que me faz vida. E saboreio poder
viver mais um dia e ser-me o que sou pra ser melhor em mim. E sou maior a cada
dia, mesmo que não me dê conta disso. Mas sou maior e melhor, apesar de ver-me
no charco dos miseráveis. E sinto que sou maior que as coisas que vejo no dia a
dia, coisas deprimentes, malsinadas. Sou coisas tristes, então, e fico triste. Sou
o noticiário, as manchetes, as tragédias e tudo é muito triste. Quero me
libertar disso tudo, mas tudo é muito triste e me deixa ainda mais triste,
fragmentado, desvinculado, porque há divisões, dissensões, violência,
destruição. A sobrevivência por um prato de comida, a coexistência por um favor
a mais, jeitinhos, grifes e o luxo, tudo se amontoa no lixo. E isso me deixa muito
mais triste porque na solidão só há indiferença, a força do apego e o poder da
possessão. Eu sei, o mundo me deu tudo, conforto, progresso, ambição, mas não
me fez feliz, não me autorrealizei porque me rendi a todas as contradições, sou
feito de atos pendulares, ora vou, ora volto. E quantas vezes fui e me
arrependi. E quantas vezes não fui e me autoflagelei. Ah, meus desencontros. Poderia
trocar meus acertos pelos erros e não sei, na prova dos nove, o que valeria,
não há retorno, muito embora eu tenha sempre que voltar. E não encontro lugar no
mundo para descansar a cabeça, não há esse lugar neste mundo. Oriento-me para
emergir de tudo com as duas asas do pássaro na cabeça para a encruzilhada
evolutiva. Eu voo. Escolho o meu destino e vou pelo campo no jogo dos espelhos
e provando da água de todos os rios. Meu coração é o espelho. Sigo na curva e
vivo pelo presente eterno, meu pensamento é ato, um com o universo: silêncio e
paz. Uma gota que se funda no oceano. Lá onde sou para que todos sejam. Lá onde
estou para que todos estejam. Eu voo. Olho o que me olha e percebo que tudo é o
que é e não outra forma ou coisa. E o antigo oscila no novo, moderação e
autocontrole. E tudo se entrecruza, mútua e instantaneamente. E o novo confirma
o antigo. Vejo o que vejo e sou o que sou. E eu posso ser feliz pra que todos
sejam felizes e tenham paz. E vamos aprumar a conversa aqui.
Imagem La sieste, do artista plástico russo Lev
Chitovsky (1902-1969).
Curtindo o
álbum Concertos para Violino (2001),
da violinista estadunidense Hilary Hahn com a Academy of St. Martin in
the Fields, conductor Neville Marriner, interpretando obras de Igor Stravinsky
& Johannes Brahms.
O TEMPO – No livro Ego, fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud
(Summus, 2002), do psicoterapeuta
e psiquiatra Friedrich Perls
(1893-1970, também conhecido por Fritz Perls), destaco trecho do capítulo Tempo: Tudo tem extensão e duração. Medimos extensão em comprimento, altura e
largura; duração em tempo. Estas quatro dimensões são medidas utilizadas pelo
homem [...] Enquanto tomamos pontos
fixos (aC., dC., a.m e p.m), para medição objetiva, o ponto-zero psicológico é
o eterno presente, alcançando, de acodo com nossa organização, adiante e atrás [...]
Tão logo esqueçamos que somos eventos no
tempo-espaço, ideias e realidades se chocam. Exigências de emoções duradouras
(amor eterno, felicidade) poderiam leva à decepção, ao desaparecimento da
beleza e à depressão. Pessoas que perderam o ritmo do tempo logo se tornarão
obsoletas. [...] O tempo avança! O
tempo que está voando, ou se arrastando, ou mesmo se mantendo imóvel denota o
desvio de mais e menos. Tal julgamento contem seu oposto psicológico; nós
gostaríamos que o tempo que voa diminuísse a velocidade e se apressasse quando
está se arrastando. A concentrações em coisas como no tempo-espaço é
experienciada como paciência. Aparentemente, neste caso, a imagem existe
meramente como extensão, o componente tempo sendo dividido como impaciência.
Desta forma, a awareness deo tempo, ou o sentido de tempo, entra na vida e na
psicologia humana. Einstein é de opinião que o sentido de tempo é uma questão
de experiência. [...] Quanto maior o
atraso da satisfação do desejo, maior a impaciência, quando a concentração se
mantém sobre o objeto de satisfação. A pessoa impaciente quer a união imediata,
atemporal de sua visão com a realidade. [...] Alguém foi convidado a explicar a teoria da relatividade Einstein.
Respondeu: quando você passa uma hora com sua garota, o tempo voa; uma hora
parece um minuto; mas quando lhe acontece de sentar sobre um fogão quente o
tempo se arrasta, os segundos parecem horas. Isto não se ajusta à realidade
psicológica. Numa hora de amor, se o contato é perfeito, o fator tempo não se
insere no quadro de forma alguma. Contudo, se a garota se torna um
aborrecimento, se o contato com ela é perdido e o tédio se estabelece, então
você poderia começar a contar os minutos até se livrar dela. O fato tempo
também será experienmciado se o tempo for limitado e você quiser ocupar tanto
quanto possível os minutos à sua disposição. [...]. Veja mais aqui, aqui,
aqui, aqui e aqui.
A LITERATURA E A POESIA – No livro ABC da Literatura (Cultrix, 1977), do poeta, músico e crítico
literário estadunidense Ezra Pound
(1885-1972), destaco o trecho: Vivemos
numa era de ciência e de abundância. O amor e a reverencia pelos livros como
tais, próprios de uma época em que nenhum livro era duplicado até que alguém se
desse ao trabalho de copiá-lo a mão, não respondem mais, obviamente, às
necessidades da sociedade ou a preservação do saber. Precisa-se com urgência de
uma boa poda, se é que o Jardim das Musas pretende continuar a ser um jardim. O
método adequado para o estudo da poesia e da literatura é o método dos
biologistas contemporâneos, a saber, exame cuidadoso e direito da matéria e
continua comparação de uma lamina ou espécime com outra. Nenhum homem está
equipado para pensar modernamente enquanto não tiver compreendido a história de
Agassiz e do peixe: Um estudando de cursos de pós-graduação coberto de
honrarias e diplomas, dirigiu-se a Agassiz para receber os ótimos e últimos
retoques. O grande naturalista tomou um peixinho e pediu-lhe que o descrevesse.
Estudante: - Mas este é apenas um peixe-lua. Agassiz: - Eu sei disso. Faça uma
descrição dele por escrito. Depois de alguns minutos o estudante votou com a
descrição do Ichtus Heliodiplodokus ou outro termo qualquer, desses usados para
sonegar do conhecimento geral o vulgar peixe-lua: família dos
Hellinchtherinkus, etc., como se encontra nos manuais sobre o assunto. Agassiz
pediu ao estudante que descrevesse de novo o peixe. O estudante perpetrou um
ensaio de quatro páginas. Agassiz então lhe disse que olhasse para o peixe. No
fim de três semanas o peixe se encontrava em adiantado estado de decomposição,
mas o estudante sabia alguma coisa a seu respeito. Foi desse método que nasceu
a ciência moderna e não da perspectiva estrita da lógica medieval suspensa no
vácuo. [...] Na Europa, se pedimos a
um homem que defina alguma coisa, sua definição sempre se afasta das coisas
simples que ele conhece perfeitamente bem e retrocede para uma região
desconhecida, que é a região das abstrações progressivamente mais e mais
remotas. Assim, se lhe perguntarmos o que é o vermelho, ele responderá: uma
cor. Se lhe perguntamos o que é uma cor, dirá que cor é uma vibração ou uma
refração da luz ou uma divisão do espectro. E se lhe perguntarmos o que é uma
vibração, obteremos a resposta de que é uma forma de energia, ou qualquer coisa
dessa espécie, at´w que cheguemos a uma modalidade do ser ou do não-ser, ou, de
qualquer modo, penetremos no terreno que está além do nosso alcance e além do
alcance do nosso interlocutor. [...] Para
começar do começo, vocês provavelmente sabem que há uma linguagem falada e uma
linguagem escrita, e que há duas espécies de linguagem escrita, uma baseada no
som e outra na vista. [...] A palavra
ou ideograma chinês para vermelho é baseado em algo que todos conhecem. (Se o
ideograma se tivesse desenvolvido na Inglaterra, os escritores teriam
certamente usado um pintarroxo visto de frente ou qualquer coisas menos exótica
do que um flaming0). Fenollosa explicava como e porque a linguagem escrita dessa
maneira simplesmente tinha que permanecer poética; simplesmente não podia
deixar de ser e de permanecer poética num sentido em que uma coluna tipográfica
inglesa poderia muito bem não permanecer poética. Ele morreu antes de chegar à
publicação e à proclamação de um método. Este é, contudo, o meio certo de
estudar poesia ou literatura ou pintura. É, de fato, o meio pelo qual os
membros mais inteligentes do público em geral estudam pintura. Se vocês querem
entender alguma coisa de pintura, vão à National Gallery, ao Salon Carré, ao
Brera ou ao Prado e olhem para quadros. Para cada leitor de livros de arte há 1
000 pessoas que vão ver os quadros. Graças a Deus! Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
CEMITÉRIO MARINHO – No livro Cemitério marinho (Max Limonad, 1984), do filósofo, escritor e poeta simbolista francês Paul Valéry (1871-1945), destaco
essa tradução de Darcy Damasceno e Roberto
AIvim: Esse
teto tranqüilo, onde andam pombas, / Palpita entre pinheiros, entre túmulos. /
O meio-dia justo nele incende / O mar, o mar recomeçando sempre. / Oh,
recompensa, após um pensamento, / Um longo olhar sobre a calma dos deuses! /
Que lavor puro de brilhos consome / Tanto diamante de indistinta espuma / E
quanta paz parece conceber-se! / Quando repousa sobre o abismo um sol, /
Límpidas obras de uma eterna causa / Fulge oTempo e o Sonho é sabedoria. /
Tesouro estável, templo de Minerva, / Massa de calma e nítida reserva, / Água
franzida, Olho que em ti escondes / Tanto de sono sob um véu de chama, / - Ó
meu silêncio!... Um edifício na alma, / Cume dourado de mil, telhas, Teto! /
Templo do Templo, que um suspiro exprime, / Subo a este ponto puro e me
acostumo, / Todo envolto por meu olhar marinho. / E como aos deuses dádiva
suprema, / O resplendor solar sereno esparze / Na altitude um desprezo
soberano. / Como em prazer o fruto se desfaz, / Como em delícia muda sua
ausência / Na boca onde perece sua forma, / Aqui aspiro meu futuro fumo, /
Quando o céu canta à alma consumida / A mudança das margens em rumor. / Belo
céu, vero céu, vê como eu mudo! / Depois de tanto orgulho e tanta estranha /
Ociosidade - cheia de poder - / Eu me abandono a esse brilhante espaço, / Por
sobre as tumbas minha sombra passa / E a seu frágil mover-se me habitua. / A
alma expondo-se às tochas do solstício, / Eu te afronto, magnífica justiça / Da
luz, da luz armada sem piedade! / E te devolvo pura à tua origem: /
Contempla-te!... Mas devolver a luz / Supõe de sombra outra metade morna. / Oh,
para mim, somente a mim, em mim, / Junto ao peito, nas fontes do poema, / Entre
o vazio e o puro acontecer, / De minha interna grandeza o eco espero, /
Sombria, amarga e sonora cisterna / - Côncavo som, futuro, sempre, na alma. /
Sabes tu, prisioneiro das folhagens, / Golfo roedor de tão finos gradis, /
Claros segredos para os olhos cegos / Que corpo a um fim ocioso me compele, /
Que fronte o atrai a tal rincão de ossadas? / Um lampejo aqui pensa em meus
ausentes. / Sacro, encerrando um fogo sem matéria, / Pouca de terra oferecida à
luz, / Prezo este sítio, que dominam tochas, / Composto de ouro, pedras e
ciprestes, / Onde mármores tremem sobre sombras. / O mar lá dorme, fiel, sobre
meus túmulos. / Cadela esplêndida, afugenta o idólatra! / Quando, sorriso de
pastor, sozinho / Apascento carneiros misteriosos / - Branco rebanho de
tranqüilos túmulos - / Afasta dele as pombas temerosas / Os sonhos vãos, os
anjos indiscretos. / Aqui vindo, o futuro é indolência. / Nítido inseto escarva
a sequidão; / Tudo queimado está desfeito e no ar / Se perde em não sei que
severa essência, / Faz-se a amargura doce e claro o espírito. / Os mortos estão
bem, sob esta terra / Que os aquece e resseca seu mistério. / O meio-dia no
alto, o meio-dia / Quedo se pensa em si e a si convém. / Fronte completa e
límpido diadema, / Eu sou em ti recôndita mudança! / Eu, somente eu, contenho
os teus temores! / Meus pesares, limitações e dúvidas / São a falha de teu
grande diamante... / Em sua noite grávida de mármores, / Entanto, um povo
errante entre as raízes / Tomou já teu partido, lentamente. / Dissolveu-se na
mais espessa ausência; / Bebeu vermelho barro a branca espécie; / Passou às
flores o dom de viver. / Dos mortos, onde as frases familiares, / A arte
pessoal, as almas singulares? / Tece a larva onde lágrimas nasciam. / O riso
agudo de afagadas jovens, / Olhos e dentes, pálpebras molhadas, / O seio ousado
desafiando o fogo, / Sangue a brilhar nos lábios que se rendem, / Últímos dons
e dedos que os defendem / - Tudo se enterra e ao jogo outra vez volta. / E tu,
grande alma, acaso um sonho esperas, / Despido, então, das cores de mentira /
Que a estes meus olhos a onda e o ouro mostram? / Cantarás, quando fores
vaporosa? / Tudo flui! Porosa é minha presença; /A sagrada impaciência também
morre. / Magra imortalidade negra e de ouro, / Consoladora com horror laureada,
/ Que seio maternal fazes da morte / - O belo engano, a astúcia mais piedosa! /
Quem não conhece e quem não repudia / Esse crânio vazio, o riso eterno? / Pais
profundos, cabeças desertadas, / Que sob o peso de tantas pàzadas / Terra sois,
confundindo os nossos passos! / O verdadeiro verme, irrefutável, / Não para vós
existe, sob a lousa / Ele de vida vive e não me deixa. / Amor, talvez? Talvez
ódio a mim mesmo? / Seu dente oculto está de mim tão próximo / Que qualquer
nome, acaso, lhe convém. / Que importa!... Ele vê, quer, sonha, ele toca: /
Minha carne lhe agrada, e até no leito / Vivo de pertencer a este vivente. /
Zenão, cruel! Zenão, Zenão de Eléia! / Feriste-me com tua flecha alada, / Que
vibra, voa e que não voa nunca. / O som engendra-me e a flecha me mata! / O
sol... Ah, que sombra de tartaruga / Para a alma, Aquiles quedo e tão ligeiro!
/ Não, não!... De pé! No instante sucessivo! / Rompe meu corpo, a forma
pensativa! / Bebe meu seio, o vento que renasce! / Esta frescura a exalar-se do
mar / A alma devolve-me... Ó, poder salgado! / Corramos à onda para reviver! /
Sim, grande mar dotado de delírios, / Pele mosqueada, clâmide furada / Por
incontáveis ídolos do sol, / Hidra absoluta, ébria de carne azul, / Que te
mordes a fulgurante cauda / Num tumulto ao silêncio parecido, / Ergue-se o
vento! Há que tentar viver! / O sopro imenso abre e fecha meu livro, / A vaga
em pó saltar ousa das rochas! / Voai páginas claras, deslumbradas! / Rompei
vagas, rompei contentes o / Teto tranqüilo, onde bicavam velas! Veja mais aqui e aqui.
A
PROVA DE FOGO – A peça teatral Prova de fogo
(1968), da dramaturga e roteirista Consuelo
de Castro Lopes, foi escrita durante o período que estudou Ciências Sociais
na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, quando participou
ativamente do movimento estudantil. A peça foi proibida e em 1974 é premiada
pelo Serviço Nacional de Teatro, com o título A invasão dos Bárbaros, só sendo
encenada em 1993, por Aimar Labaki. Da obra destaco o trecho: [...] (Ana entra) ANA – Gente. Atenção. Eu tenho
notícias... Saí de lá agora. Desde as oito, que foi quando me pegaram, que
estão me interrogando. Consegui bancar o débil mental. Me fiz de cururu, eles
perguntaram uns troços, e me deixaram sair. Soltaram cinqüenta. Os outros cem
vão ficar presos até segundas determinações. A polícia vem vindo pra cá. A
intenção deles não é matar, nem nada, mas se houver resistência eles atiram.
Têm ordens. Ordens de encanar todos vocês. ANA - Tenho a lista aqui. VILMA – E
o Luís? E o Luís? ANA - A lista está com os nomes dos soltos e feridos. Foi um
custo conseguir isto... ZÉ – Você sabe da Júlia? Fala, Ana. Fala, tudo o que
você sabe... ANA – A Júlia... estava lá. Eu vi ela. ZÉ – E daí?Ela estava bem?
Torturaram ela? ANA - Torturaram sim. Não sei o que fizeram com ela. Sei que
foi torturada. Não sei se arrancaram as unhas dela, se deram choque elétrico,
se espancaram...sei que foi torturada. E abortou. Teve uma violenta hemorragia.
Quando eu saí de lá ela estava passando muito mal. Custei a conseguir
informação sobre ela na enfermaria. Ela perdeu sangue à beça. Por isso eles
disseram que ela não escapa. Mas quando eu saí de lá ela não tinha morrido
ainda. Não fiquei sabendo de mais nada. ZÉ – E espancaram...trituraram ... como
se ela fosse um porco. Ela vai morrer, sim. Vai morrer, na mão daqueles
açougueiros. Vai morrer ensangüentada como uma vaca no matadouro. Fizeram o
aborto por ela. Pois sabiam que ela queria ter o filho. Nem perguntaram se
queria ou não! Não respeitaram a vontade dela, porque...não existe vontade.
Existe violência, só isso. Carniceiros. ANA – Vilma...O cara baleado...Foi
confirmado...foi o Luís. VILMA – E ele morreu? Ana, ele morreu? (Ana abraça
Vilma. Vilma corre em direção à escrivaninha e pega um revólver) VILMA – Vamos
ficar. Vamos ficar aqui, todos nós. Eles vão se esbaldar. Vão se
empanturrar...Vão vomitar de tanto sangue. Somos seis agora. Seis animais pro
matadouro deles. Todo mundo vai ficar aqui. Atiremos neles. Atiremos neles e
eles atirarão em nós. Claro, não? Não, Freitas? Todossaberão que seis jovens de
vinte a vinte três anos foram almoçados como porcos. Quem sair daqui leva bala,
ouviram TODOS? Agora quem manda aqui sou eu. Nós vamos vingar o Luís e a Júlia.
Ninguém sai daqui. Vamos resistir. Resistir. CEBOLA – (Olhando pela janela)
Agora são eles. Três brucutus! Três brucutus!
Dez carros da policia e a cavalaria. Tudo o que havia na passeata. Meu
Deus! ZÉ - Vamos nos preparar e ver o que eles vão dizer. Se for o caso todo
mundo se entrega sem se mexer. DARTAGNAN – Eles vêm vindo pra cá, já estão na
esquina. ANA – Zé, você tinha razão. Vamos nos entregar ou morreremos todos.
Alguém tem que segurar ela, Zé. Alguém tem que segurar a Vilma. Ela vai fazer
uma besteira. Ela vai atirar! MÁRIO – Não se atira merda nenhuma aqui, ouviram
bem? VILMA - Cada um no seu posto. Quando eles chegarem de vez, atirar. Atiras
as bombas, os explosivos, e metralhar um por um! Sem medo e sem remorso. Como
eles fizeram com o Luís, a Júlia e todos nós! Exatamente na mesma moeda! ZÉ –
Não enlouqueça, Vilma! VILMA – Zé, você sabe melhor do que eu. Mataram o Luís e
devem ter matado a tua Júlia. Nós precisamos atirar neles, Zé. É um testemunho.
O povo saberá que existe a violência. Que ela não é ilusão, conversa fiada,
poesia. Em todos os cantos, a violência, Zé... E em nós. Ela não podia deixar
de existir em nós. Atiremos neles. O massacre vem de todos os lados. ZÉ – O
suicídio é reacionário, Vilma! VILMA – Eu preciso resistir. Eu preciso matar
todos eles. VOZ EM OFF – ESTUDANTES, SAIAM SEM RESISTÊNCIA! TEMOS ORDENS PARA
ATIRAR AO MENOS SINAL DE PROVOCAÇÃO POR PARTE DE VOCÊS! EVACUEM A ESCOLA
PACIFICAMENTE E NADA LHES ACONTECERÁ... VILMA – Fascistas! Carniceiros! Nós não
nos entregaremos! VOZ – SAIAM EM FILA COM AS MÃOS PARA O ALTO! SAIAM
PACIFICAMENTE COM AS MÃOS PARA O ALTO! SE HOUVER RESISTÊNCIA, HAVERÁ MORTOS! (Mário,
Ana, Dartagnan e Cebola começam a sair com as mãos na cabeça) VILMA –
Companheiros! Voltem, companheiros! Isso não é suicídio, não! É um ato
histórico! O sangue precisa ser visto senão ninguém saberá que estamos sendo
massacrados! ZÉ – Nós vamos sair também. Não atirem! VILMA – Nós vamos ficar!
Vamos ficar! VOZ - JOSÉ FREITAS! VOCÊ E ESTA MOÇA QUE ESTÁ COM VOCÊ!
ENTREGUEM-SE SEM RESITÊNCIA! AO MENOR SINAL DE VIOLÊNCIA, TEMOS ORDENS PARA
MATAR... ISTO É UMA ADVERTÊNCIA! ZÉ – Nós vamos nos entregar. Estamos saindo,
estamos saindo. (Vilma sobe na escada e aponta a arma pra rua) VOZ - NÃO
QUEREMOS FAZER MAIS MORTOS! ESTAMOS DEFENDENDO A ORDEM E A TRANQUILIDADE DA
NAÇÃO! ESTAMOS CUMPRINDO ORDENS! ZÉ – Que ordem é esta que vocês estão
defendendo? Que ordem nojenta é esta que vocês estão defendendo? VILMA – Atire
neles, ZÉ... (Rajada de metralhadora corta atinge Vilma) VOZ – ENTREGUE-SE ZÉ
FREITAS, SENÃO ATIRAREMOS EM VOCÊ TAMBÉM. TEMOS ORDENS PARA MATAR. PARA MATAR.
PARA MATAR. ENTREGUEM-SE TODOS COM AS MÃOS AO REDOR DO PESCOÇO. (Zé sai com as
mãos na cabeça). Veja mais aqui.
IMPÉRIO DO DESEJO – O filme Império do desejo (1981), dirigido e roteirizado por Carlos
Reichenbach, inicialmente era intitulado Anarquia sensual, conta a história de
uma viúva que descobre o paraíso da vida depois da morte do marido e da
descoberta da sua casa de praia ocupada por invadores. É quando ela resolve dar
uma carona a um casal de hippies extemporâneos. Trata-se de uma comédia erótica
que versa sobre liberdade e amor, temas que eram bastante relevantes na época e
com todos os erros, desacertos e desvarios, de forma irada, irônica e
apaixonada. O destaque vai pra atriz Aldine
Muller que já realizou mais de quarenta filmes e inúmeros trabalhos na
televisão. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte do fotógrafo francês Bruno Braquehais (1823-1875)
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Some Moments, a partir das
21hs (horário de verão), com a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix
MCLAM, com Verney Filho e na madrugada Hot
Night, uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para
conferir online acesse aqui .