VAMOS APRUMAR A CONVERSA? O
DORO NO DIA DO PROFESSOR
- Doro chegou carregado de interrogações e, como sempre, de chofre, descarregou
de forma enfática: - Quaiquié procê a prefissão mais importante do prâneta e do
universo? Do inopinado, respondi-lhe: - A profissão, não, mas uma das mais
importantes, pra mim, é a do professor. Ele franziu o cenho, coçou o queixo e
largou um hummmmmmmmmm: - Hummm, prefessor! Isso mermo, prefessor! E vou ser um
dele dagora indiante! E saiu enumerando com ar de sua peculiar mania de
grandeza cada uma das suas autossuficiências! No maior blá blá blá lá foi ele demonstrando
que fazer, asas à imaginação: - A-há! Vou insiná cuma s’insina! Vou discarregá
minha sabedoria com fúria, eu sou tranchan! Quero vê aluno porqueira num virá doutô
da noite pro dia! Vou pegá no pé e mostrá quem qui é o dono da verdade! Verão
do que sou capaz, senão será a cega Dedé! -, e lá estava ele reproduzindo a
ideia de professor que eu vi demais na sala de aula e não gostaria de vê-lo
nunca mais. Ele, no esbanjamento de suas aptidões nem tão valorosas assim,
estava sendo o protótipo de todas as resistências, de todas as acomodações
pautadas tradicionalmente, os velhos hábitos do depósito pra fabricar gente de
verdade! Eu que estive dos dois lados da corda, nem bom aluno e muito menos
razoável professor, descobri naqueles que se encaixaram bem na minha afeição,
por sua forma de ministrar as aulas e de angariar a simpatia das turmas, o
exemplo digno de ser seguido. Adorava aqueles - e que foram poucos - os que ao
invés de punir ou castigar, ofereciam uma opção de escolha, uma oportunidade, ajudando
a como eu poderia melhorar e ser melhor, promovendo e valorizando a
criatividade, sinalizando o caminho das pedras na resolução de problemas. Idolatrei
até, confesso, aqueles que me encaminharam a ter o prazer do conhecimento e da
descoberta do saber, ensinando a como aprendar a pensar, a imaginar, a criar e,
ao mesmo, oportunizado o aprendizado de melhor me expressar, a apreciar a
beleza, a aprender a me relacionar comigo mesmo e com os outros, a lidar com as
minhas emoções e a dos outros, e a discernir sobre os meus direitos e os
direitos humanos. Descobri quando estava do outro lado, que professor é aquele que
trabalha sem apoio algum mas apoiando, que amanhece recheado de esperanças e vai
adormecer entediado de sobrecarga, porém, pelos que devotam a profissão de ser
e não estar nela, são sempre persistentes, resiliente, sempre desrotulando e
desmitologizando, tornando-se familiar e envolvendo a família, mostrando o
lugar do outro, exercitando a poesia como uma prática pedagógica do equilíbrio
e do lúdico no valor do choro (o estar no mundo) e do riso (o triunfo da vida).
Esses saíram e me ensinaram a sair da prisão da igualdade para a liberdade da
compreensão e da cooperação, corroborando com um outro olhar capaz de
contemplar a aceitação, o reconhecimento e o respeito pelo outro e seus
sentimentos, se importando comigo e com todos, realizando uma verdadeira
comunhão. A esses, a minha eterna homenagem de gratidão. Sim, mas e o Doro? Ih,
quase esqueci. Mergulhado nos meus pensamentos, logo ele me trouxe de volta pro
agora com uma barulhada macha. Ah, ele roubou meus pensamentos dizendo que ia
ser professor de inglês e castigou com veemência: - Vamo aprendê ingrêis que
purtuguêis nós já sabe! E foi-se! Vamos aprumar a conversa? Veja mais aqui,
aqui, aqui e aqui.
Imagem: Die schlafende Ariadne auf Naxos (1808-1812), do pintor
estadunidense John Vanderlyn
(1775-1852).
Curtindo o álbum Underground System (1992), do compositor & multi-instrumentista
nigeriano, Fela Kuti (1938-1997), o
pioneiro da Afrobeat, ativista política e dos diretos humanos.
ANTES DO NASCER DO SOL – No livro Assim falava Zaratustra (Companhia das Letras, 1993), do filósofo
alemão Friedrich Nietzsche
(1844-1900), destaco o trecho Antes do nascer do sol: Ó! céu desenrolado sobre mim! Céu claro e profundo! Abismo de luz! Ao
contemplar-te estremeço de divinos desejos! Elevar-me à minha altura: eis a tua
profundidade! Cobrir-me com a tua pureza: eis a minha inocência! O deus oculto
na sua beleza: assim ocultas as tuas estrelas. Não falas: assim me anuncias a
tua sabedoria. Mudo surgiste para mim sobre o fervente mar: o teu amor e o teu
pudor revelam-se à minha alma fervente. Belo, vieste a mim, velado na tua
beleza; mudo, falas-te-me, revelando-te na tua sabedoria: ó! como pude eu não
adivinhar todos os pudores da tua alma! Antes do sol vir até a mim, o mais
solitário. Somos amigos de sempre: as nossas penas são o fundo dos nossos
seres, são-nos comuns; até o sol é comum. Não falamos porque sabemos demasiadas
coisas: calamo-nos e entendemo-nos por sorrisos. Não és tu a luz do meu fogo?
Não és tu a alma irmã da minha inteligência? Tudo aprendemos juntos; juntos
aprendemos a elevar-nos sobre nós, e a sorrir, sem nuvens, para baixo, com
límpidos olhos, desde remotas paragens, quando a nossos pés se desvanecem, como
névoa vaporosa, a imposição, o fim e o erro. E quando eu caminhava só, de que
tinha a minha alma fome durante as noites e nos caminhos do erro? E quando eu
escalava montes, a quem procurava nos píncaros senão a ti? E todas as minhas
viagens e todas minhas ascensões não passavam de um expediente e recurso da
inércia. O que a minha vontade toda quer é voar, voar para ti! E que odiava eu
mais do que as nuvens e tudo o que te empana? E odiava até o meu próprio ódio
porque te empanava! Tenho aversão às nuvens, a esses gatos monteses que se
arrastam: tiram-nos a ti e a mim o que nos é comum: a imensa e infinita afirmação
das coisas. Nós outros temos aversão às rasteiras nuvens, a esses seres de meio
termo e de composições, a esses seres mistos que não sabem nem bendizer nem
maldizer com todo o seu coração. Preferia estar metido num túnel ou num abismo
sem ver o céu, a ver-te a ti, céu de luz, empanado pelas nuvens que passam! E
muitas vezes tenho sentido desejos de as trespassar com fulgurantes fios de
ouro e rufar como trovão na sua pança de caldeira: rufar de cólera, visto que
me roubam a mim a tua afirmação - céu puro! céu sereno! abismo de luz! - e
roubam-te a ti em mim. Que eu prefiro o ruído e o troar e as execrações do mau
tempo a essa calma medida e duvidosa de gatos. E "quem não sabe bendizer
deve aprender a maldizer!" De um luminoso céu me caiu, esta máxima luminosa:
- até nas escuras noites brilha esta estrela no meu céu. Eu, porém, bendigo e
afirmo sempre, contanto que me rodeies, céu sereno, abismo de luz! A todos os
abismos, pois, levo a minha benfeitora afirmação. Eu cheguei a ser o que bendiz
e afirma; tenho sido um lutador a fim de um dia ter as mãos livres para
abençoar. E a minha bênção consiste em estar por cima de cada coisa com o seu
próprio céu, a sua redonda abóbada, a sua abóbada cerúlea e sua eterna
serenidade: e bem aventurado daquele que assim abençoa! Que todas as coisas são
batizadas na fonte da eternidade e além do bem e do mal; mas o bem e o mal
mesmo não são mais do que sombras interpostas, úmidas aflições e nuvens
passageiras. Há bênção certamente, e não maldição quando eu predico: "Sobre
todas as coisas se encontra o céu Azar, o céu Inocência, o céu Acaso e o céu
Ufania." "Por azar" é esta a mais antiga nobreza do mundo; eu a
restituí a todas as coisas; eu as livrei da servidão do fim. Essa liberdade e
essa serenidade celeste coloquei-as como abóbadas cerúleas sobre todas as
coisas, ao ensinar que acima delas, e por elas, nenhuma "vontade
eterna" queria. Eu pus, em vez desta vontade, essa petulância, essa
loucura quando ensinei: Há uma coisa impossível em qualquer parte, e essa coisa
é a racionalidade. Um pouco de razão, um grão de sensatez, disperso de estrela
em estrela, é a levadura indubitavelmente misturada a todas as coisas: por
causa da loucura se acha a sensatez misturada a todas as coisas! Um pouco de
sensatez é possível: mas eu encontrei em todas as coisas esta benfeitora
certeza: preferem bailar sobre os pés do acaso. Ó! céu puro e excelso! A tua
pureza para mim consiste agora em que não haja nenhuma aranha, nem teia de
aranha eterna da razão: em seres um salão de baile para os azares divinos, uma
mesa divina para os divinos dados e jogadores de dados. Mas, sorris-te? Disse
coisas indizíveis? Maldisse-te querendo abençoar-te? O que te faz sorrir é a
vergonha de ser dois. Mandas-me retirar e calar, porque chega agora o dia? O
mundo é profundo, e mais profundo do que jamais pensou o dia. Nem tudo pode
falar diante do dia. Mas chega o dia. Separemo-nos então! Ó! céu desenrolado
sobre mim, céu pudico e incendido! Ó! felicidade antecedente à saída do sol!
Chega o dia. Separemo-nos!. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
O USO DOS PRAZERES – No livro História da sexualidade 2 – o uso dos prazeres (Graal, 1984), do
filósofo, historiador, filólogo, teórico social e crítico literário francês Michel Foucault (1926-1984), destaco os
trechos seguintes: Para compreender de
que maneira o uso dos aphrodisia é problematizado na reflexão sobre o amor
pelos rapazes é preciso lembrar um princípio que, sem dúvida, não é próprio da
cultura grega, mas que ali teve uma importância considerável e exerceu, nas
apreciações morais, um poder determinante. Trata-se do princípio de isomorfismo
entre relação sexual e relação social. Deve-se entender por esse princípio que
a relação sexual - sempre pensada a partir do ato modelo da penetração e de
uma polaridade que opõe atividade e passividade - é percebida como do mesmo
tipo que a relação entre superior e inferior, aquele que domina e aquele que é
dominado, o que submete-e o que é submetido, o que vence e o que é vencido. As
práticas de prazer são refletidas através das mesmas categorias que o campo
das rivalidades e das hierarquias sociais: analogias na estrutura agonística,
nas oposições e diferenciações, nos valores atribuídos aos respectivos papéis
dos parceiros. E pode-se compreender, a partir daí, que há, no comportamento
sexual, um papel que é intrinsecamente honroso e que é valorizado de pleno
direito: é o que consiste em ser ativo, em dominar, em penetrar e em exercer,
assim, a sua superioridade.Daí as várias consequências a respeito do estatuto
daqueles que devem ser os parceiros passivos dessa atividade. Os escravos,
evidentemente, estão à disposição do senhor: sua condição faz com que sejam
objetos sexuais a respeito dos quais não há nada a questionar; a tal ponto que
acontecia de se achar surpreendente que a mesma lei proibisse o estupro dos
escravos e o das crianças; para explicar essa estranheza, Ésquines diz que se
quis mostrar, ao proibi-la até mesmo com relação aos escravos, o quanto era
grave a violência quando ela se dirgia às crianças de boa origem. No que diz
respeito à passividade da mulher, ela marca muito bem uma inferioridade de
natureza" e de condição; mas ela não deve ser reprovada como conduta
posto que é, precisamente, conforme ao que a natureza quis e ao que o status
impõe. Em compensação, tudo aquilo que no comportamento sexual poderia
acarretar para um homem livre - e ainda mais para um homem que, por sua origem,
fortuna, prestígio, ocupa ou deveria ocupar posições privilegiadas entre os
demais - as marcas da inferioridade, da dominação sofrida, da servidão aceita,
só poderia ser considerado como vergonhoso: e vergonha ainda maior se ele se
presta a ser objeto complacente dó prazer do outro. Ora, num jogo de valores
regulado segundo tais princípios, a posição do rapaz - do rapaz de origem
livre - é difícil. É evidente que ele está ainda numa posição “inferior” , no
sentido em que está longe de se beneficiar dos direitos e dos poderes que serão
seus quando tiver adquirido a plenitude de seu status. Não obstante, seu lugar
não se superpõe ao de um escravo, evidentemente, nem ao de uma mulher. Isso já
é verdade no contexto da casa e da família. Uma passagem de Aristóteles na
Política o diz claramente. Ao tratar das relações de autoridade e das formas de
governo próprias à família, Aristóteles define, em relação ao chefe de
família, a posição do escravo, a da mulher e a do filho (homem). Governar
escravos, diz Aristóteles, não é governar seres livres; governar uma mulher é
exercer um poder “político” no qual as relações são de permanente desigualdade;
o governo dos filhos, em troca, pode ser dito “real” porque ele repousa “sobre
a afeição e a superioridade da idade” .60 De fato, a faculdade de deliberação
falta no escravo; ela está presente na mulher, mas não exerce nesta a função de
decisão; no menino, a falta diz respeito somente ao grau de desenvolvimento
que ainda não atingiu seu termo. E se a educação moral das mulheres é
importante posto que elas constituem a metade da população livre, a dos filhos
homens o é ainda mais; pois ela concerne aos futuros cidadãos que participarão
no governo da cidade.61 Vê-se bem: o caráter próprio da posição de um rapaz, a
forma particular de sua dependência, e a maneira pela qual se deve tratá-lo,
mesmo no espaço onde se exerce o poder considerável do pai de família,
encontram-se marcados pelo status que será o seu no futuro. O mesmo ocorre, até
certo ponto, no jogo das relações sexuais. Dentre os diversos “objetos” que são
legitimados, o rapaz ocupa uma posição particular. Certamente ele não é um
objeto proibido; em Atenas, certas leis protegem as crianças livres (contra os
adultos que durante um certo tempo, pelo menos, não terão o direito de entrar
nas escolas, contra os escravos que fícam sujeitos à morte se procuram cor-
rompê-las, contra pais ou tutores que são punidos se as prostituem);“ mas nada
impede nem proíbe que um adolescente seja aos olhos de todos o parceiro sexual
de um homem. Não obstante, existe como que uma dificuldade intrínseca nesse
papel: algo que ao mesmo tempo impede de definir claramente e de bem precisar
em que consiste esse papel na relação sexual e que, contudo, atrai a atenção
sobre esse ponto e faz com que se atrjbua uma grande importância e muito valor
ao que. deve ou não se passar nessa relação. Existe nisso tudo, ao mesmo tempo,
como que um ponto cego e um ponto de supervalorização. O papel do rapaz é um
elemento para o qual converge muita incerteza e um interesse intenso. [...]
Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui .
TABACARIA – No livro O eu profundo e os outros eus (Nova Fronteira, 1980), encontro o
poema Tabacaria, do engenheiro e poeta português Álvaro de Campos, um dos heterônimos criados por Fernando Pessoa (1888-1935): Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não
posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. /
Janelas do meu quarto, / Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém
sabe quem é / (E se soubessem quem é, o que saberiam?), / Dais para o mistério
de uma rua cruzada constantemente por gente, / Para uma rua inacessível a todos
os pensamentos, / Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, /
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, / Com a morte a por
umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, / Com o Destino a conduzir a
carroça de tudo pela estrada de nada. / Estou hoje vencido, como se soubesse a
verdade. / Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, / E não tivesse
mais irmandade com as coisas / Senão uma despedida, tornando-se esta casa e
este lado da rua / A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
/ De dentro da minha cabeça, / E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de
ossos na ida. / Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu. / Estou
hoje dividido entre a lealdade que devo / À Tabacaria do outro lado da rua,
como coisa real por fora, / E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real
por dentro. / Falhei em tudo. / Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo
fosse nada. / A aprendizagem que me deram, / Desci dela pela janela das
traseiras da casa. / Fui até ao campo com grandes propósitos. / Mas lá
encontrei só ervas e árvores, / E quando havia gente era igual à outra. / Saio
da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar? / Que sei eu do que
serei, eu que não sei o que sou? / Ser o que penso? Mas penso tanta coisa! / E
há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! / Gênio?
Neste momento / Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu, / E a
história não marcará, quem sabe?, nem um, / Nem haverá senão estrume de tantas
conquistas futuras. / Não, não creio em mim. / Em todos os manicômios há doidos
malucos com tantas certezas! / Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais
certo ou menos certo? / Não, nem em mim... / Em quantas mansardas e
não-mansardas do mundo / Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando? /
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas - / Sim, verdadeiramente altas e
nobres e lúcidas -, / E quem sabe se realizáveis, / Nunca verão a luz do sol
real nem acharão ouvidos de gente? / O mundo é para quem nasce para o
conquistar / E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha
razão. / Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez. / Tenho apertado ao peito
hipotético mais humanidades do que Cristo, / Tenho feito filosofias em segredo
que nenhum Kant escreveu. / Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, / Ainda
que não more nela; / Serei sempre o
que não nasceu para isso; / Serei sempre só o que tinha qualidades; / Serei sempre o que esperou que lhe
abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta, / E cantou a cantiga do
Infinito numa capoeira, / E ouviu a voz de Deus num poço tapado. / Crer em mim?
Não, nem em nada. / Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente / O seu sol, a
sua chava, o vento que me acha o cabelo, / E o resto que venha se vier, ou
tiver que vir, ou não venha. / Escravos cardíacos das estrelas, / Conquistamos
todo o mundo antes de nos levantar da cama; / Mas acordamos e ele é opaco, / Levantamo-nos
e ele é alheio, / Saímos de casa e ele é a terra inteira, / Mais o sistema
solar e a Via Láctea e o Indefinido. / (Come chocolates, pequena; / Come
chocolates! / Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. / Olha
que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. / Come, pequena
suja, come! / Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! / Mas
eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, / Deito tudo
para o chão, como tenho deitado a vida.) / Mas ao menos fica da amargura do que
nunca serei / A caligrafia rápida destes versos, / Pórtico partido para o
Impossível. / Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas, / Nobre
ao menos no gesto largo com que atiro / A roupa suja que sou, em rol, pra o
decurso das coisas, / E fico em casa sem camisa. / (Tu que consolas, que não
existes e por isso consolas, /Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse
viva, / Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta, / Ou princesa de
trovadores, gentilíssima e colorida, / Ou marquesa do século dezoito, decotada
e longínqua, / Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais, / Ou não sei quê
moderno - não concebo bem o quê - / Tudo isso, seja o que for, que sejas, se
pode inspirar que inspire! / Meu coração é um balde despejado. / Como os que
invocam espíritos invocam espíritos invoco / A mim mesmo e não encontro nada. /
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta. / Vejo as lojas, vejo os
passeios, vejo os carros que passam, / Vejo os entes vivos vestidos que se
cruzam, / Vejo os cães que também existem, / E tudo isto me pesa como uma
condenação ao degredo, / E tudo isto é estrangeiro, como tudo.) / Vivi,
estudei, amei e até cri, / E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não
ser eu. / Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira, / E penso: talvez
nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses / (Porque é possível
fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso); / Talvez tenhas existido
apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo / E que é rabo para aquém do
lagarto remexidamente / Fiz de mim o que não soube / E o que podia fazer de mim
não o fiz. / O dominó que vesti era errado. / Conheceram-me logo por quem não
era e não desmenti, e perdi-me. / Quando quis tirar a máscara, / Estava pegada
à cara. / Quando a tirei e me vi ao espelho, / Já tinha envelhecido. /Estava
bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado. / Deitei fora a
máscara e dormi no vestiário / Como um cão tolerado pela gerência / Por ser
inofensivo / E vou escrever esta história para provar que sou sublime. / Essência
musical dos meus versos inúteis, / Quem me dera encontrar-me como coisa que eu
fizesse, / E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte, / Calcando
aos pés a consciência de estar existindo, / Como um tapete em que um bêbado
tropeça / Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada. / Mas o Dono
da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta. / Olho-o com o deconforto da
cabeça mal voltada / E com o desconforto da alma mal-entendendo. / Ele morrerá
e eu morrerei. / Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos. / A certa
altura morrerá a tabuleta também, os versos também. / Depois de certa altura
morrerá a rua onde esteve a tabuleta, / E a língua em que foram escritos os
versos. / Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu. / Em outros
satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente / Continuará fazendo
coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, / Sempre uma
coisa defronte da outra, / Sempre uma coisa tão inútil como a outra, / Sempre o
impossível tão estúpido como o real, / Sempre o mistério do fundo tão certo
como o sono de mistério da superfície, / Sempre isto ou sempre outra coisa ou
nem uma coisa nem outra. / Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
/ E a realidade plausível cai de repente em cima de mim. / Semiergo-me
enérgico, convencido, humano, / E vou tencionar escrever estes versos em que
digo o contrário. / Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los / E saboreio no
cigarro a libertação de todos os pensamentos. / Sigo o fumo como uma rota
própria, / E gozo, num momento sensitivo e competente, / A libertação de todas
as especulações / E a consciência de que a metafísica é uma consequência de
estar mal disposto. / Depois deito-me para trás na cadeira / E continuo
fumando. / Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando. / (Se eu
casasse com a filha da minha lavadeira / Talvez fosse feliz.) / Visto isto,
levanto-me da cadeira. Vou à janela. / O homem saiu da Tabacaria (metendo troco
na algibeira das calças?). / Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica. / (O
Dono da Tabacaria chegou à porta.) / Como por um instinto divino o Esteves
voltou-se e viu-me. / Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo / Reconstruiu-se-me sem ideal nem
esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu. Veja mais aqui e aqui.
DE OLIMPIA ATÉ HOJE - A trajetória da premiadíssima atriz de
teatro, cinema e televisão Denise Fraga, começou no teatro, no qual possui formação de mais de vinte anos de
palco, seis deles na pele da empregada doméstica "Olímpia", da
peça Trair e coçar é só começar, o seu maior sucesso no teatral. Ela estreou na
televisão em 1987, na Rede Globo, participando de novelas, quadros, séries,
entre outros. No cinema ela estreou no filme Um casal chamado paixão (1992),
seguindo-se O efeito ilha (1994), Sonho (1995), Até a eternidade (1995),
Lembrança do futuro (1996), Lápide (1997), O cineasta da selva (1997), Boleiros
– era uma vez o futebol (1998), Por trás do pano (1999), O auto da compadecida
(2000), Cristina quer casar (2003), Como fazer um filme de amor (2004),
Boleriso 2 – vencedores e vencidos (2006), Os porralokinhas (2007), O signo da
cidade (2007), As melhores coisas do mundo (2010), Hoje (2011) e As aventuras
do homem invisível em mundo invisível (2011). Além de atriz, ela é comediante e
mantem uma coluna no jornal Folha de São Paulo. Entre os prêmios da sua
carreira, estão Prêmio de Melhor Atriz pela atuação em Cristina Quer Casar
- 7º Festival de Cinema Brasileiro de Miami (2003), Prêmio de Melhor Atriz pela
atuação em Por Trás do Pano no Grande Prêmio Cinema Brasil (1999), Kikito
de Ouro de Melhor Atriz pela atuação em Por Trás do Pano – Festival de
Gramado (1999), Prêmio de Melhor Atriz pela atuação em Felicidade é... –
Festival de Brasília (1995), Prêmio de Melhor Atriz pela atuação em Por Trás
do Pano – Festival de Havana (1999) e Melhor Atriz Teatral no troféu
APCA/2008 pela atuação no espetáculo A Alma Boa de Setsuan. Veja mais aqui.
BEFORE SUNRISE – O filme Before Sunrise (Antes
do Amanhecer, 1995), dirigido por Richard Linklater e escrito pelo
direitos e por Kim Krizam. Conta a história de uma jovem francesa e um rapaz
estadunidense que se encontra na Europa. Eles se encontram casualmente em um trem
e despertam para uma paixão repentina. No dia seguinte, a jovem irá para Paris e
o jovem voltará aos Estados Unidos. Ele, então, a convida para descerem do trem
em Viena para um passeio que durará a noite toda, até o amanhecer. O destaque
do filme vai para a belíssima atriz, roteirista, cantora, compositora e
diretora de cinema, Julie Delpy. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
The Three Graces,as três deusas da mitologia grega antiga
chamada Graças, conhecidas em grego como as Charites. Originalmente deusas da
natureza, elas chegaram a ser geralmente consideradas como companheiras de
Afrodite (Vênus), a deusa do amor e da beleza. De acordo com a tradição poética
e literária, as Graças eram em número de três, e seus nomes eram Euphrosyne, Thalia e Aglaia.
Eternamente jovens e adoráveis, elas representavam charme, beleza e
criatividade humana, e foram retratadas nus, originalmente segurando atributos
tais como maçãs, rosas e ramos de murta. As três deusas estão ligados entre si
em um anel, abraçados pela cintura ou no pescoço para formar uma cadeia
graciosa.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa SuperNova, a partir das
21hs, no blog do Projeto MCLAM, com apresentação sempre especial e apaixonante
de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na
madrugada Hot Night, uma programação
toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui .
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
Dê livros de presente para as crianças.