QUANDO
RENASCI PRA VIDA DEPOIS DE MORRER PELA PRIMEIRA VEZ - Era um dia ensolarado dum mês que não
lembro no segundo semestre de 1972, contava eu com 12 anos de idade e uma
empáfia destemida dum bigodinho ralo embaixo das ventas, quando cheguei ao
quintal da casa, atendendo chamado das minhas irmãs em algazarra que me pediam provocantemente
risonhas pra subir na goiabeira que se debruçava sobre o telhado da casa. Cedi
aos insistentes pedidos efusivos delas por goiabas palatáveis, me armei da peixeira
aos dentes e subi os degraus da escada como quem realiza o mais heroico dos
atos. Quando já no alto doo telhado, perguntei qual das frutas elas queriam.
Nessa hora, ao olhar pra baixo espirrei e tonteei. Tudo desapareceu e o mundo
ao meu redor adquiriu uma brancura onírica como se eu mergulhasse ao som de um
coro de vozes graves acompanhadas duma orquestração vertiginosa, em que tons e
sons díspares, atonais, dodecafônicos, me revelasse a música das esferas. Eu
subia como que lançado duma catapulta não sabida e me vendo como um foguete
rasgando verticalmente os céus, rompia a penumbra e o nevoeiro repetinamente
noite na barreira do som e do tempo, numa velocidade estonteante qual da luz,
singrando todos os limites e sem barulho algum. Eu me sentia como se estivesse
entre nuvens que ora se pareciam floresta densa, ora águas profundas e por
paisagens que me davam entender serem as linhas de Nazcar ou no território de Machu
Picchu, ou davam como se fossem nas crateras das montanhas peruanas, pelos
megálitos de Carnac ou nas paragens de Stonehenge, com inscrições indígenas,
não sei se inca ou maia, círculos e semicírculos, uma simbologia estranha que
se transmutava e parecesse os desenhos da pedra de Roswell, sempre para o alto,
cada vez mais pra cima, projetado para o ápice inatingível além do zênite de
todo o universo na maior das alturas e lonjuras da escuridão universal. Sem
olhar pra atrás, sempre adiante e com imagens que rodopiavam às vistas, noites
e de repente dias, uma claridade enorme que me encandeava e que surgia por trás
da barra dos confins visíveis. Às vezes ofuscado com noites sem estrelas, dias
sem Sol, espessas neblinas e, de repente, céu limpo, vagando as mais longínquas
distâncias da imensidão cósmica. De fato, transcorria ultrapassando as lonjuras
eternas sem me dar conta do que era ou onde estaria até dar num ponto como se
ao cume chegasse à beira do abismo e abruptamente, depois de muito tempo,
vertiginosamente começasse a cair num abismo de jamais encontrar o fundo. Eis que
abro os olhos e a brancura se dissipara. Percebi que me encontrava num quarto
de hospital, olhos atônitos de parentes e estranhos ao meu redor, depois de 18
horas num balão de oxigênio em estado de coma. Era eu mesmo, mas me sentia outro
como que renovado. A orelha esquerda com uma ferida e na cabeça acima e no
ombro esquerdo com inchações que incomodavam de dor pelo amortecimento da
torneira da lavanderia na minha queda amparada por garrafas que não se
quebraram com o impacto. A faca peixeira desaparecera, procuraram em cima da
casa, entre as telhas, pelos galhos da goiabeira, os 4 cantos e recônditos do
quintal, além muro, sumira de vez. Dias depois tive alta e sob todas as
atenções de parentes e médicos me recompus com o tempo, ao perceber que
estivera com a morte e renascera menino outra vez. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
Imagem:
História errada
(1966), do pintor e artista multimídia paraibano Antonio Dias.
Curtindo Thiaroye (Night Day, 1999), do compositor e
cantor senegalês
El Hadj N'Diaye.
PESQUISA
Presenças (MEC/INL, 1958), do crítico literário e jornalista
austríaco naturalizado brasileiro Otto Maria Carpeaux (1900-1978),
abordando sobre as obras de Shakespeare, Dickens, Camus, Borges, Fernando
Pessoa, Rilke, James Joyce, entre outros. Veja mais aqui, aqui e aqui.
LEITURA
Moll Flanders (A vida amorosa de Moll Flanders, 1722),
romance do escritor inglês Daniel Defoe
(1660-1731). Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA:
O
espírito não conhece passado nem futuro. As obras do espírito sempre estão
presentes.
Frase do escritor e dramaturgo austríaco Hugo von Hofmannsthal (1874-1929).
IMAGEM DO DIA
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Balzac, Erik Erikson, Nelson Rodrigues, Eugène Delacroix, Maria
Teresa Horta, Lucelia Santos, Paul
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CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Todo dia é dia da multifacetada cantora, compositora, atriz e
apresentadora argentina Érica García.
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