O
MARIDO DA MARCELA – Marcela
é uma beldade de vinte e poucos anos, achegada carne e unha aos pisoteios com a
Vera Indignada, que já foi miss Alagoinhanduba, devota inarredável dos pés do
padre Bidião e que, hoje, por conta dos seus atributos corporais de arrasar
quarteirão, tirou –pra ela – a sorte grande de se enroscar com um partidão
daqueles que vai num volta, um vetusto setentão mais ré-pra-trás montado numa
grana preta, carinhosamente tratado por ela de MM – duplo significado: Marido
da Marcela ou Malcolm Michael Temeroso, também apelidado entre os de sua laia
de urubu de carniça. Ela não escondia a felicidade extravagante de golpe do
baú, ao enclausurar-se de nunca mais dar as caras nas paradas. Só por conta
duma efeméride de última hora, resolveu apresentar espalhafatosamente o maridão
à Vera que, por tabela, estendeu efusiva a provocativa recepção pra trupe tresloucada
do Big Shit Bôbras. Foi um achado.
Tanto os macobebas pé-rapado sentiram a oportunidade de se esbaldar nuns
generosos trocados do monte-grande, como MM se viu ancho com a possibilidade de
ampliar os seus tentáculos poderosos para chamar atenção e presentear a sua
volúvel amada. Estava travada a quebra-de-braço. Zé Peiúdo mesmo suspendeu as
sombrancelhas e logo se aproximou do macróbio para chavecar transações futuras,
os demais se incumbiam da maior babaovice da paroquia pras bandas dele,
avalizando os propósitos interesseiros da turma, enquanto Vera e Marcela
colocavam a fofoca em dia. A par do maior imbróglio, MM sapecou: - Isso é uma
esculhambação! Quero participar desse troço pra botar ordem rígida no
galinheiro! Nessa hora Zé Peiúdo sonhou com todos os cifrões possíveis e
inimiginaveis, propondo: - Procê participá tem de patrociná o troço! Quanto é?
Xis. Só? Ah, minganei, é duplo xis, pode passá o chéqui. Sou lá homem de andar à
toa, cabra! E MM meteu a mão num dos abissais bolsos, curvou-se da mão bater na
canela e trouxe um molho de dinheiro: - Sou homem de pagar tudo em dinheiro
vivo, cash! Oxe, Zé Peiúdo espichou as
bolas dos olhos de quase soltarem fora, nunca vira tanta cédula viva juntas
duma vez! Apressado, pegou tudo, botou nos bolsos e apertou a mão de MM insistente
e demoradamente, repetindo: Fechado! E mandou-se deixando o resto deles pendurados
nos testículos do manda-chuva. Vera que franziu o cenho, desconfiada, pensando
consigo: - O véio não é tão feio quanto parece, vamos ver. Realmente, MM não
era lá o lindão da telenovela ou capa de revista, mas era um velho bem
apessoado, voz postada, requinte forçado e cheio das gaitas. As feições não lhe
favoreciam, mas pra ser o melhor, comprou a peso de ouro o namoro, noivado e
feliz casamento com a lindíssima Marcelamada. A sua idade conferia a majestade
de imponentes crápulas bem-sucedidos, os infames que tiveram a ventura de
depenar a vida de coitados assalariados e de enriquecer a custa da desgraça
alheia. Afinal é daqueles que o povaréu absolve com a pecha do “rouba, mas
faz”. Era um orador exímio, sabia tapiar muito bem, impressionava quando falava,
firme, seguro, todos escutavam; quando chorava, ator da maior tragédia
farsesca, todos choravam juntos. Prosperou com a crueldade disfarçada e à força
de delação – dizem que ele foi o dedo-duro que se tornou o maior pelego dos
milicos do golpe de 1964. O que ele dedurou de gente não parava de dar trabalho
ao DOPS nem deixava de encher a cadeia pública da redondeza. Foi com isso que
ele conseguiu a sua primeira grande riqueza. Dizem mais que ele é o
proprietário único da Esmeralda da Bahia, aquela modesta joia rara de 400
quilos, 180 mil quilates, milhões de dólares e que fora encontrada em 2001 e
desaparecida até então, pelo que se sabe, pros seus domínios. Tem lá sua pinta
de sedutor, um Don Juan demodê, todo atacado da gola do gogó aos punhos,
alinhado de vinco e gravata, e com uma parcimônia que lhe impunha um ar de
superioridade além do imaginável. Todavia, o olho de lince e o sexto sentido de
Vera não deixavam por menos, sacou logo se tratar de um daquele capaz de não só
tomar anel e pertences, como de arrastar tarsos, metatarsos, dedos, torax,
pelve e de deixar não só o sujeito descamisado, como desempelado, desmusculado
ou simples caveira ambulante. Na batata: - Ô mulé astuta da gota! -, diziam com
a comprovação de tudo que ela asseverava quando do seu conferido. E assim foi.
Quando ele adentrou no casarão, foi logo botando as manguinhas de fora. Quando
Zé Peiúdo deu fé, estava destronado. – Eita, cachorro da moléstia! Deu um golpe
da porra neu! E MM, mais que providente, foi logo ouvindo um e outro: - Como é
que está a coisa aqui? Tá tudo certim. Ah, se tá certo tem roubo! Onde não tem
problema, tem fraude! E começou a investigar no aperto um por um. Usou de tudo
que tinha de recursos: maguou o calo do Zé Corninho com voz calma e maior
sorriso largo; deu uma pisada forte na unha encravada do Doro dele botar tudo
pra fora na horinha; deu um beliscão no quiba de Robimagaiver dele soltar até o
que pensava; deu um safanão no juízo do Mamão dele contar o que tinha visto e o
que não sabia; e assim foi, um por um submetido aos seus métodos torturadores e
tomando ciência dos mínimos detalhes de como estava aquela zorra toda. E foi
uma festa da maior alcaguetagem! O rosário de delações colocou a macharia toda
na mão dele e sob seu mando todos foram enquadrados cada qual no seu respectivo
cafofo. Estava botando ordem na zona e na marra. No fim do dia ele chamou as
mulheres do recinto, coitadas: - Vocês só servem pra tomar conta de casa! Arribem
e só me botem a cara no corredor quando eu autorizar! Assim foi. Só não foram
submetidos à sua averiguação eficiente a Vera, que estava dando umas voltas com
Marcela por aí – nem ela se submeteria a esse desplante! -, nem o padre Bidião
que se encontrava envultado com seu séquito num disco voador e manipulando os
seus clones. Quando o padre soube da presepada do MM no casarão, logo procurou
reconectar o clone perdido e defeituoso, pra mandar logo ele pra lá encaminhar
o intruso pra casa da peste. Assim ficou o pároco maquinando. Na manhã
seguinte, pisando nos cascos MM saiu distribuindo suas ordens a cada um dos
participantes. Com seu peculiar jeito generalício, mandava ver nas instruções e
requeria urgência no cumprimento. Assim foi até que chegou no Zé Bilola e
sapecou a imposição, exigindo que arribasse pra prova, enquanto ia ter com Ximênia.
Eis que o tonto do Zé Bilola menos de cinco minutos depois, volta pra repassar
as instruções que ele confundiu-se todo, quando deu no maior flagra: numa era
que MM estava todo pavoneado e pronto pra cima da Ximênia? Apois, foi. Aí, meu,
o pencó pegou. Zé Bilola deu com a língua nos dentes. O buruçu estava feito.
Começou uma sedição. O negócio vazou e já quase escândalo, MM só apagando o
fogo, retomou as rédeas que lhe fugiam do controle. Foi ter desconfiado com Zé Peiúdo
que poderia ter sido o responsável pelo vazamento. Não foi. Este só vivia dando
volta nos olhos e contando a dinheirama que arrastou do brabão. Resolveu encostar
todo mundo no paredão: - Se eu sonhar que a Marcela soube disso, eu capo um por
um de vocês e desmoralizo as suas senhoras mocreias tudinho! Ameaçou mesmo,
veementemente. Resolveu, então, tomar as devidas providencias para que nada
maculasse o seu casamento com a amada. Enquanto, a turma que não tinha nada de
sonsa, preparava das suas para que ele sentisse de perto o gosto do seu próprio
veneno, lá ia ele à caça da lindonamada pra apagar o fogo da primeira bronca do
seu mandato. E vamos aprumar a conversa & tataritaritatá! © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.
Imagem:
a arte do pintor,
desenhista e escultor goiano Siron
Franco. Veja mais aqui.
Curtindo álbum Opern-Highlights com a mezzo soprano estadunidense Fredrika Brillembourg, regente Eduardo Marturet & Berliner
Symphoniker.
PESQUISA
O novo mundo das imagens electrónicas (Edições 70, 1985), de
Guido e Teresa Aristarco, reunindo entrevistas, opiniões e escritos re
realizadores de cinema como Michelangelo
Antonioni, Vittorio Storaro, Francis Ford Coppola, Jean-Luc Godard, Pasquale Squitieri,
Giuliano Montaldo, Liliana Cavani, Ingmar Bergman, entre outros. Veja mais
aqui.
LEITURA
História
Universal da Infâmia (Globo,
1975), do escritor,
tradutor, crítico literário e ensaísta argentino Jorge Luis Borges
(1899-1986). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA:
[...] existem homens infames,
moralmente condenáveis, porque a sociedade dividiu-se socialmente e permitiu à
sua camada inferior um único recurso: a corrupção. [...] postula a existência de uma sociedade envilecida
que propicia o aparecimento de indivíduos que desejam subir na vida a qualquer
preço. É a mesma ganância, associada a outras qualidades que os heróis
borgianos também possuem, como a astúcia e a violência, que move a busca
insaciável à riqueza fácil. [...] a
sociedade propiciar o desencadear do evento maligno, numa exacerbação de suas
desigualdades sociais, e a arte o reproduzirá sempre [...] a cadeia da arte, que imita e avida, que
imita a arte.
Extraído do prefácio J. L. Borges:
engajamento ou fantasia? de Regina L. Zilberman e Ana Mariza R. Filipouski,
na obra História
Universal da Infâmia (Globo,
1975).
Veja mais Brincarte do Nitolino & Psicologia
Infantil, Walter Benjamin, Clarice Lispector, Walt Whitman, Eugène Ionesco, Siron
Franco, Enya, Nathaniel Hawthorne & Demi
Moore aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem: a arte do escritor e ilustrador de
quadrinhos Miguelanxo Prado.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá