Quando abri a porteira deste mundo
Que eu nasci da vontade dos meus pais
Eu trelei de menino até rapaz
Um bruguelo reinava vagabundo.
Pelejei nos pinotes mais profundos,
Pulei cerca e cruzeta até demais,
Muita bronha na inheta e coisa e tais
Me espremendo na volta da compressa
Vamos logo aprumar essa conversa,
Vamo lá, pô: tataritaritatá!
(Cordel Tataritaritatatá)
No dia em que o jovem Cabral chegou por aqui,
ôôôô, conforme diversos anúncios da televisão, havia um coro afinado da tribo
Tupi formado na beira do cais cantando em inglês, Caminha saltou do avião
assoprando um apito em free bemol, atrás vinha o resto empolgado da tripulação
[...] E assim, a vinte e dois daquele mês de abril
fundaram a escola de samba Unidos do Pau-Brasil.
(Desenredo, Gonzaguinha & Ivan Lins)
Ai, esta terra ainda vai cumpri seu ideal,
ainda vai tornar-se um imenso Portugal! Ó musa do meu fado, Ó minha mãe gentil,
te deixo consternado no primeiro abril.
(Fado tropical, Chico Buarque & Ruy
Guerra)
Ninguém
ouviu um soluçar de dor no canto do Brasil. Um lamento triste sempre ecoou
desde que o índio guerreiro foi pro cativeiro e de lá cantou, nego entoou um
canto de revolta pelos ares, nos Quilombos dos Palmares onde se refugiou...
(Canto das Três Raças, Mauro Duarte &
Paulo César Pinheiro)
Existe um povo que a bandeira empresta
Pr'a cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira ?esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
(Navio Negreiro – Tragédia no mar, Castro Alves)
A horda aventureira derruba selvas, abre
montanhas, desvia rios; e enquanto o fogo revela fulgores nas pedras
ferruginosas, os perseguidores do ouro comem sapos e raízes e fundam cidades
sob o duplo signo da fome e do castigo. A instalação do pelourinho indica o
nascimento de cada cidade na região brasileira do ouro: o pelourinho é o centro
de tudo, e ao seu redor ficarão as casas, as igrejas nos topos dos morros: o
pelourinho, com uma coroa na ponta alta e um par de argolas para prender os
escravos que mereçam açoite. [...] Manda
o conde que seja cortada a cabeça de todo fugitivo, e organiza miolícias para
perseguir a negrada rebelde. Os desgraçados, nem brancos nem negros, miseráveis
filhos do senhor e da escrava ou mistura de mil sangues, são os caçadores de
escravos fugidos. Nascidos para viver fora da lei, são bons para morrer
matando. Eles, mulatos e mestiços, são muitos: não existem aqui mulheres
brancas nem existe maneira para cumprir a vontade do rei que, lá de Lisboa,
ordenou evitar a descendência defeituosa e impura.
(O pelourinho – As caras e as máscaras: as
dimensões e os segredos da América Latina num mosaico de histórias, fatos,
mitos e homens, Eduardo Galeano).
Quase ao fim da escravatura, o Exército
Brasileiro recusou-se a servir os donos da terra na busca e perseguição dos
escravos fugidos. O poder se assentava sobre a fome. A subnutrição constante
trazia diminuição da estatura, deformações esqueléticas, dentição podre,
insuficiência tiroidiana, velhice prematura, preguiça, anemia e tuberculose.
Hoje, dados estatísticos da Unesco demonstram que o brasileiro de algumas
regiões do nordeste vive ainda em regime de semi-escravatura. E a subnutrição
constante traz diminuição de estatura, deformações esqueléticas, dentição
podre, insuficiência tiroidiana, velhice prematura, preguiça, anemia e
tuberculose. [...].
(Liberdade,
liberdade, Flávio Rangel & Millôr Fernandes).
Foi em diamantina onde nasceu J.K. e a
princesa Leopoldina lá resolveu se casar, mas Chica da Silva tinha outros
pretendentes e obrigou a princesa a se casar com Tiradentes, laiá, laiá, laiá,
o bode que deu vou te contar. Joaquim José, que também é da Silva Xavier, queria
ser dono do mundo e se elegeu Pedro II das estradas de Minas, seguiu p'rá São Paulo
e falou com Anchieta, o vigário dos índios, aliou-se a dom Pedro e acabou com a
falseta da união deles dois ficou resolvida a questão e foi proclamada a
escravidão. Assim se conta essa história que é dos dois a maior glória. A Leopoldina
virou trem e dom Pedro é uma estação também, oô, oô, oô, o trem tá atrasado ou
já passou.
(Samba do crioulo doido, Sérgio Porto).
Uma coisa é um país, outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país, outra um regimento.
Uma coisa é um país, outra o confinamento.
Mas já soube datas, guerras, estátuas usei
caderno "Avante" — e desfilei de tênis para o ditador. Vinha de um
"berço esplêndido" para um "futuro radioso" e éramos
maiores em tudo — discursando rios e pretensão.
Uma coisa é um país, outra um fingimento.
Uma coisa é um país, outra um monumento.
Uma coisa é um país, outra o aviltamento.
[...]
Há 500 anos caçamos índios e operários, há
500 anos queimamos árvores e hereges, há 500 anos estupramos livros e mulheres,
há 500 anos sugamos negras e aluguéis.
Há 500 anos dizemos: que o futuro a Deus
pertence, que Deus nasceu na Bahia, que São Jorge é que é guerreiro, que do
amanhã ninguém sabe, que conosco ninguém pode, que quem não pode sacode.
Há 500 anos somos pretos de alma branca, não
somos nada violentos, quem espera sempre alcança e quem não chora não mama ou
quem tem padrinho vivo não morre nunca pagão.
Há 500 anos propalamos: este é o país do
futuro, antes tarde do que nunca, mais vale quem Deus ajuda e a Europa ainda se
curva.
Há 500 anos somos raposas verdes colhendo
uvas com os olhos, semeamos promessa e vento com tempestades na boca, sonhamos
a paz da Suécia com suíças militares, vendemos siris na estrada e papagaios em
Haia, senzalamos casas-grandes e sobradamos mocambos, bebemos cachaça e brahma joaquim
silvério e derrama, a polícia nos dispersa e o futebol nos conclama, cantamos
salve-rainhas e salve-se quem puder, pois Jesus Cristo nos mata num carnaval de
mulatas. [...].
(Que
país é esse, Affonso Romano de Sant’Anna).
[...] Deu no que deu. Instinto de conservação,
fraternidade, capacidade de distinguir beleza, boa qualidade, isso morreu. Tudo
foi revelado num relatório apresentado nos Estados Unidos. Cientistas
norte-americanos, especializados no estudo de nosso país, chegaram a
curiosíssimas conclusões. As obras desses norte-americanos estão banidas.
Encontram-se em algumas bibliotecas particulares. Chegaram antes dos Interditos
Postais. Hoje, abrem todos os pacotes nos correios, revistam nos aeroportos,
confiscam. Computadores fornecem rapidamente as litas de proibidos. Estes
cientistas especializados na mente do homem brasileiro surgiram depois do boom
de brasilianistas. Toda a história brasileira foi revista e reescrita por estes
amáveis professores norte-americanos. Em seguida apareceram os biólogos, os
anatomistas, os pesquisadores da mente. Nós, os brasileiros, não tínhamos
acesso aos arquivos, mas eles sim. Trabalhavan livremente, recebiam bolsas,
ajuda, microfilmagem, cópias de todo material que um pesquisador necessita em
seu trabalho. Não adiantava denunciar, o Esquema ignorava. Mais que isso, nos
punia. Sou lúcido para saber que o controle total, rígido dos meios de
comunicação, aliado à Intensa Propaganda Oficial, IPO, amorteceu as mentes. De
tal modo que esta emergencia em que vivemos passou a ser considerada normal. A
nossa memoria é admirável, porque este passado é recente. E nos esquecemos.
Tudo se precipitou. Rápido demais. Os que se locupletaram estão hoje em seus
territórios isolados, vivendo ricamente. Não conseguem se reproduzir, se
perpetuar. Mas não tem importância para eles. São os chamados (ironicamente?)
Homens dos Tempos Presentes. Através dos anos, temos nos adaptado a tudo. Acaso
as gerações dos anos 60 e 70 não se conformaram, aceitaram e até buscaram o
estado de sitio permanente? Quando penso nessas coisas não me excluo. Eu também
sou o povo. E talvez tenha maior responsabilidade. [...]
(Não
verá país nenhum, Ignácio de Loyola Brandão).
Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato
inzoneiro, vou cantar-te nos meus versos. Ô Brasil, samba que dá, bamboleio que
faz gingar, Ô Brasil, do meu amor, Terra de Nosso Senhor, Brasil, Brasil pra
mim, pra mim. Ah, abre a cortina do passado, tira a Mãe Preta,do serrado, bota
o Rei Congo, no congado, Brasil, Brasil pra mim, pra mim. Deixa, cantar de novo
o trovador a merencória luz da lua toda canção do meu amor. Quero ver a Sa
Dona, caminhando, pelos salões arrastando o seu vestido rendado, Brasil, Brasil
pra mim, pra mim. Brasil, Terra boa e gostosa da morena sestrosa de olhar
indiscreto. Ô Brasil, samba que dá, bamboleio, que faz gingar. Ô Brasil, do meu
amor, Terra de Nosso Senhor. Brasil, Brasil pra mim, pra mim. Oh, esse coqueiro
que dá coco, onde eu amarro a minha rede nas noites claras de luar Brasil,
Brasil pra mim, pra mim. Ah, ouve essas fontes murmurantes, aonde eu mato a
minha sede e onde a lua vem brincar. Ah, este Brasil lindo e trigueiro, é o meu
Brasil, brasileiro, Terra de samba e pandeiro. Brasil, Brasil pra mim, pra mim.
(Aquarela
do Brasil, Ary Barroso)
O Brazil não conhece o Brasil. O Brasil
nunca foi ao Brazil.
Tapir,
jabuti, Ilianna, alamandra, ali, alaúde / Piau, ururau, aqui, ataúde / Piá-carioca,
porecramecrã / Jobim akarone Jobim-açu / Oh, oh, oh
Pererê,
câmara, tororó, olererê / Piriri, ratatá, karatê, olará /
O Brazil não merece o Brasil. O Brazil tá matando o Brasil
Jereba,
saci, caandrades / Cunhãs, ariranha, aranha / Sertões, Guimarães, bachianas, águas
/ Imarionaima, ariraribóia, / Na aura das mãos do Jobim-açu / Oh, oh, oh Jererê,
sarará, cururu, olerê / Blablablá, bafafá, sururu, olará /
Do
Brasil, SoS ao Brasil. Do Brasil, SoS ao Brasil Do Brasil, SoS ao Brasil
Tinhorão,
urutu, sucuri / O Jobim, sabiá, bem-te-vi / Cabuçu, Cordovil, Caxambi, olerê / Madureira,
Olaria e Bangu, Olará / Cascadura, Água Santa, Acari, Olerê / Ipanema e Nova
Iguaçu, Olará / Do Brasil, SoS ao Brasil Do Brasil, SoS ao Brasil.
(Querelas do Brasil, Maurício Tapajós
& Aldir Blanc)
Brasil já vai à guerra, comprou um
porta-aviões. Um viva pra Inglaterra de 82 bilhões. (Mas que ladrões!) Pergunta o Zé Povinho, governo varonil, coitado,
coitadinho do Banco do Brasil. (Ah, ah, quase faliu). A classe proletária na
certa comeria com a verba gasta diária em tal quinquilharia. (Sem serventia). Alguns
bons idiotas aplaudem a medida. O povo, sem comida, escuta as tais lorotas.
(Dos patriotas) Porém há uma peninha. De quem é o porta-avião? É meu, diz a Marinha. É meu diz, a Aviação. (Ah, revolução!) Brasil, terra adorada, comprou porta-aviões. 82 bilhões. Brasil, ó pátria amada. (Que palhaçada!)
(Dos patriotas) Porém há uma peninha. De quem é o porta-avião? É meu, diz a Marinha. É meu diz, a Aviação. (Ah, revolução!) Brasil, terra adorada, comprou porta-aviões. 82 bilhões. Brasil, ó pátria amada. (Que palhaçada!)
(Brasil já vai à guerra, Juca Chaves)
Brasil, quem é que seria o dono da Amazônia e
assim quem viveria se a Guanabara explodisse em gás e sangue, seria outra a sua
história. Inda bem, quem ama a vida não vai ser agora caçador, quem ama a vida
não vai ser agora matador [...]
(Capitão, Joyce & Fernando Brant)
Nas
favelas, no senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição. Mas
todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse? No Amazonas, no Araguaia,
na Baixada fluminense, no Mato grosso, Minas Gerais e no Nordeste tudo em paz. Na
morte eu descanso mas o sangue anda solto, manchando os papéis, documentos
fiéis ao descanso do patrão. Que país é esse? Terceiro Mundo se for piada no
exterior, mas o Brasil vai ficar rico, vamos faturar um milhão quando vendermos
todas as almas dos nossos índios num leilão. Que país é esse?
(Que país é esse? Renato Russo)
O Brasil cresceu visivelmente nestes oitenta
anos. Cresceu mal, porém. Cresceu como um boi mantido, desde bezerro, dentro de
uma jaula de ferro. Nossa jaula são as estruturas sociais mediodres, inscritas
na Constituição e nas leis, para compor um país da pobreza na província mais
bela da Terra. Se continuarmos sob a vigências destas leis, no Brasil do futuro
a maioria da gente nascerá e viverá nas ruas em fome canina e ignorância
figadal, enquanto a minoria rica, com medo dos pobres, se recolherá em
confortáveis campos de concentração, cercados de arame farpado e eletrificado.
Entretanto, é tão fácil nos livrarmos dessas teias, e tão necessário, que dói
nossa conivência sulposa. Vamos passar o Brasil a limpo, companheiros.
(Aos trancos e barrancos: como o Brasil deu
no que deu, Darcy Ribeiro).
[...] Já temos visto que o Estado, criatura
espiritual, opõe-se à ordem natural e a transcendo. [...] As formas superiores da sociedade devem ser
como um contorno congenico a ela e dela inseparável: emergem continuamente das
suas necessidades específicas e hamais das escolhas caprichosas. Há, porém, um demônio
pérfido e pretensioso, que se ocupa em obscurecer aoos nossos olhos estas
verdades singelas. Inspirados por ele, os homens se vêem diversos do que são e
criam novas preferencias e repugnâncias. É raro que sejam das boas.
(Raízes
do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda).
O enredo termina aqui. É parte de nossa
História, que eu, como povo, vivi.
A verdade escrita em sangue vira mito na
memória,
Mas tudo se deu assim, isso eu posso
garantir, porque, meninos, eu vi.
(Vargas,
Dias Gomes & Ferreira Gullar).
E pra
finalizar esse canto malcriado
precisamos nos
livrar dos malassombros.
Não deixar que
o Brasil só vire escombros
e a gente num
destino malsinado.
É preciso
botar num eixo aprumado
onde possa de
verdade a mãe gentil
ter justiça,
liberdade e coisas mil
que dê viver igual
e vamos nessa,
vamo logo
aprumar essa conversa
Vamo lá, pô,
tataritaritatá.
(Cordel
Tataritaritatá)
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Foto: Cláudia Alende (divulgação)
Recital Musical Tataritaritatá