BILHETE EXTRAVIADO – Outono de ano,
quase inverno na vida: preparo a caminhada na estrada infinita. Da primavera,
fagueiras fantasias: um quintal que era tudo e quase sem fim. O verão chegou
cedo: passei, nem vi direito. Apesar de tudo, aprendi da forma mais difícil,
nem direito até: cavalos que se arvoravam soltos e indomáveis, bispos ariscos de
banda, torres frágeis a se moverem solitárias e à deriva, rainha se antecipando
ao rei imóvel no xeque mate, que seja Dia Internacional do Sol – para mim é
todo dia, mesmo que chova canivetes ou o escambau! O que tenho para dizer são
minhas mãos espalmadas, meus braços doloridos, meu corpo cansado de lutas vãs. Fiz
o que pude até quase exaurir todas as minhas forças, esgotar os ânimos, liquidado
pelas adversidades. Mas não perdi a ternura e o sorriso, suplantei limites e que
seja Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, hoje outra coisa, matérias de
interesses, anúncios de fachadas, manchetes da mentira sensacionalista: vendem
tudo, até a alma. O que de mim restou por ambicionar direitos, trevas
dissolveram sonhos arrebatados. Sou o mundo porque inexiste o tempo, volta e
meia me desfiz em coisa vinda que não se sabe, amanhecendo esperanças,
anoitecendo vigílias e que seja Dia Internacional do Parlamento, outros
representantes de vícios, nada vale nessas ruas que não os meus prontos para
serem enterrados pelos que ditam leis contra os que estão de fora da corriola. Por
conta própria escolhi a solidão, no que logro ou ignoro por resolver um só
problema e criar outros tantos improváveis e interinos, mesmo sem querer. Meço
o trecho que me cabe para igualar o que não sei que é, porque infrigi a regra
de ouro ao desatino, somente sou braços abertos a quem chegar. E me basto de
nada, lições de partir e se perder, sou para a vida. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] o projeto apresentado em 1965 pelo deputado
federal Áureo Melo destinado a “proibir registro de nomes ridículos ou
humilhantes”. [...] O Congresso
Nacional decreta: Art. 1º. Fica proibido em todo o território nacional, o
registro, pelas autoridades, de nomes próprios que venham a se constituir, por
serem ridículos ou humilhantes, motivo de prejuizo moral àqueles a quem forem
dados. Art. 1ª. Ficam passíveis de multa, que será arbitrada em um mínimo de
Cr$ 1.000,000 (hum milhão de cruzeiros), todos aqueles que infrigirem o
disposto no artigo anterior. [...] Tal
projeto era acompanhado por esta breve justificação: “Sandália de Oliveira
Silva; Maria dos Prazeres Fortes; Sherlock Holmes da Silva; Adolf Hitler de
Oliveira, etc. Tais são os nomes que tivemos ensejo de encontrar, legalizados e
em pleno vigor, e com os quais arcam, como um verdadeiro estigma, oriundo da
ignorância dos pais e escrivãos [...] Pode
servir de exemplo o caso do desembargador Francisco Gonçalves de Campos,
magistrado no Acre, que deu a seus filhos nomes extremamente curiosos, todos
oriundos de suas propensões literárias. Ao primeiro nascido, deu o nome de
Prólogo de Campos. O segundo recebeu o nome de Verso de Campos. Nasceu depois
uma menina, que recebeu o nome de Estrofe. Veio, então, o quarto filho, que os
pais supunham que seria o último, donde o seu nome: Epílogo de Campos. Mas, ao
fim de algum tempo, imprevista gravidez da esposa do honrado desembargador
anunciou novo aumento da prole. Nasceu uma menina que se chamou Poesia de
Campos. E em seguida, veio ainda uma filha. Que fazer? Como batizá-la? Só
ocorreu uma solução: ela se chamaria Errata de Campos! E assim foi feito, pois
que a colocação da Poesia após o Epílogo estava mesmo pedindo Errata... (A
relação foi fornecida pelo ex-deputado Epílogo de Campos, que confessa nunca
ter tido qualquer dificuldade motivada por seu nome singularíssimo) [....].
Trechos
extraídos da obra Como você se chama? Estudo
sócio-psicológico de prenomes e cognomes (Documentário, 1974), do saudoso escritor,
historiador, jornalista, escritor e teatrólogo Raimundo Magalhães Júnior
(1907-1981). Veja mais aqui e aqui.
A POESIA DE ANA CRISTINA
CESAR
NOITE DE NATAL: Noite de Natal. / Estou bonita que é um
desperdício. / Não sinto nada / Não sinto nada, mamãe / Esqueci / Menti de dia
/ Antigamente eu sabia escrever / Hoje beijo os pacientes na entrada e na saída
/ com desvelo técnico. / Freud e eu brigamos muito. / Irene no céu desmente:
deixou de / trepar aos 45 anos / Entretanto sou moça / estreando um bico fino
que anda feio, / pisa mais que deve, / me leva indesejável pra perto das /
botas pretas / pudera
CARTILHA DA CURA:
As mulheres e as crianças são as primeiras que / desistem de afundar navios.
ANÔNIMO: Sou linda; gostosa; quando no cinema você
roça o ombro em mim aquece, escorre, já não sei mais quem desejo, que me
assaviva, comendo coalhada ou atenta ao buço deles, que ternura inspira aquele
gordo aqui, aquele outro ali, no cinema é escuro e a tela não importa, só o
lado, o quente lateral, o mínimo pavio. A portadora deste sabe onde me encontro
até de olhos fechados; falo pouco; encontre; esquina de Concentração com
Difusão, lado esquerdo de quem vem, jornal na mão, discreta.
MOCIDADE
INDEPENDENTE: Pela
primeira vez infringi a regra de ouro e voei pra cima sem medir mais as
consequências. Por que recusamos ser proféticas? E que dialeto é esse para a pequena audiência de serão? Voei pra cima: é agora, coração, no carro em fogo
pelos ares, sem uma graça atravessando o Estado de São Paulo, de madrugada, por
você, e furiosa: é agora, nesta contramão.
Poemas da escritora e tradutora Ana Cristina
César – Ana C. (1952-1983). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
A ARTE DE HELENA HAUSS
&
A OBRA DE MILTON SANTOS
A clarividência é uma virtude que se adquire
pela intuição, mas sobretudo pelo estudo e tentar ver a partir do presente o
que se projeta no futuro.
&
A OBRA DE NÉLIDA PIÑON
O escritor não deve apenas criar, mas deve
também emprestar a sua consciência à consciência dos seus leitores, sobretudo
num país como o Brasil. Se vive e se escreve sem rede de segurança. Eu não
confio no Estado. Eu confio na vigilância da sociedade. Quando os direitos
humanos são desrespeitados em casa, tornam-se públicos. Se a imaginação edifica
enredos de amor, o corpo fatalmente sofre seus efeitos. O ser humano é um
peregrino. É só na aparência que ele tem uma geografia. Só envelhece quem vive.