O SONHO & A
DECEPÇÃO DE CAROLINA – Carolina nasceu filha de fazendeiro e neta de
barão, no Rio de Janeiro, na Belle Époque – leia-se final do século 19,
mas passou quase toda sua infância em Petrópolis. Como era filha do diplomata do
império e um dos criadores da Academia Brasileira de Letras, educou-se na
Europa e passou a sua adolescência nos Estados Unidos, onde seu pai era
embaixador. Retornou ao Brasil com formação linguística e literária, verdadeira
senhorinha da sociedade que dialogava tanto no francês como no inglês. Aos 38
anos publicou seu primeiro livro: uma biografia paterna que foi premiada pela
ABL. A partir daí quase viveu no céu, não fossem duas coisinhas um tanto desagradáveis:
a primeira era que seu pai foi um político daqueles que contribuíram ativamente
para o Fecamepa e, a outra, a polêmica do seu livro A sucessora e
a Rebecca da Daphne du Maurier, este último, inclusive, que virou
peça teatral, em 1939, e, posteriormente, um filme pelas mãos de nada mais que Hitchcock,
em 1940. Seguinte: Carolina, segundo ela própria conta noutra de suas obras, o Oito
décadas, traduzira o seu polêmico romance para o inglês, enviando-o para
uma agência literária de New York e outra da Inglaterra, na esperança de vê-lo
publicado por lá. Depois de muitas tentativas e alguns desleixes, certo dia ela
compra um livro e, ao ler, viu que era a sua obra, mas com outro título e outra
autora que não ela. Ora! Investigações daqui, outras celeumas dali, até que o New
York Times Book Review destacou a semelhança entre os dois romances. E quando o
filme foi lançado no Brasil, os advogados da United Artists fizeram uma proposta
para ela sobre as badaladas coincidências, oferecendo-lhe compensação
financeira. Ela bateu o pé e negou-se a tal. Isso porque o seu romance A
sucessora fora escrito em 1934, enquanto o da Rebecca foi escrito em
1937, conforme detectou Nina Auerbach, da Universidade da Pensilvânia. O escândalo
deu pano pras mangas e parece que ficou o dito pelo não dito. Tanto é que em 1978,
a TV Globo adaptou A sucessora para televisão. Passaram-se os anos e Carolina
tornou-se tradutora, escritora, crítica literária, católica fervorosa, nunca se
casou nem teve filhos e levou uma vida bastante discreta. Escreveu romances,
contos, biografias e uma história da literatura estadunidense. Aos 91 anos de idade
ela faleceu no Rio de Janeiro, vítima de uma parada cardíaca. Com ela foi-se
tudo o mais. Veja mais abaixo e mais aqui, aqui, aqui & aqui.
DITOS &
DESDITOS - O Brasil havia sido Império e conservava (ou pelo menos conservou até
recentemente) muito da feição do regime patriarcal que vigorava então. Eu, neta
de fazendeiros senhores de escravos, guardava muito da mentalidade de uma
sinhazinha, mentalidade que transmiti à minha heroína Marina... Palavras da
escritora e tradutora Carolina Nabuco (Maria Carolina Nabuco de Araújo (1890-1981),
em seu livro Oito décadas – memórias (1973 - Nova Fronteira, 2000), em
referência à personagem do seu plagiado livro A Sucessora (Companhia
Editora Nacional, 1934), no qual ela expressa que: [...] Marina vinha de
outro meio. O Brasil dela era o velho Brasil agreste dos antepassados
fazendeiros. Roberto tinha sangue estrangeiro, tinha avós vindos da Flandres,
emigrantes de terceira classe. Os de Marina haviam sido por muitas gerações
proprietários de Santa Rosa, a fazenda mais antiga do Estado do Rio. [...].
Este livro une prosa intimista e psicológica ao dar voz a uma protagonista
feminina: Marina, jovem criada na fazenda que se casa com o viúvo Roberto
Steen. Ao mudar-se para a mansão dele, no Rio de Janeiro, Marina se depara com
o retrato de Alice, a falecida esposa, e passa a sentir a presença dela. Sobre a
obra a crítica literária Nelly Novaes Coelho expressa: [...] se mesclam
atitudes, tendências ou ideais contrastantes que expressam bem o processo de
modernização no Brasil da década de 1930, processo em que se defrontam os
valores aristocratizantes da sociedade tradicional em declínio (a dos grandes
proprietários de terra e suas legiões de trabalhadores-escravos) e da sociedade
moderna em ascensão (a dos industriais e alto comércio, construída
principalmente pelos imigrantes que passam a ser os novos ricos). Essas duas
classes – a da aristocracia rural brasileira e a dos novos ricos urbanos –
estão representadas no romance por Roberto (descendente de imigrantes e novo
rico), casado em segundas núpcias com Mariana (descendente da aristocracia
rural empobrecida). [...]. Conta-se que o romance em comento alcançou muito
sucesso com a publicação de Rebecca, da escritora inglesa Daphne du
Maurier, publicado em 1938, texto que deu origem ao filme de Hitchcock. Por
conta disso, o seu romance A sucessora teria sido plagiado e deu motivo a
debate jornalístico, porque a escritora inglesa copiou não somente o enredo,
como situações e diálogos da obra, detectado, inclusive, pela imprensa e críticos
estadunidenses. Carolina Nabuco é autora de obras como A Vida de Joaquim
Nabuco (1929), Chama e Cinzas (1947), Meu Livro de Cozinha
(1977), O Ladrão de Guarda-Chuva e Dez Outras Histórias (contos), Oito
décadas (memórias), Santa Catarina de Siena (biografia), Virgílio
de Melo Franco (biografia) e Retrato dos Estados Unidos à luz da sua
literatura (ensaio). Ela recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia
Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra.
ALGUÉM FALOU: Um emprego em tempo integral, com um
salário decente, contrato indefinido e férias pagas hoje é uma quimera... Esta foi a conclusão a que chegou a
jornalista francesa Florence Aubenas, com a experiência de escrever e
publicar o seu livro El muelle de Ouistreham (Editorial Anagrama, 2011).
A
jornalista coletou neste livro sua experiência por seis meses como candidata a
emprego. Para obter as informações necessárias, fingiu ser uma mulher de 48
anos sem trabalho, recém-separada e sem experiência de trabalho, disposta a
fazer nada. Durante esse meio ano, ela trabalhou por horas como faxineira em
uma balsa que atravessa o Canal de La Mancha, em um acampamento e em prédios de
escritórios com salários abaixo do salário mínimo.
ALGUÉM MAIS
FALOU: Os homens fazem a
guerra. As mulheres dão vida a quem faz a guerra, a quem nos mata, a quem nos
viola. Sofremos as consequências, preservando a vida... De um jornalista libanês do An Nahar.
Tu és Aton, tu és Eterno...






