domingo, maio 03, 2015

AKHENATON, EURÍPEDES, SHELLEY, OSWALD, TRUFFAUT, MAQUIAVEL, NÉLIDA, KITARO, AURÉLIO, LINGNER & KOZORIZ.

Imagem da artista plástica Nina Kozoriz. Veja mais aqui.

HINO AO SOL.
Akhenaton (Amenhotep ou Amenófis IV)

Bela é a tua alvorada, oh Aton vivo, Senhor da eternidade!
Tu és brilhante, tu és belo, tu és forte!
Grande e profundo é o teu amor; os teus raios cintilam nos olhos de todas as criaturas; a tua pele espalha a luz que faz os nossos corações viver.
Tu encheste as Duas Terras com o teu amor, oh belo Senhor, que a ti mesmo te criaste, que criaste a Terra inteira e tudo o que nela se encontra: os homens, os animais, as árvores que crescem no chão.
Levanta-te para lhes dar vida, pois tu és a mãe e o pai de todas as criaturas.
Os seus olhos voltam-se para ti, quando ascendes no firmamento.
Os teus raios iluminam toda a Terra; o coração de cada um enche-se de entusiasmo, quando te vê, quando tu lhe apareces como seu Senhor.
Quando te pões no horizonte ocidental do céu, as tuas criaturas adormecem como mortos; obscurecem-lhes os cérebros, tapam-se-lhes as narinas, até que de manhã se renova o teu brilho no horizonte oriental do céu.
Então, os seus braços imploram o teu Ka, a tua beleza acorda a vida e renasce-se!
Tu ofereces-nos os teus raios e toda a Terra está em festa; canta-se, toca-se música, soltam-se gritos de alegria no pátio do castelo do Obelisco , o teu templo de Akhenaton, a grande praça que tanto te agrada, onde te oferecem alimentos como homenagem...
Tu és Aton, tu és Eterno...
Tu criaste o longínquo céu para aí te elevares e veres as coisas que criaste.
Tu és único e, no entanto, dás vida a milhões de seres, é de ti que as narinas recebem o sopro da vida.
Quando vêem os teus raios, todas as flores vivem, essas mesmas que crescem no chão e se abrem quando tu apareces.
Com a tua luz se embriagam.
Todos os animais se levantam de um salto, os pássaros que estavam nos seus ninhos abrem as suas asas, para fazerem preces a Aton, fonte da vida.
(Referência: CHIANG, Sing. Nefertiti e os mistérios sagrados do Egito. São Paulo: Conhecimento, 2006).

Ouvindo o álbum From the Full Moon Story (Polydor, 1979), do compositor, músico e multi-instrumentista Kitaro. Veja mais aqui.

PROGRAMA BRINCARTE DO NITOLINO – Hoje é dia do Programa Brincarte do Nitolino, a partir das 10hs, no blog do Projeto MCLAM, com apresentação de Isis Corrêa Naves. Na programação Turma da Mônica, Sandra Fayad, Turminha do Tio Marcelo, Meimei Corrêa, A criancinha que consertou o homem e o mundo, As pererecas sapecas, Valores éticos e morais no contexto do cotidiano das crianças, Patati & Patatá, Doutora July & muita música, muita poesia, histórias e brincadeiras pra garotada. Logo após a apresentação, acontece a programação do Domingo Romântico com reprise de todos os programas da semana. E também é o momento de participar da promoção Brincarte do Nitolino aqui. Para conferir o programa ao vivo e online é só ligar aqui e aqui.

MANIFESTO PAU BRASIL – No Dia do Pau Brasil, nada mais justo que trazer aqui o Manifesto Pau-Brasil (Correio da Manhã, 1924), do escritor, ensaísta e dramaturgo do Modernismo brasileiro, Oswald de Andrade (1890-1954): A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes e das frases feitas. Negras de Jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil. O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho. A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária. Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se deformaram como borrachas sopradas. Rebentaram. A volta à especialização. Filósofos fazendo filosofia, críticos, critica, donas de casa tratando de cozinha. A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem. Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo : o teatro de tese e a luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra de sociólogos, de homens de lei, gordos e dourados como Corpus Juris. Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Agil e ilógico. Ágil o romance, nascido da invenção. Ágil a poesia. A poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança. Uma sugestão de Blaise Cendrars : - Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino. Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias. A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos. Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros. Uma única luta - a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação. Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sábias do mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar. Quadros de carneiros que não fosse lã mesmo, não prestava. A interpretação no dicionário oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho... Veio a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a máquina fotográfica. E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade de olho virado - o artista fotógrafo. Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Stravinski. A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas. Só não se inventou uma máquina de fazer versos - já havia o poeta parnasiano. Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as elites começaram desmanchando. Duas fases: 1º) a deformação através do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne e Malarmé, Rodin e Debussy até agora. 2º) o lirismo, a apresentação no templo, os materiais, a inocência construtiva. O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidência da primeira construção brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil. Como a época é miraculosa, as leis nasceram do próprio rotamento dinâmico dos fatores destrutivos. A síntese O equilíbrio O acabamento de carrosserie A invenção A surpresa Uma nova perspectiva Uma nova escala. Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil O trabalho contra o detalhe naturalista - pela síntese; contra a morbidez romântica - pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa. Uma nova perspectiva. A outra, a de Paolo Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilusão ética. Os objetos distantes não diminuíam. Era uma lei de aparência. Ora, o momento é de reação à aparência. Reação à cópia. Substituir a perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outra ordem: sentimental, intelectual, irônica, ingênua. Uma nova escala: A outra, a de um mundo proporcionado e catalogado com letras nos livros, crianças nos colos. O redame produzindo letras maiores que torres. E as novas formas da indústria, da viação, da aviação. Postes. Gasômetros Rails. Laboratórios e oficinas técnicas. Vozes e tics de fios e ondas e fulgurações. Estrelas familiarizadas com negativos fotográficos. O correspondente da surpresa física em arte. A reação contra o assunto invasor, diverso da finalidade. A peça de tese era um arranjo monstruoso. O romance de idéias, uma mistura. O quadro histórico, uma aberração. A escultura eloquente, um pavor sem sentido. Nossa época anuncia a volta ao sentido puro. Um quadro são linhas e cores. A estatuária são volumes sob a luz. A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente. Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres. Temos a base dupla e presente - a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a algebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de "dorme nenê que o bicho vem pegá" e de equações. Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas; nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil. Obuses de elevadores, cubos de arranha-céus e a sábia preguiça solar. A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalidade um pouco sensual, amorosa. A saudade dos pajés e os campos de aviação militar. Pau-Brasil. O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da literatura nacional. Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em sua época. O estado de inocência substituindo o estada de graça que pode ser uma atitude do espírito. O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica. A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna. Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia. Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil. Veja mais aqui.  

MEDEIA – A tragédia Medeia (431aC), poeta trágico grego Eurípedes (480-460aC), foi apresentada nas Grandes Dionísias, apresenta uma história que se passa em Corinto, trazendo o retrato psicológico de uma mulher na condição de esposa repudiada e estrangeira perseguida que rejeita o conformismo tradicional, a ponto de matar os filhos para vingar-se do marido infiel que se casa com Glauce, a filha de Creonte, o rei de Corinto. Dessa peça teatral destaco o trecho a seguir: (Entra Medeia.) Medeia: Saí de casa, ó mulheres de Corinto, para que nada me censurei. Porque eu sei que muitos dentre os mortais são arrogantes, uns longe da vista, outros à porta de casa; outros, atravessando a vida com passo tranqüilo, hostil fama ganharam de vileza. Porque não há justiça aos olhos dos mortais, se alguém antes de bem conhecer o íntimo do homem, o odeia só de o ver, sem ter sido ofendido. Força é que o estrangeiro se adapte à nação; tampouco louvo do cidadão que é acerbo para os outros, por falta de sensibilidade. Sobre mim este feito inesperado se abateu, que a minha alma destruiu. Fiquei perdida e tenho de abandonar as graças desta vida para morrer,, amigas. Aquele que era tudo para mim (ele bem o sabe) no pior dos homens se tornou - o meu esposo. De quanto há aí dotado de alma e de razão, somos nós, mulheres, a mais mísera criatura. Nós, que primeiro temos de comprar, à força de riqueza, um marido e de tomar um déspota do nosso corpo - dói mais ainda um mal do que o outro. E nisso vai o maior risco, se o tomamos bom ou mau. Pois a separação para a mulher é inglória, e não pode repudiar o marido. Entrada numa raça e em lei novas, tem de ser adivinha, sem ter aprendido em casa, de como deve tratar o companheiro de leito. E quando o conseguimos com os nossos esforços, invejável é a vida com um esposo que não leva o jugo à força; de outro modo antes a morte. O homem, quando o enfadam os da casa, saindo, liberta o coração do desgostos. Para nós, força é que contemplemos uma só pessoa. Dizem: como nós vivemos em casa uma vida sem risco, e ele a combater com a lança. Insensatos! Como eu preferiria mil vezes estar na linha de batalha a ser uma só vez mãe! Mas a vós e a mim não serve a mesma argumentação. Vós tendes aqui a vossa cidade e a casa paterna, a posse do bem-estar e a companhia dos amigos. E eu, sozinha, sem pátria, sou ultrajada pelo marido, raptada duma terra bárbara, sem ter mãe, nem irmão, nem parente, para me acolher desta desgraça. Apenas isto de vós quero obter: se alguma solução ou processo eu encontrar para fazer pagar ao meu marido a pena deste ultraje, guardai silêncio. Aliás, cheia de medo é a mulher, e vil perante a força e à vista do ferro. Mas quando no leito a ofensa sentir, não há aí outro espírito que penda mais para o sangue. Coro: Assim farei. Com justiça castigarás o teu marido, ó Medeia. Não me admiro que deplores a tua sorte. Mas vejo também Creonte, o príncipe desta terra, que se aproxima, mensageiro de novas deliberações. Veja mais aqui, aqui e aqui.

BELFAGOR, O ARQUIDIABO – O conto Belfagor, o arquidiabo (1549), do escritor, filósofo, historiador e dip0lomata italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527), conta as desventura do diabo mandado à terra como ser humano para verificar o matrimônio, criticando a corrupção dos costumes e defendendo a liberdade com a visão do autor da sociedade medieval. Da obra destaco o trecho: [...] foi-se Belfagor ao mundo e, devidamente provido de cavalos e acompanhantes, entrou ele em Florença com o maior aparato. Escolhera esta cidade para domicílio, entre todas as demais, por lhe parecer a mais plausível para quem quisesse viver empregando o seu dinheiro em negócios. Fez-se chamar Rodrigo de Castela e alugou uma casa no bairro de Todos os Santos [Ognissanti]. Para que não pudessem descobrir-lhe os antecedentes, disse ter partido da Espanha ainda criança; dali fora à Síria e a Alepo, onde ganhara tudo o que possuía; de lá viajara para a Itália, a fim de se casar num lugar mais humano e mais conforme à vida civilizada e à sua própria índole. Era Rodrigo um moço formoso, que aparentava trinta anos. Em poucos dias demonstrara ele quantas riquezas tinha e dera provas da sua liberalidade e humanidade; logo vários cidadãos nobres, providos de muitas filhas e pouco dinheiro, lhe ofereceram os seus préstimos. Entre todas, Rodrigo escolheu uma belíssima donzela chamada Honesta, filha de Américo Donati, que tinha mais três filhas, quase em idade de se casar, e três filhos já adultos. De família muito nobre e tido em bom conceito em Florença, era no entanto muito pobre, levando-se em conta a sua numerosa prole e a sua condição. Rodrigo celebrou as suas núpcias com esplendor e grandeza, não descuidando de nada que seja necessário em tais circunstâncias, pois entre as obrigações que lhe foram impostas ao sair do Inferno, estava a de sujeitar-se a todos os caprichos humanos; assim, logo passou a deleitar-se com as honrarias e pompas do mundo e a gostar de ser louvado entre os homens, coisas que o levaram a grandes gastos. Por outro lado, não tardou muito a apaixonar-se perdidamente por sua D. Honesta e quase não conseguia viver quando a encontrava triste ou aborrecida. Com a sua nobreza e formosura, a senhora Honesta levara consigo para a casa de Rodrigo um orgulho tão desmesurado que mesmo Lúcifer não o tivera igual. Rodrigo, que podia comparar um e outro, considerava o da sua mulher infinitamente superior, e consta que ainda chegou a ser maior quando percebeu o amor que seu marido sentia por ela. Imaginando ser por todas as maneiras a dona absoluta, dava as suas ordens sem consideração ou piedade, e se ele relutasse a fazer as suas vontades, desatava em recriminações e injúrias, o que era para o pobre Rodrigo motivo de viva pena e aflição. Sem dúvida, por consideração ao seu sogro, aos seus cunhados e demais parentes, por respeito aos deveres do casamento e pelo amor que dedicava à esposa, sofria os seus males com a maior paciência. Quero passar em silêncio sobre os grandes gastos a que era obrigado para contentá-la, vestindo segundo os novos costumes e as modas mais recentes, que a nossa cidade varia por hábito natural; nem lembrarei que, para ela o deixar em paz, teve ele de ajudar o sogro a casar as outras filhas, o que lhe fez despender também considerável importância. Depois, querendo manter-se em boa paz com a mulher, consentiu em mandar um dos irmãos dela ao Oriente com casimira, e outro para o Ocidente levando sedas, ao passo que para o terceiro irmão abriu em Florença uma oficina de ourives, em que despendeu a maior parte do dinheiro que possuía. Além disso, nas festas de Carnaval e de S. João, celebradas pela cidade inteira segundo tradição antiga, quando grande número de cidadãos nobres e ricos se honravam uns aos outros com magníficos banquetes, D. Honesta, para não ficar atrás de outras damas, queria que o seu Rodrigo superasse a todos os demais com as suas festas. Tudo isto, suportava-o Rodrigo pelos motivos supracitados; apesar de gravíssimas, nem graves as teria achado se houvessem introduzido a paz em sua casa, permitindo-lhe aguardar em sossego o momento de sua própria ruína. Mas foi o contrário o que aconteceu, pois a índole insolente da esposa, além das despesas insuportáveis, carrearam-lhe inúmeros aborrecimentos. Nenhum criado a aguentava, não digo por muito tempo, mas nem sequer por alguns dias. Para Rodrigo era o mais duro dos incômodos não possuir um criado que tivesse amor à sua casa. Os próprios diabos que trouxera consigo como domésticos preferiram voltar aos fogos do Inferno a viver no mundo sob as ordens daquela mulher [...]. Veja mais aqui.

AOS HOMENS DA INGLATERRA – No livro Complete Poetical Works (1901), da poeta, tradutora e ensaísta do Romatismo inglês Percy Bysse Shelley (1792-1822), destaco o poema Aos homens da Inglaterra: Homens da Inglaterra, por que arar / para os senhores que vos mantêm na miséria? / Por que tecer com esforço e cuidado / as ricas roupas que vossos tiranos vestem? / Por que alimentar, vestir e poupar / do berço até o túmulo, / esses parasitas ingratos que / exploram vosso suor – ah, que bebem vosso sangue? / Por que, abelhas da Inglaterra, forjar / muitas armas, cadeias e açoites / para que esses vagabundos possam desperdiçar / o produto forçado de vosso trabalho? / Tendes acaso ócio, conforto, calma, / abrigo, alimento, o bálsamo gentil do amor? / Ou o que é que comprais a tal preço / com vosso sofrimento e com vosso temor? / A semente que semeais, outro colhe. / A riqueza que descobris, fica com outro. / As roupas que teceis, outro veste. / As armas que forjais, outro usa. / Semeai – mas que o tirano não colha. / Produzi riqueza – mas que o impostor não a guarde. / Tecei roupas – mas que o ocioso não as vista. / Forjai armas – que usareis em vossa defesa. Veja mais aqui.

FUNDADOR – O romance Fundador (Labor, 1976), da escritora Nélida Piñon, envolve uma narrativa labiríntica e investigativa sobre religião, filosofia, história e acontecimentos do personagem Fundador e Monja, no qual destaco o trecho: [...] Ptolomeu analisou aquele rosto. O semblante de Johanus e Fundador. O mesmo hábito de reclamar ou proclamar a inconsistência. A história avançando em suas feições. Quase Ptolomeu lhe confessando que devia, sim, partir imediatamente, também fundar sua cidade, ou descobrir as razões do sangue débil e impreciso. Morrer toma tempo, pensou Ptolomeu apressado. Joe movimentou-se para partir. Reservava com o mais alto dos poderes a imagem do amigo. Esquivando-se a contatos mais comoventes. Receava a precipitação dos sentimentos albergados tanto tempo. Bem podiam viver sem eles. Acompanhou-o à porta. Olharam-na então. Ptolomeu convencia-se da frágil vitória. Estivera certo por tempo demasiado, e merecia agora silêncio. – Johanus chegou onde eu quis, disse o velho, mais parecendo delirar. – Johanus? De quem se trata? Joe contraía-se, como se aceitasse o malogro de toda ação futura. – Eu lhe prometi Jerusalém, agora sei que conseguiu chegar. Joe tomou-o pelos ombros, insistente. Convertendo em caricia o gesto inicialmente mais forte. Mas, Ptolomeu esquivava-se. Embora com amizade. Não pretendia transbordar a taça. – Cansaço, apenas, murmurou débil. E se desligou. Joe ainda o viu entrando na loja. Começava a fechar a primeira das três portas. Veja mais aqui.

AURÉLIO: O PAI DOS BURROS - No eu tempo de ginásio, eu gritava na sala de aula: - Dá meu Pai dos Burros, cara! E era de todos os tamanhos: meu pai comprou um Aurelião pra ele, um Aurélio pra mim e um Aurelinho que era revezado por minhas irmãs – uma estudava de manhã; a outra, de tarde. Eu mesmo surrupiava o Aurelião dele e impava de empáfia desfilando rua acima e entre as bancas da escola. Brincava até de caçar palavras, quando encontrava alguém e pedia para que dissesse uma bem estrambólica, do tipo daquelas bem estranhas que eu pinçava quando, com 10 anos de idade, virei copista no cartório e transcrevia as sentenças do juiz num livro denominado Tombo de Registro de Sentenças. Eu me deleitava quando flagrava uma que eu não sabia e corria lá folheando pra saber o significado. Era bom demais saber o que os doutos falavam. Findei ficando com o Aurelião pra mim, ainda hoje o tenho na estante. Essa minha homenagem ao dicionarista, lexicógrafo, filólogo e ensaísta Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira (1910-1989). Veja mais aqui.

LES QUATRE CENTS COUPS – O premiado drama Les quatre cents coups (Os incompreendidos, 1959), do cineasta francês e fundador da Nouvelle Vague François Truffaut (1932-1984), foi um dos filmes que mais assisti na minha adolescência, quando eu mandava ver pintando o sete. Trata-se de uma história quase autobiográfica e inspirada na experiências da infância e adolescência do cineasta, contando a história de um garoto que se rebela contra o autoritarismo da escola e o desprezo de sua mãe e padrasto. Sentindo-se rejeitado, ele passa a gazear aulas, frequentando cinemas e conversando com amigos (ôpa, essa história é minha!). Daí, então, ele passa a vivenciar descobertas e cometendo pequenos delitos até ser preso num reformatório como punição dos próprios pais. O filme ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes (1959). Veja mais aqui e aqui.

IMAGEM DO DIA
Water Nymph (1856) do pintor alemão Otto Lingner (1856-1917).
Veja mais aqui.


Veja mais sobre:
Maria Esperantina, orgasmo de uma noite & nunca mais, a poesia de Ascenso Ferreira, O sexo na história de Reay Tannahill, a literatura de Ulrike Marie Meinhof, Oropa, França & Bahia de Alceu Valença, Trem das Alagoas de Guazzelli & a arte de Xenia Hausner aqui.

E mais:
A função do orgasmo de Wilhelm Reich, La rebelión de las masas de José Ortega y Gasset, a poesia de Ascenso Ferreira, a música de Alexander Scriabin, a pintura de Renato Alarcão, a arte de Pablo Garat, Orgazmo & O orgasmo de Esperantina aqui.
O suicídio de Karl Marx, As caçarolas de Tolinho & Bestinha, A primavera de Ginsberg & Padre Bidião aqui.
Salmo da Cana, Os doze trabalhos de Peisândro de Rodes, Os trabalhos e os dias de Hesíodo, Germinal de Émile Zola, O operário em construção de Vinicius de Moraes, a gravura de Cândido Portinari, O informe de Brodie de Jorge Luis Borges, a escultura de Auguste Rodin, a música de Chico Buarque, o teatro de Nelson Rodrigues, Tempos modernos de Chaplin, a arte de Magda Mraz & Infância, Imagem e Literatura: uma experiência psicossocial na comunidade do Jacaré – AL aqui.
Quando ela dança tangará no céu azul do amor, A condição pós-moderna de Jean-François Lyotard, A estética da desaparição de Paul Virilio, a música de Anna-Sophia Mutter, a pintura de Eloir Junior & Alex Alemany, David Peterson, Luciah Lopez, a arte de Carlos Zemek & Magnum Opus de Isabel Furini aqui.
Elucubrações das horas corrida, O pensamento comunicacional de Bernard Miège, O outro por si mesmo de Jean Baudrillard, a pintura de Vicente Romero Redondo & Edilson Viriato, a coreografia de Doris Uhlich, a arte de Efigênia Rolim, Meu delírio de Érica Christieh, a música de Sarah Brasil, a arte de David Lynch & Sandra Hiromoto aqui.
Se não vai de um jeito, vai de outro, A marcha da insensatez de Barbara Tuchman, A educação com carinho de Lidia Natalia Dobrianskyj Weber, a música de Kyung-Wha Chung, a pintura de Joan Miró & Eugène Leroy, a arte de Anna Dart & Eugene J. Martin, Remando no éden de Bárbara Lia, a fotografia de Faisal Iskandar, Revista Poética Brasileira & Mhario Lincoln aqui.
Palco da vida, A terceira mulher de Gilles Lipovetsky, A vida mística de Jesus de Harvey Spencer Lewis, Toda palavra de Viviane Mosé, a música de Andersen Viana, a pintura de Maria Szantho & Maxime des Touches, a arte de Katia Kimieck & Vavá Diehl, Roseli Rodrigues & Balé Teatro Guaíra aqui.
Do raiar do dia aos naufrágios crepusculares, A metafísica da realidade virtual de Michael R. Heim, História dos hebreus de Flavio Josefo, a música de Milton Nascimento & Fernando Brant, a poesia de Helena Kolody, a fotografia de André Brito, a arte de Rollandry Silvério, a pintura de George Grosz & Fernando Rosa, Estilhaços da catarse de Carla Torrini aqui.
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    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Gema (2013), Live from Aurora (2016), Phenomena (2019) e Devaneio (2023), da banda instr...