quinta-feira, maio 14, 2015

WATTS, LESSING, MACHADO, EURÍDICE, MÁRIO DE ANDRADE, KILKERRY, COROT, GLUCK, VERA FISCHER E ANIVERSÁRIO DE MEIMEI CORRÊA.

Imagem: Eurydice Wounded (1868-70) do pintor realista francês Jean-Baptiste Camille Corot (1796-1875). Veja mais aqui.

EURÍDICE – (Imagem: Eurydice, do escultor austríaco Joseph Edgar Boehm - 1834-1890) - A ninfa Eurídice encantou o coração do músico Orfeu, filho de uma das nove musas Calíope e do deus Apolo, que por ela se apaixonou e se casaram. Contudo, a beleza da ninfa encantava outros homens e, entre eles, o apicultor que, ao receber a recusa dela, começou a persegui-la. Ela fugiu e na fuga foi picada por uma cobra, findando por falecer. Com a sua morte, Orfeu foi tromado por uma tristeza profunda, entoando tristes melodias que faziam os deuses chorar. Eles então apiedados com a sua lamúria, recomendaram que seguisse ao Hades e convecesse o Rei dos Mortos a devolvê-la. Orfeu partir até descer ao mundo inferior tocando sua maravilhosa Lira que logo conveceu Carante a encaminhá-lo pelo Estige, adormecendo o cão de três cabeças e guarda do submundo, Cérbero, e amansando os monstros que lhe vinham deter sua empreitada. Ao chegar ao Hades tocando a sua lira, o Senhor dos Mortos concedeu que resgatasse a amada, sob a condição de que não deveriam olhar para trás até que chegassem à superficie. Assim Orfeu conduziu-a ao som de melodias lindíssimas de felicidade, até que no meio do caminho Eurídice caiu e o chamou, virando-se para socorrê-la, percebeu um fiapo de fumaça que se esvaia junto com a última lamúria de amor da mulher. A partir de então, Orfeu recusou-se a casar-se com qualquer outra mulher, até ofender com sua recusa as Mênades que, por vingança, depois de muitas tentativas sem êxito, conseguiram mata-lo e esquarteja-lo, atirando a sua cabeça no Rio Hebro, que clamava: - Eurídice! Eurídice! As Musas enterraram-no no Monte Olimpo e ele pôde unir-se à sua amada nos Campos Elisios. Veja mais aquiaqui, aqui e aqui.

Curtindo a ópera Orfeu e Eurídice (1762 - Verona Records), do compositor alemão Christoph Willibald Gluck (1714-1787), com Kathleen Ferrier e a Orchestra and Chorus of the Netherlands Opera, conducted by Charles Bruck.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? – Estava eu cá comigo, as ideias conversando. O que tem que comemorar hoje? – perguntei a mim mesmo. O que? O que há para comemorar hoje? O aniversário da Meimei Corrêa. Ah, tá. Isso é bom, pois a vida é uma celebração cíclica de nascimentos e renascimentos. A cada instante se nasce, morre e renasce. A morte participa da vida e assim vamos até findar a experiência na Terra. Mas não tenho que falar nada disso, afinal hoje é aniversário de Meimei Corrêa. É disso que tenho que falar, não de outra coisa. Pois bem. Há alguns anos atrás, por meio da rede, conheci o trabalho da radialista e poeta Meimei Corrêa. Ela realizava o programa Domingo Romântico, um espaço radiofônico para lá de extraordinário. Virei fã. E tempos depois, pudemos dividir o palco num Sopa de Letras, do Clube Caiuby de Compositores, em São Paulo. Coroamos nossa amizade e daí nasceu a nossa parceria, a nossa deliciosa e promissora parceira. Nisso eu que fui e sou até hoje o premiado. Ela além da sua dedicação e competência no que faz, me presenteou por esses últimos anos com prêmios que me fez o homem mais realizado do universo: incluiu minhas músicas na sua programação, transformou em vídeo meus poemas e canções, fez painéis e baners para minhas coisas, ampliou meu universo de amizades, enfim, se sou alguma coisa de valia hoje devo ao trabalho, dedicação, carinho e afeto dessa mulher que merece toda a felicidade do universo. Sou o premiado. Hoje é aniversário dela e eu que sou todo dia e o dia todo premiado por sua existência. Por isso sou devedor inadimplente nesta encarnação e, acredito, que endividado até as minhas próximas, duas ou outras reencarnações. E ser devedor dessa forma é bastante aparazível, afinal ela merece todos os meus aplausos, toda minha gratidão e, como não tenho nada para presenteá-la nesta data, dou o meu coração. Feliz aniversário, queridamada Meimei Corrêa. Aproveitem e confira aqui e aqui.

CONSUMAÇÃO: O HOMEM, A MULHER E A NATUREZA – No livro O homem, a mulher a natureza (Record, 1958), do filósofo e escritor inglês Alan Wilson Watts (1915-1973), trata da relação homem e natureza, o urbanismo e o paganismo, a ciência e a natureza, o homem e a mulher, amor sagrado e profano, entre outros assuntos. Da obra destaco o trecho da parte Consumação: [...] Tudo isso é peculiarmente verdadeiro no que se refere ao amor e à comunhão sexual entre o homem e a mulher. É por isso que o amor, quando espontâneo, tem um caráter tão fortemente místico e espiritual e, quando forçado, é tão degradante e frustrativo. É por essa razão que o amor sexual é tão problemático nas culturas em que o ser humano é fortemente identificado com a entidade separada abstrata. A experiência não se comporta de acordo com as expectativas, tampouco satisfaz o relacionamento do homem e da mulher; é, ao mesmo tempo, fragmentariamente, bastante compensatória para ser desejada cada vez mais inexoravelmente pelo alivio que parece prometer. O sexo é, portanto, a religião virtual de uma numero considerável de pessoas, o fim a que dedicam mais devoção que a qualquer outro. Para a mente convencionalmente religiosa, esta veneração ao sexo é um substituto perigoso e positivamente condenável da veneração de Deus. Mas isso ocorre porque o sexo, como qualquer outro prazer, da forma normalmente desejada, jamais chega a ser verdadeiramente uma satisfação. E é exatamente por essa razão que ele não é Deus e não absolutamente por ser simplesmente físico. O conflito entre Deus e a natureza se desvanece quando sabemos como experimentar a natureza, pois aquilo que os mantem separados não é uma diferença de substância, mas sim uma divisão mental [...] Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

AMAR, VERBO INTRANSITIVO – O romance Amar, Verbo Intransitivo (1927 – Vera Cruz, 1995), do escritor, critico literário, musicólogo e folclorista brasileiro, Mário de Andrade (1893-1945) conta a estória de Fraülein e Carlos, quando ela é contratada pelo pai dele, um rico burguês de origem portuguesa, para ensinar a arte do amor ao filho. As preocupações do pai dirigem-se à possibilidades do filho perder-se em encontros com prostitutas comuns ou mesmo ficar doente. Fraülein é introduzida na casa da família como governanta e procura manter uma postura discreta diante dos familiares, principalmente por causa das irmãs do rapaz. Segue suas atividades ensinando alemão e piano para as moças e para Carlos. Aos poucos vai se insinuando para o rapaz, que acaba sendo tomado de amores pela governanta. Dona Laura, mãe de Carlos, percebe o envolvimento do filho e conversa com Fraülein. Sousa Costa acaba contando para a mulher o trato feito e o motivo de suas preocupações com o filho. O casal decide pela permanência da governanta. Carlos e Fraülein vivem um idílio amoroso, mantido em segredo. O rapaz aproveita as horas de estudo sozinhos na biblioteca do pai para amar a governanta. Depois passa a encontra-la em seu próprio quarto. Com o flagrante do pai, manda a governanta embora e cada um segue o seu caminho. Da obra destaco o trecho: [...] É coisa que se ensine o amor? creio que não. pode ser que sim. Fräulein tinha um método bem dela. o deus paciente o construíra, talqual os prisioneiros fazem essas catitas cestinhas cheias de flores e de frutas coloridas. Tudo de miolo de pão, tão mimoso! o amor deve nascer de correspondências, de excelências interiores. espirituais, pensava. Os dois se sentem bem juntos. a vida se aproxima. Repartem-na, pois quatro ombros podem mais que dois. a gente deve trabalhar... os quatro ombros trabalham igualmente. Deve-se ter filhos... os quatro ombros carregam os filhos, quantos a fecundidade quiser, assim cresce a Alemanha. de noite uma ópera de Wagner. Brahms. Brahms é grande. que profundeza, seriedade. Há concertos de órgão também. e a gente pode cantar em coro... os quatro ombros frequentam a sociedade coral. têm boa voz e cantam. Solistas? Só cantam em coro. Gesellschaft. Porém isso é para alemães, e prós outros? Sim: quase o mesmo... apenas um pouco mais de verdade prática e menos Wagner. E o serviço dela entende só da formação dos homens. O homem tem de ser apegado ao lar. Dirige o sossego do lar. Manda. Porém sem domínio. Prove. É certo que a mulher o ajudará. O ajudará muito, dando algumas lições de línguas, servindo de acompanhadora pra ensaios na panzschuele, fazendo a comida, preparando doces, regando as flores, pastoreando os gansos alvos no prado, enfeitando os lindos cabelos com margaridinhas... Fräulein engole quase um remorso porque se apanha a divagar. Queixumes do deus encarcerado. O homem-da-vida quer apagar tantas nuvens e afirma ríspido que não trata-se de nada disso: a profissão dela se resume a ensinar primeiros passos, a abrir olhos, de modo a prevenir os inexperientes da cilada das mãos rapaces. E evitar as doenças, que tanto infelicitam o casal futuro. Profilaxia. Aqui o homem-do-sonho corcoveia, se revolta contra a aspereza do bom senso e berra: profilaxia, não! mas porém deverá parolar, quando mais chegadinho o convívio, sobre essas "meretrizes"que chupam o sangue do corpo sadio. O sangue deve ser puro. vejam por exemplo a Alemanha, que-dê raça mais forte? Nenhuma. E justamente porque mais forte e indestrutível neles o conceito da família. Os filhos nascem robustos as mulheres são grandes e claras. são fecundas. O nobre destino do homem é se conservar sadio e procurar esposa prodigiosamente sadia. de raça superior, como ela, Fräulein. Os negros são de raça inferior. Os índios também. Os portugueses também. Mas esta última verdade Fräulein não fala aos alunos. Foi decreto lido a vez em que um trabalho de Reimer lhe passou pelas mãos: afirmava a inferioridade dos latinos. Legítima verdade, pois quem é reimer? Reimer é um grande sábio alemão. Os portugueses fazem parte duma raça inferior. e então os brasileiros misturados? Também isso Fräulein não podia falar. Por adaptação. só quando entre amigos de segredo, e alemães. Porém os índios, os negros quem negará sejam raças inferiores? Como é belo o destino do casal superior. sossego e trabalho. Os quatro ombros trabalham sossegadamente, ela no lar, o marido fora do lar. Pela boca da noite ele chega da cidade escura... vai botar os livros na escrivaninha. Depois vem lhe dar o beijo na testa... beijo calmo... beijo preceptivo... todo de preto, com o alfinete de ouro na gravata. nariz longo, quase diáfano bem raçado... todo ele é claro, transparente... tossiria, arranhando o óculos sem aro... tossia sempre... e a mancha irregular do sangue nas maçãs... jantariam quase sem dizer nada... como passara?... assim, e ele?... talvez mais três meses e termina o segundo volume de o apelo da natureza na poesia dos minnesänger... lhe davam o lugar na universidade... a janta acabava... ele atirava-se ao estudo... ela arranja de novo a toalha sobre a mesa... temos concerto da filarmônica amanhã. Diga o programa. abertura de spohr, a pastoral de Beethoven, Strauss, hino ao sol de Mascagni e Wagner. a pastoral? A pastoral. que bom. e de wagner? Siegfried-idill e götterdãmmerung. Siegfried-idill? Siegfried-idill. ah! Podiam dar a heróica... já ouvimos cinco vezes a pastoral, este ano... podiam levar a heróica... mas a heróica... Napoleão... em todo caso a gente não pode negar: napoleão foi um grande general... morreu preso em Santa Helena. aqui Fräulein repara que aos poucos o homem-do-sonho se substituíra de novo ao homem-da-vida. É porque este aparece unicamente quando trata-se de viver mover agir. o outro é interior, eu já falei. Ora,  pois o pensamento é interior, nem sequer é volição, que participa já do ato. O homem-da-vida age não pensa. Fräulein está pensando. Nem o homem-da-vida, propriamente, lhe disse que ela ensina apenas os primeiros passos do amor, dá a entender isso apenas, pela maneira com que obstinada e mudamente se comporta. Franqueza: o que pratica é isso e apenas isso. [...] Veja mais aqui.

SOB OS RAMOS, ISNABEL – O livro ReVisão de Kilkerry (Brasiliense, 1985), do poeta, tradutor e ensaísta Augusto de Campos, traz uma revisão da poesia e da cronologia das obras do jornalista, advogado e poeta simbolista brasileiro Pedro Kilkerry (1885-1917), os sonetos da Harpa Esquisita, recriações, poemas, sátiras, manuscritos, notas trêmulas e outras, prosa esparsa e apêndices com declarações de Jackson Figueiredo, Carlos Chicacchio, , subsídios biográficos, casos, entre outros. Do livro, inicialmente destaco o soneto Sob os ramos: É no Estio. A alma, aqui, vai-me sonora, / No meu cavalo — sob a loira poeira / Que chove o sol — e vai-me a vida inteira / No meu cavalo, pela estrada a fora. / Ai! desta em que te escrevo alta mangueira / Sob a copada verde a gente mora. / E em vindo a noite, acende-se a fogueira / Que se fez cinza de fogueira agora. / Passa-me a vida pelo campo... E a vida / Levo-a cantando, pássaros no seio, / Qual se os levasse a minha mocidade... / Cada ilusão floresce renascida; / Flora, renasces ao primeiro anseio / Do teu amor... nas asas da Saudade! Também merece destaque o seu Isnabel: Fosse este amor vergel desabrochando em sonhos, / da esperança ao luar, virgem de mágoa e dor, / onde o riso salmeasse em salmeios risonhos, / e este amor, Isnabel, bem que seria amor. / Mas se minh´alma é toda um pedaço de noite, / sem que pirimpeie uma estrela sequer, / onde brame o rancor e passa o ódio, em açoite, / como na tempestade os maus ventos, mulher... / maldize-o. conserva a candidez do arminho, / abrindo ao sol da vida, à vida rindo – flor. / Nunca merecerei, por ser mau, teu carinho / e este amor, Isnabel, não pode ser amor. / Maldize-o eternamente. E, eternamente, nega / do palácio do beijo a porta rosicler; / deve minh´alma ser eternamente cega, deves eternamente esplendecer, mulher. Veja mais aqui.

TU, SÓ TU, PURO AMORA comédia Tu, só tu, puro amor, do escritor Machado de Assis (1839-1908), trata sobre o desfecho dos amores palacianos de Camões e de D. Catarina de Ataíde. Da peça teatral destaco o acena VIII: [...] CAMÕES, D. CATARINA DE ATAÍDE - CAMÕES, com uma reverência. - Irei eu. Adeus, minha senhora D. Catarina de Ataíde! (D. Catarina dá um passo para ele.) Mantenha-vos Deus na sua santa guarda. D. CATARINA - Não... vinde cá... (Camões detém-se.) Enfadei-vos? Vinde um pouco mais perto. (Camões aproxima-se.) Que vos fiz eu? Duvidais de mim? CAMÕES - Cuido que me quereis ausente. D. CATARINA - Luís! (Inquieta.) Vede esta sala, estas paredes... falarmos a sós... Duvidais de mim? CAMÕES - Não duvido de vós; não duvido da vossa ternura: da vossa firmeza é que eu duvido. D. CATARINA - Receiais que fraqueie algum dia? CAMÕES - Receio; chorareis muitas lágrimas, muitas e amargas... mas, cuido que fraqueareis. D. CATARINA - Luís! juro-vos... CAMÕES - Perdoai, se vos ofende esta palavra. Ela é sincera: subiu-me do coração à boca. Não posso guardar a verdade; perder-me-ei algum dia por dizê-la sem rebuço. Assim me fez a natureza; assim irei à sepultura. D. CATARINA - Não, não fraquearei, juro-vos. Amo-vos muito, bem o sabeis. Posso chegar a afrontar tudo, até a cólera de meu pai. Vede lá, estamos a sós; se nos vira alguém... (Camões dá um passo para sair.) Não, vinde cá. Mas, se nos vira alguém, defronte um do outro, no meio de uma sala deserta, que pensaria? Não sei que pensaria; tinha medo há pouco, já não tenho medo... amor sim... O que eu tenho é amor, meu Luís. CAMÕES - Minha boa Catarina. D. CATARINA - Não me chameis boa, que eu não sei se o sou... Nem boa, nem má. CAMÕES - Divina sois D. CATARINA - Não me deis nomes que são sacrilégios. CAMÕES - Que outro vos cabe? D. CATARINA - Nenhum. CAMÕES - Nenhum? - Simplesmente a minha doce e formosa senhora D. Catarina de Ataíde, uma ninfa do paço, que se lembrou de amar um triste escudeiro, sem se lembrar que seu pai a guarda para algum solar opulento, algum grande cargo de camareira-mor. Tudo isso havereis, enquanto que o coitado de Camões irá morrer em África ou Ásia... D. CATARINA - Teimoso sois! Sempre essas idéias de África... CAMÕES - Ou Ásia. Que tem isso? Digo-vos que, às vezes, a dormir, imagino lá estar, longe dos galanteios da corte, armado em guerra, diante do gentio. Imaginai agora... D. CATARINA - Não imagino nada; vós sois meu, tão só meu, tão-somente meu. Que me importa o gentio, ou o Turco, ou que quer que é, que não sei, nem quero? Tinha que ver, se me deixáveis, para ir às vossas Áfricas... E os meus sonetos? Quem mos havia de fazer, meu rico poeta? CAMÕES - Não faltará quem vo-los faça, e da maior perfeição. D. CATARINA - Pode ser; mas eu quero-os ruins, como os vossos... como aquele da Circe, o meu retrato, dissestes vós. CAMÕES, recitando. Um mover de olhos, brando e piedoso. Sem ver de que; um riso brando e honesto, Quase forçado um doce e humilde gesto De qualquer alegria duvidoso... D. CATARINA - Não acabeis, que me obrigareis a fugir de vexada. CAMÕES - De vexada! Quando é que a rosa se vexou, por que o sol a beijou de longe? D. CATARINA - Bem respondido, meu claro sol. CAMÕES - Deixai-me repetir que sois divina. Natércia minha, pode a sorte separar-nos, ou a morte de um ou de outro; mas o amor subsiste, longe ou perto, na morte ou na vida, no mais baixo estado, ou no cimo das grandezas humanas, não é assim? Deixai-me crê-lo, ao menos; deixai-me crer que há um vínculo secreto e forte, que nem os homens, nem a própria natureza poderia já destruir. Deixai-me crer... Não me ouvis? D. CATARINA - Ouço, ouço. CAMÕES - Crer que a última palavra de vossos lábios será o meu nome. Será? Tenha eu esta fé, e não se me dará da adversidade; sentir-me-ei afortunado e grande. Grande, ouvis bem? Maior que todos os demais homens. D. CATARINA - Acabai! CAMÕES - Que mais? D. CATARINA - Não sei; mas é tão doce ouvir-vos! Acabai, acabai, meu poeta! Ou antes, não, não acabeis; falai sempre, deixai-me ficar perpetuamente escutar-vos. CAMÕES - Ai de nós! A perpetuidade é um simples instante, um instante em que nos deixam sós nesta sala! (D. Catarina afasta-se rapidamente.) Olhai; só a idéia do perigo vos arredou de mim. D. CATARINA - Na verdade, se nos vissem... Se alguém aí, por esses reposteiros... Adeus... CAMÕES - Medrosa, eterna medrosa! D. CATARINA - Pode ser que sim; mas não está isso mesmo no meu retrato?  Um encolhido ousar, uma brandura, Um medo sem ter culpa; um ar sereno, Um longo e obediente sofrimento... CAMÕES -  Esta foi a celeste formosura Da minha Circe, e o mágico veneno Que pôde transformar meu pensamento. D. CATARINA, indo a ele. - Pois então? A vossa Circe manda-vos que não duvideis dela, que lhe perdoeis os medos, tão próprios do lugar e da condição; manda-vos crer e amar. Se ela às vezes foge, é porque a espreitam; se vos não responde, é porque outros ouvidos poderiam escutá-la. Entendeis? É o que vos manda dizer a vossa Circe, meu poeta... e agora... (Estende-lhe a mão.) Adeus! CAMÕES - Ides-vos? D. CATARINA - A rainha espera-me. Audazes fomos, Luís. Não desafiemos o paço... que esses reposteiros... CAMÕES - Deixa-me ir ver! D. CATARINA, detendo-o. - Não, não. Separemo-nos. CAMÕES - Adeus! (D. Catarina dirige-se para a porta da esquerda; Camões olha para a porta da direita.) D. CATARINA - Andai, andai! CAMÕES - Um instante ainda! D. CATARINA - Imprudente! Por quem sois, ide-vos meu Luís! CAMÕES - A rainha espera-vos? D. CATARINA - Espera. CAMÕES - Tão raro é ver-vos! D. CATARINA - Não afrontemos o céu... podem dar conosco... CAMÕES - Que venham! Tomara eu que nos vissem! Bradaria a todos o meu amor, e a que o faria respeitar! D. CATARINA, aflita pegando-lhe na mão. - Reparai, meu Luís, reparai onde estais, quem eu sou, o que são estas paredes... domai esse gênio arrebatado, peço-vo-lo eu. Ide-vos em boa paz, sim? CAMÕES - Viva a minha corça gentil, a minha tímida corça! Ora vos juro que me vou, e de corrida. Adeus! D. CATARINA - Adeus! CAMÕES, com a mão dela presa.  – Adeus D. CATARINA - Ide... deixai-me ir! CAMÕES - Hoje há luar; se virdes um embuçado diante das vossas janelas, quedado a olhar para cima, desconfiai que sou eu; e então, já não é o sol a beijar de longe uma rosa, é o goivo que pede calor a uma estrela. D. CATARINA - Cautela, não vos reconheçam. CAMÕES - Cautela haverei; mas, que me reconheçam, que tem isso? embargarei a palavra ao importuno. D. CATARINA - Sossegai. Adeus! CAMÕES - Adeus! (D. Catarina dirige-se para a porta da esquerda, e pára diante dela, à espera que Camões saia. Camões corteja-a com um gesto gracioso, e dirige-se para o fundo. - Levanta-se o reposteiro da porta da direita, e aparece Caminha. - D. Catarina dá um pequeno grito, e sai precipitadamente. - Camões detém-se. Os dois homens olham-se por um instante.). Veja mais aqui e aqui.

AMOR, DE NOVO – O romance Amor, de novo (Companhia das Letras, 2003) da escritora britânica Doris Lessing (1919-2013), conta a história de um amor impossível, envolvendo a paixão da sexagenária Sarah Durhan pelo jovem ator Bill e o sisudo diretor de teatro, Henry: loucuras e incertezas com o primeiro, pacificidade com o segundo. Da obra destaco o trecho a seguir: [...] Fácil pensar que aquilo era um quarto de despejo, silencio - so e abafado numa cálida penumbra, mas uma sombra se moveu, alguém veio à tona para afastar as cortinas e abrir as janelas. Era uma mulher, que em passos rápidos saiu por uma porta, que deixou aberta. Assim revelado, o quarto estava sem dúvida cheio demais. Junto a uma parede, todas as evidências de evolução técnica — um aparelho de fax, uma copiadora, um computador, telefones —, quanto ao resto, porém, aquele lugar podia facilmente ser tomado por um depósito de teatro, com o busto dourado de uma mulher romana, muito maior que o natural, máscaras, uma cortina de veludo carmesim, pôsteres e pilhas de partituras, ou melhor, cópias que reproduziam fielmente originais amarelecidos e desbeiçados. Na parede acima do computador, uma grande reprodução do Mardi Gras, de Cézanne, também desgastada: rasgada ao meio e remendada com fita colante. A mulher na sala ao lado se dedicava com energia a alguma coisa: objetos eram deslocados. Então ressurgiu e ficou olhando a sala. Não era jovem, como seria fácil imaginar pelo vigor de seus movimentos quando ainda entrevista nas sombras. Uma mulher de certa idade, como diriam os franceses, ou mesmo um tanto mais velha, e pouco apresentável no momento, vestindo calça velha e camisa. Era uma mulher alerta, cheia de energia, mas não parecia contente com o que via. Mesmo assim, afastou esse pensamento e foi para o computador, sentou-se, estendeu a mão e pôs uma fita para tocar. Instantaneamente a sala se encheu com a voz da Condessa Dié, vinda de oito séculos antes (ou pelo menos uma voz capaz de convencer o ouvinte de que era a Condessa), cantando os seus eternos lamentos: Devo cantar, queira ou não: Quanta mágoa por aquele de quem me fiz amiga, Pois o amo mais que tudo neste mundo... A mulher, sentada, mãos prontas para atacar as teclas, tinha consciência de sentir-se superior a essa irmã antiga, para não dizer que a condenava. Não gostava disso em si mesma. Estaria ficando intolerante? [...]. Veja mais aqui.
  
AMOR ESTRANHO AMOR – O polêmico filme Amor estranho amor (1982) do cineasta Walter Hugo Khouri, traz o cenário do momento político às vésperas do golpe militar, contando a história de um homem da meia idade relembrando a situação de como foi quando garoto, deixado por sua avó diante de um palacete de luxo, onde se encontrava sua mãe Anna, uma prostituta, que vivia com um poderoso político paulista. Nesse ambiente ele passa a conviver com garotas de programa, enquanto é iniciado por uma delas, a Tamara. Por esse filme a atriz Vera Fischer ganhou dois prêmios: Melhor Atriz no Festival de Cinema de Brasilia e no Prêmio Air France de Cinema, ambos em 1982. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
 
Foto: Eurydice, de Patrick Nicholas
  

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A mulher na Roma Antiga, Uma rosa para Emily de William Faulkner, A mulher e o patriarcado Helena Iara Bongiovani Saffioti, a música de Jacqueline Du Pre, o pensamento de Victor Hugo, Elizabeth Short & Mia Kirshner, a arte de Carmen Tyrrel, a escultura de Jean-Baptiste Pigalle, Lenita Estrela de Sá & Lia Helena Giannechini aqui.
As duas mortes de Dona Zezé, Violência contra a mulher de Maria Amélia de Almeida Teles e Monica Melo, a música de Jane Birkin, o pensamento de Jacques-Antoine-Hyppolyte, a pintura de Rafael Hidalgo de Caviedes, a poesia de Diva Cunha, o teatro de João Caetano dos Santos, o cinema de Joel Coen & Frances McDormand, a arte de Frank Miller & Maria de Medeiros, Fernando Fiorese, Regina Souza Vieira & Deize Messias aqui.

A mulher no Cristianismo, O caso das camas de Fernando Sabino, A responsabilidade dos relacionamentos afetivos de Ana Cecília Parodi, a música de Francisco Mignone & Lilian Barreto, a poesia de Germana Zanettini, o teatro de Adrienne Lecouvreur, o cinema de Júlio Bressane & Bel Garcia, Teodora & Marózia, a arte de Rodrigo Luff & Manoela Afonso aqui.
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