VAMOS
APRUMAR A CONVERSA? – EM MIM:
Estou com o sentimento do mundo porque tudo translada tudo está em mim
querendo explodir as larvas magnas da criação. Já não tenho nada meu em mim
“sou todo coração” e vivo todo transluz que o clímax de viver emite; Sou todos
os rostos em mim; Sou todos os acenos alegres e tristes, todo enterro e toda
festa, todo frêmito e toda decepção. Já não sou individual, sou eu e um milhão
de gente dentro de mim clamando gemendo gritando sorrindo cantando as muitas
existências e já não sigo só. Em mim as vozes ecoam. E minha sombra não está
embaixo do meu sapato. Está no espetáculo da vida. (Primeira reunião – Bagaço,
1992). Vamos aprumar a conversa? Aprume aqui ou aqui.
Imagem: Woman at her Toilette (1882), do pintor dinamarquês Carl Heinrich Bloch (1834-1890)
Curtindo Samson et Dalila, Op. 47 (1877 – EMI, 1993), do compositor francês Camille Saint-Saëns (1835-1921), com a mezzo soprano alemã Waltraud Meier & Myung-Wha Chung/Orchestre et choeurs de l'Opéra-Bastille
O
ANÃO – O livro O anão (1944 – Antígona, 2013), do
escritor sueco e Prêmio Nobel de 1951, Pär
Lagerkvist (1891-1974), conta a história de um anão na corte italiana
renascentista, que foi rejeitado pela mãe e vendido por ela ao príncipe para
servir de bobo da corte, assim atuando com seu desprezo pela espécie humana. Da
obra destaco os seguintes trechos: Tenho
vinte e seis polegadas de altura, mas sou perfeitamente constituído e
proporcionado, salvo no que respeita à cabeça, que é um pouco grande. Os meus
cabelos são ruivos, em vez de negros como os da maior parte das pessoas, e além
disso muito espessos e crespos; uso‑os repuxados para trás nas fontes e ao alto
da testa, que se evidencia mais pela largura do que pela altura. O meu rosto é
imberbe; afora isso, parece‑se com o de todos os homens. As minhas sobrancelhas
unem‑se. Tenho uma força física considerável, sobretudo se me encolerizo.
Quando me obrigaram a lutar com Josaphat, alcei‑o sobre as minhas costas, ao fim
de vinte minutos, e estrangulei‑o. Desde então, sou o único anão da corte.
[...] O meu destino é odiar as criaturas da minha espécie. A minha própria
estirpe é-me execrável.Mas também me odeio a mim mesmo. Devoro a minha carne
embebida de fel. Bebo o meu sangue envenenado. Sombrio bispo do meu povo,
cumpro todos os dias o meu riso solitário. [...] Tenho notado que por vezes inspiro temor. Mas cada um sente
sobretudo medo de si próprio. Os homens supõem sem razão que é por minha causa
que andam inquietos. O que na realidade os aterroriza é o anão que se esconde
neles, a caricatura humana de rosto simiesco que ergue por vezes a cabeça fora
das profundezas do seu ser. Sentem-se tanto mais horrorizados quanto ignoram a
sua existência. Espanta-os ver surgir à superfície esse desconhecido que lhes
parece nada ter de comum com a sua verdadeira vida. Quando nada aparece acima
dos esconsos, sentem a alma em paz. Seguem, de cabeça alta, impassíveis, com
rostos lisos, sem expressão. Mas há sempre neles qualquer coisa de diferente,
que fingem ignorar; podem viver diversas vidas ao mesmo tempo sem o saber. São
estranhamente reservados e incoerentes. E são disformes, embora isso não seja
visível. [...] Ser homem é uma coisa grande e maravilhosa, mas deveremos
regozijar-nos por sê-lo? Ser homem é uma coisa destituída de sentido, mas
deveremos afligir-nos, cheios de desespero? Como responder a tais perguntas?
[...] Louco de excitação, contemplava os resultados inauditos da minha obra.
Assim, eu exterminara aquela raça execrável, que só merecia ser destruída.
Assim, a minha arma poderosa e vingadora, exigindo uma punição completa, sem
piedade os ceifava. Assim, eu enviava-os para as chamas do Inferno por toda a
eternidade. Pudessem eles arder lá todos! Todos aqueles seres que a si mesmos
dão o nome de homens e nos enchem de nojo! Porque existem eles? Porque se
fartam de risos e de amor e reinam tão orgulhosamente sobre a Terra? Sim,
porque existem eles, esses hipócritas e esses charlatães, esses seres lascivos,
sem sombra de vergonha, cujas virtudes são piores que os vícios? Possam todos
arder no Inferno! Eu sentia-me como o próprio Satanás, rodeado pelos espíritos
infernais que eles invocavam nas suas reuniões noturnas e que nesse momento,
voltando para eles a cara trocista, arrebatavam dos seus corpos as almas ainda
quentes e nauseabundas, para as levar para o reino da morte. Com uma volúpia
que jamais experimentara antes e cuja violência quase me fez perder os
sentidos, eu saboreava o meu poder sobre a Terra. [...]. Veja mais aqui.
OS ÚLTIMOS DIAS DE
PAUPÉRIA – Do livro Os últimos dias
de paupéria: do lado de dentro (M. Limonad, 1982), do poeta, jornalista,
letrista e experimentador da contracultura, Torquato Neto (1944-1972), destaco inicialmente o poema O Poeta é a mãe das armas: O Poeta é a mãe das armas / & das Artes
em geral — / alô, poetas: poesia no país do carnaval; / Alô, malucos: poesia /
não tem nada a ver com os versos / dessa estação muito fria. / O Poeta é a mãe
das Artes / & das armas em geral: / quem não inventa as maneiras do corte
no carnaval / (alô, malucos), é traidor / da poesia: não vale nada, lodal. / A
poesia é o pai da artimanha / de sempre: quente / ura no forno quente / do lado
de cá, no lar / das coisas malditíssimas; / alô poetas: poesia! / poesia poesia
poesia poesia! / O poeta não se cuida ao ponto / de não se cuidar: quem for
cortar meu cabelo / já sabe: não está cortando nada / além da MINHA bandeira
////////// = / sem aura nem baúra, sem nada mais pra contar. / Isso: ar. ar.
ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. / Ar: em primeiríssimo, o lugar. /
poetemos pois. Também o poema A rua: A
rua / Toda rua tem seu curso / Tem seu leito de água clara / Por onde passa a
memória / Lembrando histórias de um tempo / Que não acaba / De uma rua, de uma
rua / Eu lembro agora / Que o tempo, ninguém mais / Ninguém mais canta / Muito
embora de cirandas / (Oi, de cirandas) / E de meninos correndo / Atrás de
bandas / Atrás de bandas que passavam / Como o rio Parnaíba / O rio manso /
Passava no fim da rua / E molhava seus lajedos / Onde a noite refletia / O
brilho manso / O tempo claro da lua / Ê, São João, ê, Pacatuba / Ê, rua do
Barrocão / Ê, Parnaíba passando / Separando a minha rua / Das outras, do
Maranhão / De longe pensando nela / Meu coração de menino / Bate forte como um
sino / Que anuncia procissão / Ê, minha rua, meu povo / Ê, gente que mal nasceu
/ Das Dores, que morreu cedo / Luzia, que se perdeu / Macapreto, Zé Velhinho /
Esse menino crescido / Que tem o peito ferido / Anda vivo, não morreu / Ê,
Pacatuba / Meu tempo de brincar já foi-se embora / Ê, Parnaíba / Passando pela
rua até agora / Agora por aqui estou com vontade / E eu volto pra matar esta
saudade / Ê, São João, ê, Pacatuba / Ê, rua do Barrocão. Veja mais aqui.
A
MAIS FORTE – A peça
teatral A mais forte (1888), do
dramaturgo, escritor e ensaísta sueco August
Strindberg (1849-1912), conta a história na qual a paixão, amor, ódio e
medo se confundem, formando um enredo em que cada olhar; cada gesto tem um
significado muito mais profundo do que deixa transparecer. Na peça, cabe ao
espectador resolver, com sua imaginação e história pessoal, o desentrelaçar do
drama. Através de um conflito aparentemente trivial, vivido por duas mulheres
que disputam o amor do mesmo homem, o espectador é levado a se indagar sobre os
fatos que são ou não são importantes na vida ou quando se escolhe um caminho a
seguir. Da obra destaco o trecho: Cenário: uma casa de chá, duas mesas de canto, uma
sofá forrado de veludo vermelho, várias cadeiras. Miss Y sentada no canto do café
à sua frente uma garrafa vazia ale (espécie de cerveja). Ela lê uma revista,
que mais tarde troca por outras. Mrs. X entra vestida com roupas de inverno,
chapéu, capote, carregando uma sacola de compras, de desenho estranho. Mrs X:
Amélie querida, como vai? O que é isto? Sentada ai sozinha, numa noite de
Natal. Até parece uma solteirona. Miss Y: (olha-a sobre a revista,
cumprimentando-a com a cabeça e para de ler). Mrs.X: Ora, não gosto de vê la
aqui, tão só, e como se não bastasse, logo numa noite de Natal. Faz-me sentir
tão mal, como no dia em que assisti uma festa de casamento num restaurante de
Paris: a noiva lia histórias em quadrinhos, enquanto o noivo jogava bilhar com
os outros convidados. Uf, então pensei: se no primeiro dia é assim,o que lhes espera
no futuro? Ele, jogando bilhar na sua noite de núpcias e ela, sentada, lendo
aquele jornalzinho. Que me diz disto? Bem, a comparação não foi das melhores,
não é? Entra uma garçonete com uma xícara de chocolate e coloca-a em cima da
mesa, em frente a Mrs. X. Mrs X: Sabe, Amelie, acho que teria sido melhor para
você, se tive se casado com ele...Lembra-se bem quando insisti com você para
desculpa-lo? Lembre-se? Hoje, poderia ser sua esposa, ter seu próprio
lar...Recorda-se de como você se gabava de gostar da vida domestica, desejando,
verdadeiramente, abandonar sua carreira teatral? Sim, Amélie querida – depois
do teatro – a melhor coisa é um lar, crianças, você sabe...Não, acho que não
entenderia isto! Miss Y: (expressando desdém). Mrs X:
(prova algumas colheradas de chocolate, abre a sacola de compra e tira alguns
presentes de Natal) – Ah, deixe-me mostrar-lhe o que comprei para meus filhos.
(Mostra uma boneca) Olhe só, que graça! É para Lisa...Veja como fecha os olhos
e vira a cabeça! Vê? E esta espingarda é para Maja (Arma a espingarda e atira
em direção de Miss Y). Miss Y: Faz um gesto medroso. Mrs. X: Não me diga que a
assustei! Não pensou que eu fosse realmente atirar, pensou? Há? Nossa, pelo
visto acho que sim! Se você quisesse atirar em mim, eu não ficaria surpresa.
Afinal, eu me intrometi na sua vida – e acho que jamais se esquecerá disto –
mesmo assim, não tive culpa...Ainda acredita que contribui para o seu
afastamento do Grande Teatro – não é mesmo? Pode pensar o que quiser, mas não
tive nada a ver com aquilo! No entanto, vejo que não importa o que diga, ainda
assim você imaginará sempre que a responsabilidade foi toda minha! (Tira um par
de chinelos da sacola). E estes são para minha cara metade. Eu mesma os
enfeitei – com tulipas. Eu as detesto, sabe, mas meu marido tem quer ter
tulipas em tudo que é seu. Miss Y: (Olha sobre a revista, com curiosidade e
ironia) [...] Veja mais
aqui e aqui.
GAINSBOURG – O filme Gainsbourg: o homem que amava as mulheres (2010), do diretor Joann
Sfar, retrata a vida do músico, cantor e compositor francês Serge Gainsbourg
(1928-1991), uma biografia que conta desde suas aptidões para as artes, como o
desenho e música, sua imaginação fértil retratando personagens com variações de
sua própria personalidade, até se tornar um doas artistas mais populares da
França. O destaque desse filme é da saudosa atriz e modelo britânica qie foi
encontrada enforcada cometendo suicídio antes do lançamento da película, Lucy Gordon (1980-2009) que interpretou
a atriz e cantora Jane Birkin. Veja mais aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Hoje é dia da atriz sueca de
teatro e cinema Lena Nyman
(1944-2011)
Veja mais sobre:
Maria Esperantina, orgasmo de uma noite
& nunca mais, a
poesia de Ascenso Ferreira, O sexo na história de Reay Tannahill, a literatura
de Ulrike Marie Meinhof, Oropa, França & Bahia de Alceu Valença, Trem das
Alagoas de Guazzelli & a arte de Xenia Hausner aqui.
E mais:
A função do orgasmo de Wilhelm Reich, La
rebelión de las masas de José Ortega y Gasset, a poesia de Ascenso
Ferreira, a música de Alexander Scriabin, a pintura de Renato Alarcão, a arte
de Pablo Garat, Orgazmo & O orgasmo de Esperantina aqui.
O suicídio de Karl Marx, As caçarolas de
Tolinho & Bestinha, A primavera de Ginsberg & Padre Bidião aqui.
Salmo da Cana, Os doze trabalhos de Peisândro de
Rodes, Os trabalhos e os dias de Hesíodo, Germinal de Émile Zola, O operário em
construção de Vinicius de Moraes, a gravura de Cândido Portinari, O informe de
Brodie de Jorge Luis Borges, a escultura de Auguste Rodin, a música de Chico
Buarque, o teatro de Nelson Rodrigues, Tempos modernos de Chaplin, a arte de
Magda Mraz & Infância, Imagem e Literatura: uma experiência psicossocial na
comunidade do Jacaré – AL aqui.
Quando ela dança tangará no céu azul do
amor, A condição
pós-moderna de Jean-François Lyotard, A estética da desaparição de Paul
Virilio, a música de Anna-Sophia Mutter, a pintura de Eloir
Junior & Alex Alemany, David Peterson, Luciah
Lopez, a arte de Carlos Zemek & Magnum Opus de Isabel Furini aqui.
Elucubrações das horas corrida, O pensamento comunicacional de Bernard Miège, O outro por si mesmo de Jean Baudrillard, a
pintura de Vicente Romero Redondo & Edilson Viriato, a
coreografia de Doris Uhlich, a arte de Efigênia
Rolim, Meu delírio de Érica Christieh, a música de Sarah
Brasil, a arte de David Lynch & Sandra Hiromoto aqui.
Se não vai de um jeito, vai de outro, A marcha da insensatez de Barbara
Tuchman, A educação com carinho de Lidia Natalia Dobrianskyj Weber, a música de
Kyung-Wha Chung, a pintura de Joan Miró & Eugène Leroy, a arte de Anna Dart & Eugene J. Martin,
Remando no éden de Bárbara Lia, a fotografia de Faisal Iskandar, Revista
Poética Brasileira & Mhario Lincoln aqui.
Palco da vida, A terceira mulher de Gilles Lipovetsky,
A vida mística de Jesus de Harvey Spencer Lewis, Toda palavra de Viviane Mosé,
a música de Andersen Viana, a pintura de Maria Szantho
& Maxime des Touches, a arte de Katia
Kimieck & Vavá Diehl, Roseli Rodrigues & Balé
Teatro Guaíra aqui.
Do raiar do dia aos naufrágios
crepusculares, A
metafísica da realidade virtual de Michael R. Heim, História
dos hebreus de Flavio Josefo, a música de Milton Nascimento & Fernando
Brant, a poesia de Helena Kolody, a fotografia de André
Brito, a arte de Rollandry Silvério, a pintura de George Grosz & Fernando Rosa, Estilhaços da catarse de Carla Torrini aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Art by Ísis
Nefelibata
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.