Imagem: Walt Whitman Throw Pillow by
Robert Lacy
CANTO A MIM MESMO
Walt Whitman
Celebro a mim mesmo, e
canto a mim mesmo,
e o que eu assumo deveis
assumir,
pois cada átomo que me
pertence a vós pertence também.
Folgo e convido minha alma,
deito-me e folgo à vontade
vendo uma lança de capim no estio.
Minha língua, cada átomo do
meu sangue,
formado deste solo, deste
ar,
nascido aqui de pais aqui
nascidos de pais semelhantes nisso
e os pais deles também,
eu, agora com trinta e sete
anos, começo em plena saúde,
contando não parar até à
morte.
Crenças e escolas em
potencial,
afastadas um pouquinho que
basta para o que são,
embora não esquecidas,
dou guarida ao bem e ao
mal,
permito-me falar em
qualquer circunstância,
natureza seu confronto com
a força original.
Folga comigo na grama,
afrouxa o nó da garganta,
nem palavras nem música nem
rimas estou querendo, nem
costume nem lição, nem
mesmo do melhor,
quero só o acalanto, o
murmúrio de tua voz valvar.
Eu creio em ti minha alma,
o outro que sou não deve
rebaixar-se a ti, e nem
precisas rebaixar-te ao outro.
Penso em como uma vez nos
espichamos
deitados certa manhã de
verão transparente,
como forçaste a cabeça nos
meus quadris
e gentilmente te viraste
sobre mim
e me rasgaste a camisa no
osso do peito
e enfiaste a língua em meu
coração nu
e foste assim até sentir-me
a barba
e foste assim até sentir-me
os pés.
Docemente cresceu e em
torno a mim se espalhou a paz
E conhecimento além de todo
argumento da terra,
e eu sei que a mão de Deus
é a promessa da minha,
e sei que o espírito de
Deus é o irmão do meu
e que todos os homens já
nascidos também são meus irmãos,
e as mulheres irmãs e
amantes minhas,
e que um reforço da criação
é o amor,
e ilimitadas são as folhas
secas ou caindo nos campos,
e acastanhadas formigas n0s
buraquinhos por baixo delas,
placas de limo na cerca
bichada, pilhas de pedras,
flores silvestres, musgo e
espinheiro.
Alguém terá julgado uma
sorte ter nascido?
Apresso-me a informar a ele
ou ela que sorte igual é morrer,
e isto sei eu.
Eu passo a morte com os que
estão morrendo
e o nascimento com os bebês
recém-lavados,
e não me sinto contido
entre o chapéu e os sapatos,
e manuseio objetos de
diversas formas,
nem dois iguais e cada qual
melhor,
a terra boa e boas as
estrelas, bom tudo o que vai por elas.
Não sou uma terra nem
função de terra alguma,
sou o colega e companheiro
de pessoas,
todas elas tão imortais e
inesgotáveis como eu próprio
(não sabem quão imortais,
mas eu sei).
Cada espécie por si e para
si mesma,
para mim macho e fêmea,
para mim os que já foram
meninos e amam mulheres,
a mim o homem que tem seu
orgulho e sabe como doi
ser desconsiderado,
a mim a namorada e a virgem
velha,
as mães e as mães de mães,
a mim os lábios que já
deram riso,
olhos que já deram lágrima,
a mim crianças e criadores
de crianças.
Descubram-se! Não são culpados, para mim,
nem maus Nem postos à
margem,
vejo através da roupa de lã
ou de algodão se sim ou não,
e fico em volta, pertinaz,
aquisitivo, infatigável,
e não posso ser mandado
embora.
Vinte e oito moços tomando
banho na praia,
vinte e oito moços e todos
tão amigáveis;
vinte e oito anos de uma
vida de mulher e todos tão solitários.
E dona da linda casa na
subida do barranco,
ela se esconde simpática e
bem vestida
por detrás das bandeiras da
janela.
Qual o moço de que ela
gosta mais?
Ah o mais caseiro de todos
para ela é o mais bonito.
Para onde ides saindo,
minha senhora?
Pois eu vos estou vendo,
mergulhais naquelas águas,
apesar de parada feito um
pau em vosso quarto.
Dançando e rindo na linha
da praia vem o banhista
vigésimo-nono, os demais
não a entreviram
mas ela os viu e adorou.
As barbas dos homens moços
brilhavam de gotas d'água,
caindo-lhes dos compridos
cabelos,
pequenos fios d'água lhe
escorriam pelo corpo todo.
Uma invisível mão também
passava pelos corpos deles,
descendo trêmula das
frontes e quadris.
Os moços nadam de costas,
claras barrigas ao sol, sem
indagarem quem estende a
mão para eles,
eles não sabem quem enche o
peito
e desiste de sobrancelhas
curvadas e vacilantes,
nem lhes ocorre que estejam
salvando alguém
com a água que respingam.
Estes são realmente os
pensamentos de todos os homens
Em qualquer tempo e lugar,
não são originais meus,
se eles não são tão vossos
quanto meus
não querem dizer nada, ou
quase nada,
se não forem a pergunta e a
solução da pergunta,
não significa nada,
se não se põem tão perto
quanto distantes parecem,
não valem nada.
Esta é a relva que cresce
onde quer que haja terra e haja água,
este é o ar comum que banha
o globo.
Com música forte eu venho,
com minhas cornetas e meus
tambores,
não toco marchas só para os
vencedores consagrados,
toco marchas também para
pessoas batidas e conquistadas.
Já não ouviste dizer que
era bom ganhar o dia?
Eu digo que perder também é
bom, batalhas são perdidas
com o mesmo espírito com
que são ganhas.
Rufo e bato pelos mortos,
sopro nas minhas
embocaduras o que de mais alto
e de mais alegre posso por
eles.
Vivas àqueles que
fracassaram!
E àqueles cujos navios de
guerra afundaram no mar!
E àqueles que em pessoa
afundaram no mar!
E a todos os generais que
perderam nas manobras e foram
todos heróis!
E ao sem número dos heróis
desconhecidos
equivalentes aos heróis
maiores que se conhecem!
Quem é que vai por aí -
inquieto, tosco, místico, nu?
Como é que eu extraio força
da carne que como?
Que é um homem,
afinal? Que sou eu? Que sois vós?
Tudo que aponto de meu
podeis tomar como vosso,
não sendo o
tempo perdido a escutar-me.
Não choro aquilo que o
mundo chora demais,
que os meses sejam de vazio
e o chão de lama e podridão.
Gemendo e se acovardando
cheio de pó para inválidos,
o conformismo fica bem para
os de quarto grau;
eu ponho como quero o meu
chapéu, portas adentro ou fora.
Por que haveria eu de
rezar?
Por que haveria de exibir
respeito e fazer cerimônias?
Tendo inquirido até os
estratos, analisado até um fio de cabelo,
consultado doutores e
calculado de acordo,
eu não encontro substância
mais doce do que a ligada
com meus próprios ossos.
Em toda pessoa eu vejo a
mim mesmo,
nem mais nem menos um grão
de cevada,
e o bem ou mal que digo de
mim mesmo eu digo deles.
Sei que sou sólido e são,
para mim convergindo fluem
perpetuamente coisas do universo,
todas estão escritas para
mim e tenho de saber
o que a escrita significa.
Sei que não tenho morte,
sei que esta minha órbita
não pode ser riscada
por um compasso de
carpintaria,
sei que não hei de passar
assim como verruga de criança
tirada à noite com alfinete
queimado.
Eu sei que sou soberbo,
não perturbo meu espírito
para mostrar seu valor
ou para ser entendido,
vejo que as leis
elementares nunca apresentam desculpas.
(Eu reconheço que, afinal
de contas, não procedo com orgulho
além da altura a que ergo
minha casa.)
Existo como sou, isso é
bastante;
se nenhum outro no mundo
toma conhecimento,
eu me sento contente,
e se cada um e todos tomam
conhecimento,
eu me sento contente.
Há um mundo que toma
conhecimento e que é de longe o
maior para mim - o mundo de
mim mesmo;
se a mim mesmo eu chegar
hoje, ou daqui a dez mil ou a dez
milhões de anos,
posso alcançá-la agora bem
disposto
ou com igual disposição
posso esperar.
O lugar para meus pés está
lavrado e ajustado em granito;
eu me rio do que chamais
dissolução,
conheço bem a amplitude do
tempo.
Eu sou o poeta do Corpo e
sou o poeta da Alma,
as delícias do céu estão em
mim
e os horrores do inferno
estão em mim,
o primeiro eu enxerto e
amplio em meu redor,
o segundo eu traduzo em
nova língua.
Eu sou o poeta da mulher
assim como do homem,
e digo que tanta grandeza
existe no ser mulher
como no ser homem,
e digo que não há nada
maior do que a mãe de homens.
Canto o cântico da expansão
e orgulho,
já tivemos esquivanças e
críticas suficientes,
eu demonstro que tamanho é
apenas evolução.
Já ultrapassastes os
outros? Sois acaso o Presidente?
Que ninharia: farão mais do
que chegar
e ainda passarão à frente.
Eu sou aquele que vai com a
noite tenra e crescente,
invoco a terra e o mar meio
tomados pela noite.
Aperta mais, noite de peito
nu!
Aperta mais, noite nutriz
magnética!
Noite dos ventos do sul -
noite das poucas estrelas grandes!
Noite ainda a se curvar -
alucinada noite nua de verão.
Sorri, ó terra voluptuosa
de hálito frio!
Terra das árvores dormentes
e líquidas!
Terra do pôr-de-sol longe -
terra dos montes cobertos de névoa!
Terra do vítreo gotejar da
lua cheia apenas tinta de azul!
Terra do brilho e do
sombrio encontro nas enchentes do rio!
Terra do límpido cinza das
nuvens mais brilhantes e claras
Por meu gosto!
Terra dos grandes lances
encontrada - rica terra
de peito de maçã!
Sorri, pois vem chegando
teu amante.
Pródiga, amor me tens dado
- portanto eu te dou amor!
Oh indizível apaixonado
amor.
Interminável desdobrar das
palavras dos tempos!
Por mim uma palavra bem
moderna - a palavra Massa.
Uma palavra da fé que nunca
se altera,
aqui ou daqui em diante é
sempre a mesma,
entendo o Tempo em termos
absolutos.
Ela é a única sem mancha,
envolve e completa tudo,
a surpreendente maravilha
mística sozinha completa tudo.
Aceito a Realidade e não
ouso interrogá-la,
impregnação de materialismo
do princípio ao fim.
Viva a ciência
positiva! Viva a experiência exata!
Tomai a planta da pedra
junto com cedro e ramos de lilás,
aqui está o lexicógrafo,
aqui o químico, aqui o que fez
uma gramática de velhos
pergaminhos,
aqui marujos que levaram seu
navio por mares perigosos
e ignorados, aqui o
geólogo, aqui o que maneja o bisturi,
e aqui um matemático.
Cavalheiros, são sempre
para vós as honras iniciais!
Vossos feitos são úteis, e,
embora eles não me digam respeito,
apenas entro para perto
deles sem sair da área
que me diz respeito.
Menos os que recordam
propriedades
contaram palavras minhas,
e mais os que recordam a
vida não-expressa, a liberdade
e o extravasamento,
e pouco levam em conta os
neutros e as castrações,
e favorecem homens e
mulheres inteiramente equipados,
e fazem ressoar o gongo da
revolta, e fazem ponto
com os fugitivos e os que
tramam e conspiram.
Ser de uma forma - que é
isso?
(Giramos e giramos, todos
nós, e estamos sempre de volta.)
Se nada houvesse mais
evoluído,
a ostra em sua calosa
concha deveria bastar.
Não sou de concha calosa,
tenho instantâneos
condutores por mim todo,
esteja andando ou parado,
aprendem cada objeto e o
levam sem dano através de mim.
Eu simplesmente me animo,
tateio, sinto com os dedos,
e sou feliz, tocar com
minha pessoa a de outrem
é quase tanto quanto eu
posso resistir.
Estão todas as verdades à
espera em todas as coisas,
nem apressam o próprio
nascimento nem a ele se opõem,
não carecem do fórceps
obstetrício do cirurgião,
e o insignificante é para mim
tão grande como tudo
(o que é menos ou mais do
que um contacto).
Sermões e lógicas jamais
convencem,
o peso da noite cala muito
mais profundo em minha alma.
(Só o que se prova a
qualquer homem ou mulher, é que é;
só o que ninguém nega, é
que é.)
Um minuto e uma gota de mim
me resolvem o cérebro,
eu acredito que torrões de
barro
podem tornar-se em amantes
e lâmpadas,
e um compêndio de
compêndios é a carne
que alimenta um homem ou
mulher,
e num ápice ou flor lá está
o sentimento de um pelo outro
e devem ramificar-se além
das fronteiras dessa lição
até que isso passe a todos
e até que um e, todos nos
possam deleitar, e nós a eles.
Agora eu conto o que
aprendi no Texas em minha juventude
(não contarei a tomada de
Alamo,
não escapou ninguém para
contar a tomada de Alamo,
aqueles cento e cinquenta
ainda estão mudos em Alamo):
esta é a história do
assassínio a sangue frio
de quatrocentos e vinte
homens moços.
Em retirada tomaram a
formação de um quadrado vazio, com
as bagagens como
parapeitos,
nove centos de vidas do
inimigo que agora os sitiava,
nove vezes o que tinham em
número,
foi o preço que cobraram
adiantado,
o coronel deles fora ferido
e a munição terminara,
negociaram capitulação
honrosa, receberam papel lacrado
e escrito, depuseram as
armas e marcharam
prisioneiros de guerra.
Eram a glória da raça dos rangers,
sem rivais em montaria,
rifle, canção, repasto, galanteio,
enormes, turbulentos,
generosos, orgulhosos e amáveis,
barbudos, peles tostadas de
sol, trajados
à maneira livre dos
caçadores,
nenhum deles passava dos
trinta anos de idade.
No segundo domingo de manhã
foram tirados em grupos e
massacrados, era uma linda
manhã de verão,
a faina começou por volta
das cinco e meia e às oito havia
acabado.
Nenhum deles acatou a ordem
de ajoelhar,
alguns tentaram correr
doida e inutilmente, alguns ficaram
duros em pé firmes,
alguns poucos tombaram de
uma vez, com tiros na fronte
ou no coração, vivos e
mortos estirados juntos,
os mutilados e desfeitos
cavacando o chão,
os recém-vindos viam-nos
ali,
uns meio mortos tentavam
sair de rastos,
esses eram despachados a
baionetas ou esmagados a coronhas
de espingardas,
um jovem com não mais de
dezessete anos agarrou seu algoz
até dois outros virem
afrouxá-lo,
e ficaram os três todos
rasgados e cobertos de sangue do rapaz.
Às onze horas começou a
queimada dos corpos.
É
essa a história do
assassinato dos quatrocentos e vinte
homens moços.
É
tempo de eu me explicar -
vamos ficar de pé.
o que é conhecido eu deixo,
chamo todos os homens e
mulheres para a frente comigo
pelo Desconhecido.
O relógio indica a hora -
mas o que é que indica a eternidade?
Assim temos esgotado
trilhões de verões e invernos,
existem trilhões à frente,
e trilhões à frente deles.
Berços trouxeram-nos
riqueza e variedade,
mais berços hão de
trazer-nos riqueza e variedade.
Não digo que um é maior e
um é menor,
o que preenche bem seu
tempo e seu lugar
é igual a qualquer outro.
Ter-se-á mostrado a espécie
humana ciumenta ou assassina
para contigo, irmão meu,
minha irmã?
Por ti lamento, não se mostram
assassinos ou ciumentos a mim,
todos têm sido cordiais
para comigo,
não faço conta de
lamentações.
(Que iria eu fazer com
lamentações?)
Eu sou um vértice de coisas
feitas, um cercado de coisas
Por fazer.
Meus pés batem num topo do
topo das escadas,
feixes de idades em cada
degrau,
e feixes maiores entre os
degraus,
tudo de baixo devidamente
galgado, e eu subo e subo ainda.
Aurora após aurora atrás de
mim os fantasmas se curvam,
em baixo longe eu vejo o
grande Nada inicial,
sei que estive lá mesmo,
eu aguardava sem ser visto
e sempre,
e entre a bruma letárgica
eu dormia,
e aproveitei meu tempo,
e nenhum mal me fez o
fétido carbono.
Por longo tempo eu estive
enrolado - longo mais longo.
Imensas haviam sido as
preparações de mim,
confiantes e amistosos os
braços que me ajudaram.
Ciclos fizeram navegar meu
berço, remando e remando sempre
como alegres barqueiros,
para me darem lugar
estrelas desviaram-se das órbitas,
mandaram influências espiar
o que haveria de ficar comigo.
Antes de sair eu do ventre
de minha mãe,
gerações me orientaram,
meu embrião jamais esteve
entorpecido,
coisa nenhuma podia
cobri-lo.
Para isso a nebulosa
sustentava-se em órbita,
os longos estratos lentos
amontoavam-se para aninhá-la,
plantas enormes davam-lhe
sustento,
sáurios monstruosos o
transportavam na boca
e o pousavam com cuidado.
Tôdas as forças foram
prontamente usadas
para me completarem e para
me deleitarem,
agora neste ponto eu me
levanto com minha alma robusta.
Tenho dito que a alma não é
mais do que o corpo,
e tenho dito que o corpo
não é mais do que a alma,
e que nada, nem Deus, para
ninguém é maior
do que a própria pessoa,
e quem anda duzentas jardas
sem vontade anda fazendo o
próprio funeral vestido em
sua mortalha,
e eu como vós sem um tostão
no bolso posso comprar o que
o mundo tem de melhor,
e dar uma vista de olho ou
mostrar uma vagem no seu galho
confunde o aprendizado de
todos os tempos,
e que não há profissão ou
emprego que o homem moço
seguindo não seja herói,
e que não há coisa alguma
tão mole
que não sirva de cubo às
rodas do universo,
e digo a qualquer homem ou
mulher:
- Deixai que vossas almas
se levantem tranquilas e bem postas ante um milhão de universos.
E digo à humanidade:
- Não sejas curiosa sobre
Deus,
pois eu que sou curioso
sobre todas as coisas de Deus
não sou curioso.
(Não há palavras que logrem
dizer quanto me sinto em paz
perante Deus e a morte.)
Escuto e vejo Deus em todos
os objetos, embora não entenda
Deus nem um pouquinho,
assim como não entendo que
possa alguém ser mais maravilhoso
do que eu.
Por que deveria eu querer
ver Deus melhor do que neste dia?
Eu vejo algo de Deus a cada
uma das vinte e quatro horas,
e a cada momento delas,
nos rostos dos homens e das
mulheres eu vejo Deus, e no meu
próprio rosto pelo espelho,
acho cartas de Deus caídas
pela rua e todas assinadas
com o nome de Deus,
e as deixo onde elas estão,
pois sei que aonde quer que eu vá
outras hão de chegar
pontualmente sempre e por todo o sempre.
O malhado gavião cai sobre
mim e me acusa, sente-se mal
com a minha conversa e o
meu andar à toa.
Também não sou nem um
pouquinho acomodado,
e também sou difícil de
entender,
faço soar meu bárbaro
dialeto sobre os telhados do mundo.
o último passo do dia
demora por minha causa,
puxa a imagem de mim depois
que para e é fiel como todas
nas sombras desfiguradas,
vai-me levando para o vapor
e a treva.
Eu parto que nem ar, sacudo
os cabelos brancos
ao sol que está indo
embora,
derramo minha carne em
remoinhos e a deixo flutuando
em pontas rendilhadas.
Eu me planto no chão para
crescer com a relva que eu amo,
se de novo me quiserdes
buscai-me embaixo das solas dos
vossos sapatos.
Dificilmente sabereis quem
sou ou o que significo,
mas apesar de tudo para vós
serei boa saúde
purificando e dando fibra
ao vosso sangue.
Deixando de encontrar-me ao primeiro momento,
conservai a coragem:
perdendo-me em um lugar, ide procurar-me em outro;
em algum ponto eu hei de estar parado a esperar por
vós.
WALT
WHITMAN – O livro Folhas
de Relva (Harbra, 2011 – tradução de Geir Campos), do poeta, ensaísta e
jornalista estadunidense Walt Whitman (1819-1892), publicado
primeiramente em 1855, reunindo apenas dose poemas, tendo sucessivas reedições
até a sua edição de leito de morte em 1891-1892, com mais de quatrocentos
poemas, sendo, pois, considerado pelo autor que cada edição era um livro
próprio e distinto com alteração do conteúdo e da forma.
Veja mais aqui.