O SONHO DE
INFÂNCIA &OS DISSABORES DA VIDA - Imagem: Exile From One's Country, art by Mohammed Al-Amar - A infância dela parecia sonho entre brinquedos e mimos. A
falta de um irmãozinho era suprimida pela coleção de bonecas de todos os
tamanhos. Não lhe faltavam atenções, manhas e presentes. Os pais sempre às voltas
com surpresas e festas. Assim até à adolescência, dobraram-se os cuidados,
tinha sempre um vigilante à espera para onde fosse: cinema, escola, cursos. O namorico
inocente começou às escondidas, logo a desconfiança pairou sobre determinado
rapaz, um ou outro na adivinhação dos protetores. Não demorou muito, resolveu
de cara botar tudo em pratos limpos e logo passou as boas novas. Ledo engano, o
pai não aprovou aquela sua paixão de debutante, não sabia ele que já suspirara
por tantos que nem notavam sua presença, sempre levados por outras meninas mais
afoitas que ela, a timidez atrapalhava. Mesmo assim manteve o idílio e quando
se viu obrigada a afastar-se do tal, por vingança, entregou-se. Emprenhada, não
esperava que o amado fugisse à responsabildiade, evadiu-se dela nunca mais
saber dele. O genitor não lhe perdoou a fraqueza. A mão solidária, ranzinza e
ríspida, não dava tréguas. A religiosidade deles não permitia o aborto sugerido
pelas colegas e parentes, o filho dos sonhos de infância passava a ser um peso,
nove meses e viu-ss mulher na marra, tinha que se virar e, depois de sério
desentendimento, buscar sustento por subempregos, promessas de glamour no
desfile de modelos. Duplo engano, sozinha, filho pra cuidar, suas fantasias de
princesa se esvaíam em lágrimas e cada sapo beijado não se tornava no príncipe
que lhe redimisse todas as dores e incertezas. Tentou fazer o certo, esforçou-se
aproximar-se dos familiares e da religião, ou isso ou não tinha mais a quem
recorrer, cabrestos dobrados, severidade aguda se quisesse alguma ajuda. Não
dava mais pra pensar em dançar balé ou funk, ou ser atriz de novela ou cantora
de sucesso, tudo se apagara com os pesadelos, não queria esperar a vida inteira
por um milagre, foi à luta. Mais ousava, mais se rendia. Aprendeu que o amor é
lindo, mas em nada se parecia com o que dizia os poemas dos homens e o que lhe
queimava por dentro: o amor era mesmo incompreensível. A vida, pior, era um
quebra-cabeça complicado pela escola, pelos professores, familiares e todos que
queriam meter o bico na sua vida, sentindo-se por isso ora Eva, culpada pela
queda dos homens, ora Lilith, dolosamente desamada. Aprendia da forma mais
amarga, a indiferença doía como uma punhalada funda no peito. Viu-se
chantageada, ludibriada, usada e corrompida. Na volta do dinheiro, tudo é bom. Porém,
para tê-lo teria que abrir as pernas, deixar-se possuir por qualquer um e
fingir o gozo nunca tido. A história continuava contando só pra quem venceu,
aos perdedores o fel do fracasso e anonimato, o estigma dos malditos. Ela acreditava
na felicidade, ao mesmo tempo que sabia impossível ser feliz, coisa só pros
outros, ela já estava condenada a sofrer. Mesmo que gritasse: Eu existo! Nada adiantaria,
sua vida, pra ela mesmo, não tinha mais conserto, só fugazes prazeres fingidos e
tudo uma droga, ou se sujeitava ao braço do macho, ou amargaria o sabor da
incompreensão. Não. Mil vezes disse não e mil vezes mais repetiu que jamais
cederia e cedia a cada vez mais que negasse e via-se sem saída, cuspida, ultrajada,
seviciada. Ah, pensava consigo, existe um outro jeito de ser feliz, há de haver
e sonhava. Aos poucos percebeu que tudo era só sonho, no chão a sua vida. Ah,
vou à luta! E foi, de novo, saias ao vento, coração na mão, a vida que fosse o
que Deus quisesse. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
Vindo de longe a orquestra do meu bloco
De braços dados com Maria
Cantava alegre até o romper do dia.
Meu Deus do céu
Meu Deus do céu
Onde andará Maria?
Maria Sorrindo, o povo na rua
Cantava, cantava, cantava.
Maria dançando, o mundo que gira
Parava, parava, parava.
Em toda a cidade o que era tristeza
Virava alegria e eu era feliz
Carregando em meus braços Maria.
Onde
andará Maria, premiado frevo-de-bloco da atriz,
instrumentista e compositora Diná de
Oliveira (1907-1998).
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As mulheres soltam o verbo, o verso & o sexo porque
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DESTAQUE: ALCESTE DE EURÍPEDES
[...] Estão me arrastando.... eu o sinto! Alguém me oprime... tu não vês? Arrastam--me para a mansão dos mortos... É Plutão!... ele mesmo!.... com suas asas... e seus olhos horrendos, cercados de negras sobrancelhas... oh! Que fazes? Deixa-me! Pobre de mim! Que caminho sombrio é este, por onde me conduzem? [...] bem vês a que extremidade cheguei; desejo, antes de morrer, que ouças o que te quero revelar. Amando-te sinceramente, e dando minha vida para que continues a ver a luz, morrerei por ti quando poderia viver por longo tempo ainda, receber por esposo aquele, dos tessálios, que eu preferisse, e habitar o palácio real. Mas recusei-me a viver privada de tua companhia, e a ver meus filhos sem pai; não me poupei, dispondo embora dos dons da mocidade e dos meios de os usufruir. Traíram-te teu pai e tua mãe, sim! Pois sua avançada idade lhes permitiria uma morte gloriosa, salvando o filho por um rasgo meritório. És, com efeito, o filho único que possuem; após tua morte, nenhuma esperança lhes seria possível, de ter ainda prole no futuro. E eu continuaria a viver, tu não sofrerias por toda a vida, a falta de uma esposa, e não serias forçado a educar filhos órfãos de mãe.. mas um deus quis que as coisas tomassem este rumo... seja! De tua parte, e porque sempre te hás-de lembrar disto, concede-me uma graça, em troca; não igual à que te faço, pois não há bem mais precioso que a vida; mas juta, como tu mesmo reconhecerás. Tu amas a nossos filhos tanto quanto eu, se teu coração é sincero e honesto. Que sejam eles os donos de nosso lar! Não os submetas, nunca, à autoridade de uma madrasta, que seria certamente inferior a mim, e que, impelida pelo ciúme, maltrataria essas pobres crianças que são teus filhos, mas também são meus! Eu te conjuro: não faças tal coisa! A madrasta que sucede à esposa é inimiga dos filhos do primeiro matrimônio, e em nada inferior a uma víbora. O filho varão tem, no pai, um protetor; corre para ele, e o pai o protege. Mas quanto a minha filha, como poderá ser honestamente educada durante a sua virgindade? Ó minha filha! Que segunda esposa de teu pai mandará sobre ti? Receio bem que, lançando sobre tua reputação uma nódoa infamante, possa ela amargurar tua juventude, e impedir que realizes um ditoso casamento. Tua mãe nada poderá fazer pelo teu consórcio; nem estará a teu lado quando vierem ao mundo teus filhos, quando não há companhia mais querida que a de uma boa mãe. Devo morrer; e este cruel trespasse não será amanhã, nem no terceiro dia do mês; mas dentro de alguns momentos já estarei incluída entre os mortos. Meu esposo, sê feliz... tu bem te podes gloriar de ter possuído a mais amorosa das esposas, e vós, queridos filhos, de terdes tido a mais carinhosa das mães!
[...] Estão me arrastando.... eu o sinto! Alguém me oprime... tu não vês? Arrastam--me para a mansão dos mortos... É Plutão!... ele mesmo!.... com suas asas... e seus olhos horrendos, cercados de negras sobrancelhas... oh! Que fazes? Deixa-me! Pobre de mim! Que caminho sombrio é este, por onde me conduzem? [...] bem vês a que extremidade cheguei; desejo, antes de morrer, que ouças o que te quero revelar. Amando-te sinceramente, e dando minha vida para que continues a ver a luz, morrerei por ti quando poderia viver por longo tempo ainda, receber por esposo aquele, dos tessálios, que eu preferisse, e habitar o palácio real. Mas recusei-me a viver privada de tua companhia, e a ver meus filhos sem pai; não me poupei, dispondo embora dos dons da mocidade e dos meios de os usufruir. Traíram-te teu pai e tua mãe, sim! Pois sua avançada idade lhes permitiria uma morte gloriosa, salvando o filho por um rasgo meritório. És, com efeito, o filho único que possuem; após tua morte, nenhuma esperança lhes seria possível, de ter ainda prole no futuro. E eu continuaria a viver, tu não sofrerias por toda a vida, a falta de uma esposa, e não serias forçado a educar filhos órfãos de mãe.. mas um deus quis que as coisas tomassem este rumo... seja! De tua parte, e porque sempre te hás-de lembrar disto, concede-me uma graça, em troca; não igual à que te faço, pois não há bem mais precioso que a vida; mas juta, como tu mesmo reconhecerás. Tu amas a nossos filhos tanto quanto eu, se teu coração é sincero e honesto. Que sejam eles os donos de nosso lar! Não os submetas, nunca, à autoridade de uma madrasta, que seria certamente inferior a mim, e que, impelida pelo ciúme, maltrataria essas pobres crianças que são teus filhos, mas também são meus! Eu te conjuro: não faças tal coisa! A madrasta que sucede à esposa é inimiga dos filhos do primeiro matrimônio, e em nada inferior a uma víbora. O filho varão tem, no pai, um protetor; corre para ele, e o pai o protege. Mas quanto a minha filha, como poderá ser honestamente educada durante a sua virgindade? Ó minha filha! Que segunda esposa de teu pai mandará sobre ti? Receio bem que, lançando sobre tua reputação uma nódoa infamante, possa ela amargurar tua juventude, e impedir que realizes um ditoso casamento. Tua mãe nada poderá fazer pelo teu consórcio; nem estará a teu lado quando vierem ao mundo teus filhos, quando não há companhia mais querida que a de uma boa mãe. Devo morrer; e este cruel trespasse não será amanhã, nem no terceiro dia do mês; mas dentro de alguns momentos já estarei incluída entre os mortos. Meu esposo, sê feliz... tu bem te podes gloriar de ter possuído a mais amorosa das esposas, e vós, queridos filhos, de terdes tido a mais carinhosa das mães!
Trecho da peça teatral Alceste, do poeta trágico grego Eurípedes (480-460aC), contando a história de uma princesa que, na mitologia
grega, torna-se célebre pelo amor dedicado ao seu marido. Veja mais aqui e
aqui.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA