O QUE ESPERAR DO AMANHÃ - Imagem: aquarela
do artista Rajkumar Sthabathy.- Biritoaldo
sempre acreditou em milagres. Pudera, num simples piscar de olhos tudo podia
acontecer. O que esperar do amanhã, sonhava, olhos abertos, feliz de si,
mergulhado em seus pensamentos. Ao cair na real, culpava os pais por não ter
alcançado a sua felicidade, todos os outros igualmente responsáveis por sua
desgraça. Tinha visões de que um dia seria bem sucedido, isso desde menino. Olhava
pra vida um futuro ideal. Na adolescência, viu-se na encruzilhada: queria ser
alguém na vida. Precisava e muito ter seu próprio sustento, não depender de
ninguém, seguir seu próprio caminho. Era a hora de se despedir da infância e
encarar o mundo de frente com o aprendido e por aprender. A hora das escolhas.
O tempo passava e muitas opções. O pai sonhava vê-lo respeitável advogado,
homem das leis, do certo e do errado. Contudo, não simpatizava todo empaletozado
com ar policial a transformar supostos réus ou requeridos a exangues vítimas às
cinzas de caprichos jurisprudenciais e do malabarismo jurídico, ou metido na
gestão de conflitos ou com ares de prepotência de juízes e promotores. Não,
isso não, o tempo passava. A mãe o tinha por um famoso médico salvador de
vidas, entretanto, não administrava bem as condições de dor, nem podia ver
sangue que desfalecia. Para ele, a intervenção cirúrgica era uma violência
irreparável ao corpo sagrado do ser humano, uma selvageria. Além do mais, não
era do seu feitio a prática de mecânico para repor peças reparando o funcionado
normal das pessoas como se fossem coisas, ou prescrever milagrosos placebos
para uma gente adoentada que só queria se livrar da dor e ser feliz sem, ao
menos, saber o porquê de suas enfermidades. Era o que pensava, por isso, também
não, e o tempo passava. Ah, o padrinho engenheiro do primo era um convite para
seguir seu caminho, homem de posses e arroubos, bastante persuasivo e
simpático. Todavia, os pequenos erros de cálculos dos imprevistos acidentes,
afora o imbróglio de equações e números, isso também não, e o tempo passava.
Nutria simpatia pelo pai do amigo de escola que era um invejado economista,
profissão da moda na vitrine da mídia, profeta do futuro com palavreado confuso
em fazer dar certo o que sempre dava errado. Entretanto, ouvindo o ditado
chinês sobre o engano e ter ouvido dizer que a crise existe desde que o seu
tataravô era menino de bunda de fora, não isso não, o tempo passava. E mais
ouvia que cada um é especialista em alguma coisa, ele precisava ser um deles:
fazer uma única coisa e o melhor possível. O tempo passava, a adolescência se
esvaíra, adulteza no tino. Se havia especialistas, ele era em porra nenhuma. E permanecia
acreditando em milagres, sem conseguir mudar nem seu ponto de vista, nem a
compreensão das coisas. Vivia o agora no célere futuro com suas apreensões e
tensões, a recessão mundial, a falsa perspectiva e o desânimo global, o pesadelo
das intrigas, as desditas e desventuras, sucumbindo às frustrações: é que para
ele só vinha o que não era esperado, o indesejável. E se frustrava com suas
expectativas, morria a cada situação adversa, sem ao menos lograr vencer sua
própria apatia e os grilhões da inércia e do desânimo. Ah, ele agia na veneta,
uma motivação emergente que, ao constatar a menor inclinação, logo se recolhia
ao seu tolo modo de vida. Não era isso que queria. Não havia como analisar cada
decisão, tomava na cara; não submetia nada à luz da razão, só o impulso do
desejo. Se era pra resolver, resolvia de qualquer jeito, um dia a coisa muda. Se
havia problema, importava só resolvido, da forma que fosse. O tempo passava e
ele acreditava em milagre, um dia há. O tempo passou e ele não viu o que fez: a
confissão faz bem à alma, liberou emoções reprimidas. Lavou suas culpas,
lágrimas no aperto. Cada um dos inimigos ele encarou: estavam todos dentro dele
mesmo, fantasmas vigilantes. Resolveu enfrentar o perigo e dominá-lo, não se
apavorou; tropeçou, caiu e riu: é só uma ilusão, e voou, asas à liberdade. Se sobrevivia
era porque ativava o mecanismo de segurança a todo momento, carregado de
temores e sempre atento, sempre em vigília, desconfiando-se de tudo. Pra mudar,
liberou geral. Esqueceu de tudo, um dia sequer do passado lembrava. Procurou de
forma determinada e com incondicional afinco antever os benefícios e resultados
prazerosos de tudo, restou-lhe uma lágrima, uma única lágrima de satisfação. Não
durou muito, desolado, sabia agora que o amanhã se faz hoje e só restava plantar
no jardim da alma uma semente de vida. E foi viver. Ao acordar no outro dia,
não sabia de nada, era o mesmo de antes e o que fez ou havia resolvido fazer
dali por diante, nem de longe passava em sua mente, não havia o que fazer, a
ele só seguir e apenas manter a firme resolução de acreditar em milagres. ©
Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
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DESTAQUE: A CAÇADA, DE JOSÉ JOAQUIM DA SILVA
[...] Os
índios iam e viam pelo caminho, alguns embriagados, levantando o punho para o
mote,. O Taita Imbatura, que os havia traído. As mulheres fundiam lentamente o
mate nas vasilhas de chicha e repartiam a bebeida, chorando. Era o rosto da
indianada que se apegava aos casarios da lagoa. Iam tirar-lhes as terras. Iram tirar-lhes
as terras. O pensamento se repetia no cérebro, como os golpes isócronos do
tambor longínquo. Não havia dúvida: iam tirar-lhes as terras. A ideia fixa
perseguiu-os desde que os brancos amanheceram perambulando pelos campos, entre
as sementeiras, armados de seus diabólicos instrumentos que vão até o fundo da
terra e medem-na com compridas fitas, tal como se faz com o cadáver antes de
escolher o alaúde. Mas os runas caíram sobre eles de surpresa. Os brancos
acabaram abandonando aqueles aparelhos de bruxo. Salvos! Em seu poder,
finalmente, o motivo de suas desgraças, a arma maléfica que torna os inimigos
invencíveis. Até que lhes esgotou a paciência e começaram a levantar o braço, a
gritar, a levar os punhos perto dos olhos. Os caciques ouviam, sem responder. Afastaram-se
uns minutos, deliberaram. E retornaram imperturbáveis. Rodearam os
instrumentos, como se fossem prisioneiros e os foram destruindo pausadamente,
como os corpos humanos que é preciso desarticular, furar, rasgar, reduzir a pó
e a cinza. Com que prazer empastelaram sobretudo esse pequeno monstro parado em
três pés, cujo olhinho d’água, inquieto burlão, movia-se de um lugar para outro
e brilhava perversamente no sol! Sem a pupila brilhante, o branco já não
poderia ver até o fundo da terra. Depois, papaizinho, depois apareceram os
soldados com suas armas de relâmpagos e trovão. Taita Imbatura não os havia
protegido. Era um monte traidor. Na margem da lagoa os pinhos ameaçavam [...].
Trecho do conto A caçada (Cultrix, 1968), do escritor e jornalista equatoriano José Joaquim da Silva.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte da pintora, desenhista e ilustradora
dinamarquesa Gerda Wegener (1886-1940).
DEDICATÓRIA: ANGEL POPOVITZ
Preciso do perfume / da sua libido / para trazê-lo
comigo. / Fazer de ti meu abrigo, / meu desejo
escondido. / Te cantar abertamente / às cores do amanhecer / que o sol
presenteia. / Sonho com cada toque, / que chego a sentir / a macia aspereza de
sua barba / roçando o macio / do interno de minhas coxas, / - amanheço desejo -
/ onde o céu que vejo / é apenas uma explosão de luzes. / Essa distância /
ainda me levará / ao dia em que minhas mãos / sempre despidas, / e sem pudores,
/ irão ensinar-te / que o grito mais alto e profundo / é uma declaração
incontrolável / de amor à Vida. / E enfim, não teremos línguas para comentar...
/ estarão mesmo cansadas, / ainda assim entrelaçadas / como nossos corpos / no
leito deleitoso / em um misto de suores, salivas e gozos. / E na manhã o
cansaço nos adormecerá, / e o tempo saciado esquecerá de nós. (Plenitude).
A edição
de hoje é dedicada à poeta Angel Popovitz.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: Havia aqui uma árvore, agora só uma placa.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.