NEM SABIA O QUE SUCEDEU – Imagem: arte do pintor estadunidense John Currin. - A vida e o espanto logo ali, o caminho é uma
lâmina afiada lambendo minhas pegadas. A mulher me olha e eu quase esqueço a
escorregar, olhos vivos demais na minha caligem, quase nem enxergo o vulto, só
o seu olhar atento, imantado. Às vezes vou incólume na travessia, nem sempre,
escapei por pouco e poucas vezes, é que conheço bem o fundo do poço, por isso
voo livre como quem não sabe. Ela foi até a esquina e voltou. Eis-me por um
fio, nada a declarar, o triz uma eternidade e eu jamais sei como voltar, embora
queira jamais sair. Quem dera houvesse um tempo de ir e voltar sem ter que
atravessar ruas com tanta gente com a fisionomia exaltada de noites mal
dormidas. Ela me sorri entre apressados que quase lhe levam a face e chegada. Ah,
se engraçam de si mesmos, ar de insatisfação, e eu andante sem que tivesse que
cair a tarde toda vez que o amor desse a volta para nunca mais. Ela sequer sabe
que desgarrado da matilha, nunca mais porto seguro com tantas intrigas e
facadas pelas costas, só o contorno da enseada para me afogar na primeira poça
de sangue ou escarrada. Há de haver outra hora, outro lugar, nunca a mesma
coisa que insistem em recontar, como se debulhassem seus rosários para
presságios dos outros. Ela vira a face pros pássaros enquanto, cá comigo, será
que ontem de manhã eu achei o que havia perdido, e hoje nem lembro mais, ah,
como é frívolo querer o que não tem, o quintal do vizinho é mais meu, ele nem
sabe o tanto, sequer passa na cabeça da sua fortuna lugar tão belo e
desabitado. Os pássaros dali são meus, ela nem sabe, ninguém se dá conta e
torram a paciência alheia com seus arroubos ou queixumes. Do que tive quase nem
sei, talvez nem sequer me lembre, ela se foi sem aceno e dobrou a esquina, valho-me
do que tenho e sou feliz mesmo que tudo se derrube e eu possa singrar as
avarias para ver do outro lado da ruína o que é por demais esperado noitedia, a
viver com o bem-querer guardado no coração. ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do saxofonista e músico de jazz
estadunidense Charles Lloyd New
Quartet: Oslo Jazz Festival,
Heineken Jazzaldia & Jazz Baltica; da cantora e musicista francesa Ala.Ni: Festival Jazz Sous Les Pommiers, 2Voor 12 Session &
Le Ring; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] No
poetar do poeta, como no pensar do filósofo, de tal sorte se instaura um mundo,
que qualquer coisa, seja uma árvore, uma montanha, uma casa, o chilrear de um
pássaro, perde toda monotonia e vulgaridade [...]. Pensamento extraído da
obra Introdução à Metafísica (Rio,
1969), do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976). Veja mais aqui.
A VIDA & A ARTE - [...] o
artista proporciona mais do que uma consolação momentânea de nossas misérias;
ele vai além do véu que oculta a fonte de nossa depressão e nos apresenta
provas da vitória do impulso sobre as forças da destruição [...] Nossa necessidade de beleza nasce da
tristeza e sofrimento que experimentamos com os nossos impulsos destrutivos em
relação aos nossos objetos bons e amados. [...]. Trecho extraído da obra As origens da forma na arte (Zahar,
1981), do poeta anarquista e crítico de arte britânico Herbert Read (1893-1968).
I LOVE MY HUSBAND - [...] atraído
pelo meu cheiro e do animal em convulsão, ia pedindo de joelhos o meu amor.
Sôfrega pelo esforço, eu sorvia água do rio, quem sabe em busca da febre que
estava em minhas entranhas e eu não sabia como desperta. A pele ardente, o
delírio, e as palavras que manchavam os meus lábios pela primeira vez, eu
ruborizava de prazer e pudor, enquanto o pajé salvava-me a vida com seu ritual
e seus pelos fartos no peito. Com a saúde nos dedos, da minha boca parecia sair
o sopro da vida e eu deixava então o Clark Gable amarrado numa árvore,
lentamente comido pelas formigas. Imitando a Nayoka, eu descia o rio que quase
me assaltara as forças, evitando as quedas-d’água, aos gritos proclamando
liberdade, a mais antiga e miríade das heranças. [...] sacrifico-me outra vez para não vê-lo sofrer. Será que apagando o
futuro agora ainda há tempo de salvar-te? [...]. Conto extraído da obra O calor das coisas (Record, 2009), da
premiadíssima escritora e imortal da Academia Brasileira de Letras, Nélida
Piñon. Veja mais aqui.
POEMA – Nenhum homem, se
os homens deuses são / mas se os deuses homens devem ser. / E algumas vezes um
homem é isto / (mais comum para cada angústia é sua pena / e para a sua alegria
é mais, alegria, muito raro). / Um diabo, se os diabos falam a verdade, / se os
anjos ardem pela própria, generosa, e toda luz, / um anjo, ou (como vários
mundos ele rejeita / antes que falhe a imensurável sina). / Covarde, traidor,
palhaço, idiota, sonhador, uma besta. / Assim foi um poeta e assim será e é / o
que resolverá a profundidade do horror/ só para defender a arquitetura / do
raio do sol com a sua própria vida. / E talha a floresta imortal do desespero /
só para conservar o bater do coração / da montanha em sua mão. Poema do poeta
estadunidense Edward Estlin Cummings
( e.e.cummings 1894-1962). Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE JOHN CURRIN
A arte do pintor estadunidense John Currin.
&
Sorria
pra viver, a literatura
de Albert
Camus, o pensamento de Charlie Chaplin, O rapto de Prosérpina de Jan Peter Van
Baurscheit & a arte de Ricardo Ponce aqui.