A CATITA NÃO TEM O QUE FAZER – Imagem:
arte da artista sul-africana Marlene
Dumas. - Na manhã os passos dos transeuntes pra lá e pra cá, suas culpas,
dores e anseios. Quando muito olham pros lados, se entretem com um cão que luta
por seu osso ou escarram bons dias, uns aos outros, sem se importarem com a
natureza do catarro, se de bem ou por males nunca dantes revelados. Sabem
apenas que vão com seus umbigos para onde eu não sei, seus interesses, preços e
olê olás. Depois do meio-dia, a tarde é quase a mesma de outros e tantos dias,
se sobem ou descem, os passantes seguem à risca suas cartilhas de fé, esperteza
e competição, sem se dar conta do escorpião que saiu de um buraco e tira fino
nas canelas e calcanhares que estão absortos com o bom que é de quem chegar
primeiro, besta que cochile, o milagre da sorte demorada é só para um, o resto
que se dane. E se chegou a vez, quem quiser que morra de inveja, trancelins,
etiquetas e brebotes foram feitos pra soberba. Quem quiser que guarde o seu e,
vez em quando, se bater o remorso, obre caridade pra mostrar que também é filho
de Deus. À boquinha da noite, todos se benzem à Hora do Angelus, correm pra
ceia, suor do dia na catinga do sovaco, trocados que sobraram nos bolsos,
compras pra felicidade do lar, e umas lorotas na ponta língua pra comerem a
hora, enquanto uma lagartixa espreita uma barata que se insinua à toa sem saber
do bote pra devorá-la. Os que chegaram, vencedores ou vencidos, se não roncam
impunes, zanzam insones pelo assoalho, mastigando arrependimentos, estratagemas
ou camas de gato pro dia seguinte, e riem porque alguém chorará, não se sabe
quem, problema do vacilo e da leseira, só ganha quem é esperto, essa a lei
absoluta, que venha a madrugada pros sonhos ou pesadelos, eu à janela com o
calor da hora chuvosa, às baforadas e uma catita rouba minha atenção, passeando
em um dos fios de eletricidade. Ela vem às pressas e em frente da minha janela,
para e olha pros lados, se vira olhando pra baixo, gira novamente como se
quisesse pular, a altura parece deixá-la sem saber o que fazer, segue adiante,
acompanho, vai determinada fio acima e segue a um rolo de fios enrolados no
poste, o seu labirinto, de perder sua presença. Pra onde terá ido? O que lhe
acontecera? Será que ela conseguiu descer tal como subiu, não sei, ela se foi,
sumiu e eu aqui preocupado com o seu destino. Ah, ela não está nem aí, eu
querendo saber o que será dela, se predador ou choque elétrico suspendendo o
fornecimento de energia, eu na escuridão, temeroso com o céu plácido com
previsões sinistras no centro dos meus temores, que pra ela pouco importa se
escapará do algoz ou não, se seguirá adiante até uma ratoeira aplacar-lhe as
invasões, se comeu ou morreu de fome pra festa dos vermes, não sei. Esperei um
pouco para ver se lhe descobria esquina afora, nem sinal. Ora, ora, a catita
não tem mesmo o que fazer. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor alemão de música
contemporânea Karlheinz
Stockhausen (1928-2007): Oktophonie,
Mantra & Sonatine; da a compositora, pianista e escritora Jocy
Oliveira: Ouço vozes que se perdem nas
veredas que encontrei, A música do século XX & Medea Ballade; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog
& nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para conferir é só ligar o
som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA –[...] a
palavra amor, rota pelo uso, irreconhecível pelo pó acumulado, trinchada pelas
conveniências, dividida pelas práticas, ainda poderia deter em si alguma carne,
e significar algo do que sempre quis significar: amor. [...] os diminutivos costumam ser carinhosos. E
que mesmo rotos, irreconhecíveis pelo pó acumulado, perdidos por entre as
práticas, permanecem o que sempre foram e que nunca deveriam ter deixado de
ser: carinhosos. Mesmo sendo diminutivos, costumam ser bem maiores. São
capazes, por exemplo, de dar maior peso e carne ao amor abstrato. “Meu
amorzinho” é um amor bem maior que “meu amor”. [...]. Pensamento extraído
da dissertação de mestrado Antão, o Insone: estudo sobre as relações dialógicas entre a visão e a
cegueira (UFPE, 2003), do poeta, professor,
quadrinista, ilustrador e artista visual Marcelo Coutinho. Veja mais aqui.
INVOCAÇÃO DA
ESPERANÇA - [...]
capacidade de contemplação e de criação
do homem, aproveitando tudo aquilo que foi feito com o sacrifício dos trabalhadores
durante séculos e séculos. [...] esperança
de que se estabeleça na Terra um paraíso terreal, de que, pela meditação, os
homens cheguem a um tempo em que o paraíso terreal e o espiritual, o do Céu,
sejam exatamente a mesma coisa [...] em
que o homem deixa que brote de si tudo quanto é de possibilidade divina ao
mesmo tempo que não perde nada da sua humanidade [...]. Trecho extraído da
obra Ir à Índia sem abandonar Portugal,
considerações, outros textos (Assírio & Alvim, 1994), do
filósofo, poeta e ensaísta português Agostinho da Silva (1906-1994).
Veja mais aqui e aqui.
O DRAMA – [...] Olha
de longe aquele seio túmido que não conhece, no qual os dedos minúsculos se
crispam como donos. Olha aquele pequeno ser de carne, que se apressa, ávido por
viver. Olha Cécile, e esse semblante novo, pálido, um pouco mais gordo,
rejuvenescido: seu rosto de outrora. Depois, por um gesto que ela faz, a fim de
amparar a pequena, vê-lhe na mão a aliança.... Eram noivos: ele chegava de
Paris, com o estojo no bolso; encontrara Cécile sozinha: ajoelhara-se, corpo e
alma, diante dela, a fim de enfiar-lhe no dedo aquele anel, o elo, a cadeia...
Todo um passado de mocidade e de ternura... Ah!R esse desejo sincero e
tresloucado que tinha de dar e de colher a felicidade!... Soergue um sudário:
viola o sepultamento dos dois que eles foram. Sente-se outro. Ela também....
ambos, tão diferentes! E que fazer? [...]. Trecho extraído da obra O drama de Jean Barois (Delta, 1964), do
escritor francês Roger Martin du Gard
(1881-1958), Prêmio Nobel de Literatura de 1937.
TRÊS POEMAS – ANACREÔNTICA:
Poeta! Sofreia os ímpetos! / Não faças que o meu amor / fuja e evole-se – ave
tímida - / ao róseo céu do pudor. / O amor é medroso e alígero; ]pomba, que
treme e que arruulha... / sê cauteloso; ela espanta-se / e foge à mínima
bulha... / Mudo, como Hermes de mármore / da árvore ao pé; hás de ver, / aos
poucos, sem sustos, da árvore / a pomba descer, descer... / Sentirás nas
fontes, flácido, / um sopro de alma frescura, / e um palpitar de asas, trêmulo,
/ num turbilhão de brancura... / E em teu ombro a ave selvática, / já mansa,
hás de ver pousar; / e o seu róseo bico, sôfrego, / nos beijos teus se fartar.
A DOIS BELOS OLHOS : Sois dona de um olhar misterioso e atraente... / tal no
fundo de um lago a lua refletida, / em vossos olhos rola a pupila, indolente,
onde estranha palheta esplende umedecida... / Ele tem do diamante o fogo, a
intensa vida, / e são de água melhor que a pérola do Oriente! / E os cílios no
agitar da pálpebra tremida, / longos velam a meio o seu fulgor veemente. / Dois
espelhos de chama, onde, em voejos infindos, / cupidos vão mirar-se e ainda se
acham mais lindos! / Neles se inflamam sempre os desejos, sem clama... / E tão
nítidos são, que deixam ver nossa alma, / como celeste flor de cálice ideal /
que se visse através de um límpido cristal. COERULEI OCULI: Certa mulher
misteriosa, / que m,e alucina, costuma / manter-se em pé, silenciosa, / junto
ao mar, que ferve e espuma... / No olhar, onde o céu se pinta, / que palheta singular,
/ ao amargo azul, a tinta / glauca mistura do mar?! / Na langorosa pupila /
bóia uma trsiteza vaga, / e a lágrima que vacila / e rola, o seu lume apaga. /
A palpitar, branca e exul, / lembram-me os cílios suaves / tribo de aquáticas
aves / sobre o indefinido azul... / Qual dágua no transparente / prisma, do
olhar se devassa / no fundo, nitidamente, / do rei de Tule a áurea taça; / e,
entre a alga e o sargaço, a gema / mais rara deslumbra e estão / de Cleópatra o
diadema / e o anel do rei Salomão; / e irradiação irisada / das pedrarias se
acende; / e a coroa da balada / de Schiller fulge e resplende. / Mago prestigio
me enleia / e ao fundo abismo de luz / me arrasta, como a sereia, / que a
Harald Harfagar seduz; / Me arrasta à ignota voragem, / até que eu nela me
arroje / trás da impalpável imagem, / que, aérea a flátua, me foge... / Nágua
esconde a ninfa bela / a cauda argêntea; e o brancor / da espádua lisa revela,
/ corando, da espuma à flor.... / Incha e, como um seio, arqueja / a vaga; em
mórbido acento, / na cava concha solfeja, / soluça, ressona o vento... / “Vem
reclinar-te em meu leito / de âmbar, e o saibo de fel / das ondas verás,
desfeito, / manar-te da boca, em mel; / “O pélago estoura e zune / por cima; e
a paz aqui mora, / sem que o rumor a importune / das tempestades de fora... /
“Vem, sem tédio, nem bocejos. / O esquecimento imortal / bebamos juntos, dos
beijos / pelo copo de coral”. / Assim é que a voz me fala, / desse olhar, que
me extasia: / e no fundo dágua, a escutá-la, / desço... e o himeneu principia...
Poemas do escritor, jornalista, dramaturgo e crítico literário Théophile Gautier (1811-1872). Veja
mais aqui.
A ARTE DE MARLENE DUMAS
A arte
da artista sul-africana Marlene Dumas.
&
Daqui
pracolá pelas calçadas & zis caminhos, As memórias de Wangari Maathai, a música de Anja Rupel, a fotografia de Nick
Ut, a arte de Karina Sarkissova, Ramon Martinez
& Lu Franzin aqui.