PRIMEIRA CARTA DE MAIO - O que tinha em
mente, rabiscar, nada mais abissal. Recorrera da vitalidade escassa, desenhava
palavras no papel em branco, o recomeço de sempre, caligrafia insegura, nada
mais habitual. Escrevia. Um passo em frente, parecia andar para trás. Reescrevia,
rasurava. Escritura de diário, algo parecido com o que se espreme de si em
letras grandes, como imaginar o sacrifício próprio ou alheio. Garranchos ilegíveis
e tortos que emergiam das linhas da mão, pelos cantos dos olhos até o solado do
pé, como se fossem braçadas para sair do lodaçal, passadas trôpegas. Tinha visto
apenas brechas, dia após dia, horas minguantes engolindo o que aparecesse pela
frente e a desconhecer o dia, o mês que corria, qual ano, marionete solta aos
sobressaltos em piso falso. Havia de ter algo por fazer como se fosse partir de
vez, varrer a vida como algo que se pudesse ler que nunca entendeu direito com o
que faz bem à saúde, o desafio de tatear a asfixia dos apuros, ruínas desanimadoras,
perturbadores destroços de enlouquecer. Dá-se aos reparos, enfim, a vida como
se fosse um mata-borrão depois de esquecido em lugar algum no mundo com o peso
da idade na procissão dos dias. Se teimava em caminhar, tombava, tropeçava,
rastejava, correções a sota-ventos, barlaventos, quando não se apoiava sobre os
cotovelos, ah, a vida o que seria, lembranças dos bons tempos de entusiasmo,
nada mais ilustrativo e nunca mais dormir sonhando com coisas de tempos atrás. Era
o que podia. Ainda via um pouco da transpiração por realizar algo que se
parecesse memorável, senão rajadas de desandares com o quanto se podia ter
feito de insignificante ou grandioso, nada, vendavais. O dia seguinte, quantos
embaraços, revertérios, não esperava pelo milagre de herdar uma fortuna já que
não tinha parentesco próximo nem distante, órfão do nada, jamais, em nenhum
outro lugar a esperança, se não se conseguisse qualquer desapontamento. O destino
qual porto, quem se atreveria fazer ou se entregar, viva ou morra, era a ordem
e tudo passava pelo erro da sorte. Era a hora da terra firme até o fim dos dias,
quisera. Nada a fazer além da assinatura de sobrevivente náufrago. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Desfilou ontem pela cidade, comemorando o
aniversário da Revolução Feminina de 1952, a Academia Feminina de Guerra, cujo
garbo fez estremecer todos os rapazes de família. Levado por minha tia Clara,
cuja cunhada é tenente-coronel do 4º Batalhão, fui para Avenida nº 8, que se
achava toda enfeitada. Em determinado momento, senti que uns olhos negros e
ardentes procuravam os meus. Eram da dra. Ester de Souza, engenheira do comando
aéreo Corcovado-Itatiaia e que mamãe considera uma das moças do Rio de Janeiro
mais capazes de amparar um rapaz como eu! Será, porém, para casar ou quererá,
ela, abusar de mim. [...] Ah, se as
mulheres soubessem quanto sofre um pobre rapaz honesto, e como lhe bate o
coração ao saber que vai, enfim, dormir sozinho ao lado de uma criatura de
outro sexo, entregando-lhe a sua pureza e sua fragilidade. [...].
Trechos da
crônica Feminismo triunfante, extraída
da obra Sombras que sofrem (Mérito,
1961), do escritor e jornalista Humberto
de Campos (1886-1934).
A MÚSICA DE SMETAK:
IMPREVISTO
Se é do eu / é céu / se é do ego / é cego.
Vivemos uma época tão problemática e tão apocalíptica.
É preciso uma orientação. Salve-se quem souber, porque poder, ninguém poderá
mais. O fim da fala ainda não é o início do silêncio. Sempre sou a gota que
volta ao oceano. É a obra que fica. O autor é aquele que vai embora.
O catálogo
Smetak Imprevisto, publicado durante
a exposição realizada em 2008, no Museu de Arte Moderna, São Paulo, reúne a
obra criadora do professor, músico e pesquisador suíço Walter Smetak (1913-1984), com Sound
Sculptures, M2005: Symphonic Work, Egg Experience, e Smetak para quem souber,
por Augusto de Campos; Smetak e a nova objetividade brasileira, por Felipe
Chaimovich; Imagem e som, por Solange Farkas; O visionarismo descompositoros,
por Bené Fonteles; além de bicéfalos, ovinhos, choris,
andarilho, bimono, imprevistos, Pindorama, amém, vina de duas cabaças, mimento,
máquina do silêncio, quebra-galho, fecundação cósmica, mulher faladora,
salvadura, o inca, caossonância, boré, anjo soprador, guerreiro, bis-nadinha, colóquio,
entre outros. Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE ANNETTE MESSAGER
Ser artista significa sararmos continuamente
as próprias feridas e, simultaneamente, abri-las de novo no processo.
A arte da premiada artista visual francesa Annette Messager. Veja mais aqui.
&
A OBRA DE MÁRIO QUINTANA
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!