NOTURNO À ROSARIO - Esta carta é o meu último poema, Rosario,
porque é dezembro e para mim não sei que dia
ou mês e ano, tanto faz, apenas o frio chuvoso aumenta a escuridão. Ante um
cadáver atormentado, sempre fui afligido pela
premência e mendicidade. Assim a minha vida desastrada, apenas um alento: você,
a bela filha da rica mansão do fórum literário, com sua voz melodiosa e o tom
apropriado para dizer as mais belas palavras, o fascínio de deusa na minha alma
e poesia, que recita admiravelmente todos os versos. Sou para você
transbordantes louvores pelo monumento da beleza de seus encantos físicos, musa
inspiradora e imortal do sangue espanhol, da pele morena, alta, ereta, ideal majestade
reinante com seus cabelos negros, olhos brilhantes de inequívoca realeza, lábios
rubros estreitos, grandiosa maravilha, soberanamente bela. Eu lhe dediquei
todos os meus dias e a minha vida. Eu declarei meu amor e me joguei aos seus pés
com o Noturno escrito no álbum de madrepérola. Não havia de esperar mais nada
da minha família desequilibrada, eu
desequilibrado, que mais poderia eu no meu silencioso desespero de sentimentos
difusos e hiperestesia. Era o amor na minha insônia de gritos angustiados e
horrorosos. Se não durmo, errâncias demais; se pálido esmoreço nas
minhas noites sombrias, seus olhos brilham na minha vida porque seus beijos não
são meus na minha loucura de ardentes delírios. É você que eu adoro, que
sinceramente amo, sofro e choro na minha última ilusão. Meus caminhos se perderam,
não há mais futuro na minha esperança morta. Todas as manhãs lhe visito, hoje
sou um amante com cheiro de amêndoas amargas nos lábios, a redenção no cianeto.
Pode parecer um aranzel qualquer todo esse desaarrazoado, mas não é. Não sei se
amanheço, tenho a doença do amor e um segredo irrevelável. Eu abençoei seu
desdém e desvios na minha vida extremamente noturna, só posso presentear o meu
eterno adeus. Pela última vez, para você, dedico a minha morte. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo & aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Havia algum
mistério no ar naquela manhã. Nada estava sendo feito na ordem habitual, e Mary
tinha a impressão de que havia muito menos criados que de costume na casa. Além
disso, os poucos criados que ela viu estavam se esgueirando pelos cantos ou
andando às pressas de um lado para o outro, com rostos pálidos e apavorados.
Mas nenhum deles lhe disse nada e sua aia não apareceu. Mary, na verdade, ficou
abandonada durante boa parte da manhã e, por fim, acabou decidindo ir para o
jardim e brincar sozinha debaixo de uma árvore, perto da varanda. Fingiu que
estava fazendo um canteiro de flores e espetou grandes botões vermelhos de
hibisco em montinhos de terra. E o tempo todo, enquanto brincava, ia ficando
cada vez mais zangada, resmungando consigo mesma o que iria dizer para Saidie
quando ela aparecesse e os nomes feios de que iria chamá-la. [...] Depois disso, coisas terríveis aconteceram, e o mistério daquela manhã
foi explicado a Mary. A cidade tinha sido atingida pelo cólera em sua forma
mais fatal e as pessoas estavam morrendo feito moscas. A aia havia adoecido
durante a noite, e foi porque tinha acabado de morrer que os criados haviam
começado a berrar e a chorar nas cabanas. Antes que o dia seguinte raiasse, três
outros criados morreram e vários fugiram, apavorados. Havia pânico por toda
parte e pessoas morrendo em todas as casas. [...]. Trechos extraídos da
obra O jardim secreto (Penguin,
2013), da
escritora e dramaturga inglesa Frances Hodgson Burnett (1849-1924).
MANUEL ACUÑA &
ROSARIO DE LA PEÑA - O poeta mexicano Manuel Acuña (1849-1873),
um dos maiores
representantes da literatura mexicana do período romântico. Ele alcançou
renome com uma produção melancólica e filosófica, com poemas como Noite, Ante um cadáver & Nocturno
a Rosario, entre outros, e o seu drama El
posado que estreou em 1872. Ao se apaixonar pela belíssima Rosario de la Peña y Llerena
(1847-1924) que se tornou musa de um amor impossível, levando-o ao suicídio por
envenenamento com cianeto de potássio. Ela desempenhou um papel muito importante na literatura
mexicana, mas não por suas produções, mas por sua animação ao grupo que liderou
a cultura mexicana no final do século XIX. Quanto ao formal, é a musa do poema Nocturno de Acuña, um favorito
tradicional dos leitores de poesia. Ao terminar os
últimos detalhes de sua última composição literária, Manuel Acuña ingeriu uma
dose de cianeto de potássio e foi encontrado morto com o poema, quando tinha
apenas 24 anos e publicou duas peças e poemas famosos. Sobre a história deste
amor, o filme Nocturno
a Rosario (1992), do diretor Matilde
Landeta, retratando os anos de estudante no
Colegio de San Ildefonso, onde conheceu vários intelectuais da época, além de
mostrar como ele decidiu tirar a vida por causa da rejeição amorosa de Rosario,
que pertencia à corte do imperador Maximiliano de Habsburgo. O casal foi
interpretado pelos atores Simón Guevara e Ofelia Medina. Veja mais aqui e aqui.
O CAVALEIRO INEXISTENTE & A
ARTE DE CONTAR HISTÓRIA
[...] a
arte de escrever histórias consiste em saber extrair daquele nada que se
estendeu da vida todo o resto; mas, concluída a página, retoma-se a vida, e nos
damos conta de que aquilo que sabíamos é realmente nada. [...] A página tem o seu bem
só quando é virada e há a vida por trás que impulsiona e desordena todas as
folhas do livro. A pena corre empurrada pelo mesmo prazer que nos faz correr
pelas estradas. O capítulo que começamos e ainda não sabemos que história vamos
contar é como a encruzilhada que superamos ao sair do convento e não sabemos se
nos vai colocar diante de um dragão, um exército bárbaro, uma olha encantada,
um novo amor [...].
Trechos extraídos da obra O
cavaleiro inexistente (Companhia das Letras,
2005), do escritor italiano Ítalo Calvino (1923-1985),
obra que integra a trilogia Nossos ancestrais, com as obras O visconde
fendido e O barão nas árvores. O livro ganhou um filme de animação
homônimo, em 1970, pelo diretor italiano Pino Zac. Veja mais aqui, aqui, aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.




