UMA CARTA ESQUECIDA – A dança do nascimento eu não sei, ao útero de
minha mãe retornei a ser criança para crescer outra vez com a dor e disse sim. Não
recusei meu destino, aceitei meu nascimento. Fui além do medo e do desejo,
carreguei culpas invisíveis. Eu disse sim: sim ao meu não, ao meu nome, ao medo
de fugir, à recusa do destino, à negação de tudo e me encontrei verdadeiro. Eu
me afirmei ao me opor, do igual para o outro e fiz a aliança para me
reconciliar com o passado. Eu me livrei da culpa e do horror, aceitei porque me
vi maior que a minha doença: nunca fui escravo da emoção. Eu escolhi a minha
vida, sou o vento que me carrega para a floração da primavera. O que meus pais
esperavam de mim, não vinguei; e me tornei o que sou; e, certamente, os tenha
decepcionado. Não poderia ser como eles; prevaleceu a impressão de que nem fui
desejado, apenas aconteci para surpresa, sinto nos meus tornozelos. Provei do
veneno e me curei. Desci ao inferno, enfrentei minhas sombras e os rancores no
ventre. Sempre estive só e a palavra presa na garganta. Perdoei e pude digerir o
peso do meu estômago. Teve uma hora tudo apodrecido ao meu redor, gente com
cerviz dura e sem olhar, como se vissem nada, o vazio, e eu entre Erínias e as Eumênides,
aprendendo que o guerreiro realizado não precisa de armas. Escutei meu corpo,
ouvi histórias esquecidas, ignoradas. Colhi o inesquecível que olvidei de mim
mesmo, o imperdoável: o inesquecível de cada momento vivido. Eu sequer sabia,
nem lembrava. Fiz-me aspirante com os joelhos descobertos para a prece iniciática
e o céu desceu à Terra. Vi todos os lados e direções: tudo é muito maior do que
possa perceber. Tenho na mão o meu coração e todas as mudras para reencontrar a
Estrela da Síntese. Sempre precisei dar um passo a mais, caminhar leve, pés
alados e na viagem ao centro de mim, não era outra a descoberta senão a dor da
Terra: tudo será decomposto. As minhas raízes eu sei, sou deste chão e levado, de
argila sou feito; coxeio, na verdade danço, porque tenho em mim eu e meus
irmãos, familiares e desconhecidos. Ao me encontrar com a minha vida escolhida,
me tornei o rei de mim mesmo. O aprendizado com os terapeutas de Alexandria me
trouxe a Árvore das Sephirot e a escada de Jacó, soube o que me foi dado e não
recebi por completa inaptidão. Nada não, se perdi a razão encontrei Deus e o
abrigo para o alheio. O que de mim restou, diante das provações da existência,
ficarei de pé até o fim dos meus dias. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] O
intelectual moderno não encontra dificuldades em admitir que o simbolismo da
mitologia se reveste de um significado psicológico. Está fora de dúvidas,
especialmente depois do trabalho dos psicanalistas, que tanto os mitos
compartilham da natureza dos sonhos, quanto os sonhos são sintomáticos da
dinâmica da psique. [...] As
mitologias folclóricas tomam a história da criação apenas no ponto em que as
emanações transcendentais irrompem em formas espaciais. Não obstante, em sua
avaliação da circunstância humana, não diferem em nenhum ponto essencial das
grandes mitologias. As personagens simbólicas que comparecem a essas histórias
correspondem em importância e não raro em características e façanhas às
personagens das iconografias mais sofisticadas, e o mundo maravilhoso em que se
movem é precisamente o mundo das grandes revelações: o mundo e a época que se
encontram entre o sono profundo e a consciência desperta, a zona em que o Uno
se torna o múltiplo e os muitos se reconciliam com o Uno. [...]. Trechos
extraídos da obra O herói das mil faces (Cultrix, 2015), do escritor, professor,
mitologista e conferencista estadunidense Joseph Campbell (1904-1987).
Veja mais aqui & aqui.
CRISE DA FORMAÇÃO
DOCENTE: [...] A situação
formação profissional do professor é invertidamente simétrica à situação de seu
exercício profissional. Quando se prepara para ser professor ele vive o papel
de aluno. O mesmo papel, com as devidas diferenças etárias, que seu aluno
viverá tendo a ele como professor. [...] a formação do professor precisa tomar
como ponto de referência a organização institucional e pedagógica dos cursos, a
simetria invertida entre a situação de preparação profissional e o exercício
futuro na profissão docente. A consciência da simetria invertida é, portanto,
condição extremamente necesária. [...] Um
profissional que acompanha os avanços de sua área de atuação, mediando formação
inicial e continuada, buscando uma profissão docente mais preparada para lidar
com o mundo contemporâneo. Não é excesso dizer que talvez estejamos formando
professores como o foi no século XIX. Também, passando acríticos pela
tecnocracia do século passado. Confrontados pela atualidade, estamos procurando
inovar a ação docente para além das queixas da profissão. [...]. Trecho do
artigo Prática pedagógica como componente
curricular e crise da formação docente, extraído da obra História, educação e memória: coletânea de
ensaios e palestras – 2008-2019 (Criaart, 2019), do poeta, historiador e
professor Vilmar Carvalho. Veja mais
do autor aqui, aqui & aqui, e sobre práticas pedagógicas contemporâneas
aqui & aqui.
QUATRO
POEMAS DE NORMA DE SOUZA LOPES
MAIS ALEM: disse por três vezes / nunca mas ambicionar validação alheia / olho
no espelho e pisco / que bela senhora
nos tornamos / tenho tempo e espaço para escrever / meu trabalho é uma
beleza / e esses pássaros que me acordam / estão cheios de poesia / mas são
tantas / as coisas sem serventia / que mantemos / uma roupa que não serve mais
/ um antigo CD / a coleção de garrafas vazias que sei / nunca vou usar / e esse
olho latente / do Outro, a bradar / o que eu devo ser / não queria escrever
poesia / como que faz filosofia / tantas palavras / quando bastava o silêncio
DIFERES: suspende tua sede / como quem / tem todo tempo / do mundo / ignora o
agora inexorável / a triturar o tempo / entre os dentes
ALAVANCA: o que me mantém / suspensa no ar / é o amor e a morte / salto e queda /
num abismo que arde / não se mira duas vezes / a inclassificável / substância
da nudez / festa do corpo / deveria ser impossível / cair em si / dada a
ausência / de ponto de apoio
EM CHAMAS: esta manhã eu fui uma mulher em chamas / e
carreguei comigo o calor e as cores das chamas / por falta de um mapa de
incêndios / e de companheiros incendiários / ardi em altas chamas /
completamente desperdiçadas.
NORMA DE
SOUZA LOPES - Poemas da poeta e professora Norma de Souza Lopes, autora dos livros De mim ninguém sai com fome (Patuá,
2017) e Borda (Patuá,
2014). Ela também edita o primoroso blog Norma Din, no qual ela expressa que: Escrever é essa costura cotidiana quando
posso tecer e juntar as pontas soltas da memória.
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QUATRO POEMAS DE AMANDA ARAÚJO
RETORNO DOLORRISO: Sinto a solidez desse impasse / E carrego comigo o
desgaste / Que é / Salvar amores / Sorrir dores / Torcer lençóis / Adiante o
projeto desbota / Como alvos flamejantes / Se esvai num pestanejar / Resta os
calos nos dedos / As alegrias amarelas / E o coração coral. / Venha tu / Vou-te
a ti / Voltarei / Ao lençol desbotado / O flamejante e alvo sorriso.
PAISAGEM: À beira de um precipício / Pulando com
uma asa só / Pendendo pro lado / Dando ponto sem nó / Deitado na rede / Ouvindo
a seda remoer / Um passo de lá / De cá, lago de correr / Meia volta / Vou ver!
/ O frágil giz de cera / Rabiscava na pele / Sem pressa / Sem presa / Sem
pesar.
CONTIGO, SEM TI: Fale de ti / Das
notas da flauta / Dos acordes irracionais / Fale das cores nuas / Da lua lilás
/ Conte-me dos cantos / O lírico / E o sagaz / Mas leva-me contigo / Ou roube a
minha paz / ... / Três pontos de
luz me rondavam: / Ipê colorido / Pés descalços / Calçadas solitárias.
AMANDA ARAÚJO - Poemas
da poeta e crítica literária Amanda
Araújo, acadêmica de Letras pela UFPE (EaD), incluída nas antologias O
futuro da poesia (2017) e Dezditos – Poemas Selecionados (2018), organizadas
pelo poeta e professor Admmauro Gommes. Veja mais da Amanda aqui e mais poesia
aqui.
A ARTE DE FRANCIS PICABIA
Os homens conseguem diplomas e perdem o seu instinto. A moral é a
espinha dorsal dos imbecis. A melhor maneira de sermos seguidos é correr mais
depressa do que os outros. Nossa cabeça é redonda para permitir ao pensamento
mudar de direção.
FRANCIS PICABIA - A arte do
pintor e poeta francês Francis Picabia (1879-1953), que foi vinculado ao
cubusmo e foi membro do grupo Puteaux,
publicou na Espanha o primeiro número da revista dadaísta 391, em 1916, além de
ter criado com André Breton a revista 491 e ilustrar a obra Janela do caos, de Murilo Mendes. Veja
mais aqui & aqui.
A ARTE PERNAMBUCANA
A arte
do gravurista, pintor, desenhista, ilustrador e professor Darel Valença Lins
(1924-2017) aqui, aqui & aqui.
A arte
do escritor, artista visual, professor, pesquisador, arquiteto e urbanista
Gentil Porto Filho aqui.
Cinema, Aspirinas e Urubus, filme de Marcelo Gomes aqui.
A arte
do quadrinista, ilustrador, desenhista, publicitário e webdesigner Nel Angeiras aqui.
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