domingo, março 15, 2015

ALAGOINHANDUBA, PAPISA JOANA, GILBERTO FREYRE & DIREITOS DO CONSUMIDOR


 

SE ALAGOINHANDUBA NÃO EXISTISSE, TERIA DE SER INVENTADAFoi preciso um defunto indignado ressuscitar duma hora pra outra, muito do invocado com a desmemória dos seus pósteros queridos. Sim. Para ele o povo dele estava desencaminhado e, pelo jeito, descambavam soltos para a perdição do inferno. Será possível? Foi aí que ele fugiu do purgatório e resolver trazer à memória dos seus, os feitos do seu mais antigo avoengo, destrinchando uma árvore genealógica interminável, que começou com um cheleleu desimportante lá do Duarte Coelho e que, dele, o Adão dos dele, o seu icosavô ao que parece e se estendeu pela maior misturada de mamelucagens e cafusadas, enrolados com acasalamentos profanos e nem tão reprováveis assim, que se confundiam entre pardos e remanescentes caetés, enganchados com diaspóricos zis afrodescendentes, frutos da maior fudelança, que envolvia das putarias, amancebamentos, incestuosidades e outros tantos desconhecidos meios de reprodução. Era uma lista interminável de escanchavós, a exemplo do eneadecavô que fora fugitivo da punição sodomita da Inquisição, no final do século XVI, e dele uma ruma de gente que passava pelo parentesco de longe com franceses do sul, outros de ataques espanhóis do Cabo, mais quem serviu pros holandeses, afora os que foram afilhados de jesuítas e outros perós, isso atravessando gerações sucessivas, reunindo pretensos consanguíneos aos achegados, compadrios de fogueira e outras afinidades. Era uma confusão dos diabos distinguir quem daquele ou doutro, tanto que os sobrenomes justapostos, uns ora realçados, outros esquecidos, dependendo da ocasião e fortuna, e que se perdiam e se reencontravam nos nós dos galhos em novas relações e em cujas descendências uma poeirada braba se sobrepunha às ascendências. Tanto é que se colocasse um sobrenome atrás do outro nunca terminaria, nem os tais fajutos dons Pedros de Alcântaras tinham tantos familiares e arrumadinhos. Vai ter parente assim na casa do raio que o parta, ora! Mas como é um defunto que tá falando, tem que se levar a sério e dá ouvida! Afinal, havia desenvultado para exatamente isso: reenchaminha a gente dele perdida na baboseira dagora. Justamente ele que fora um ufano professor na província querida de Alagoinhanduba, que tinha por deleitoso lazer o de colecionar sobrenome catados da árvore genealógica familiar, descobrindo primos e parentes de não sei quantas gerações e regozijando-se por isso. Passou o tempo e ao se aposentar passou a ter o único fazer remontar e desmontar sua linhagem, uma vez que certo parentesco lhe caía na antipatia e, por isso, fazia questão de apagar os vínculos e substitui-lo imediatamente por outros mais simpáticos. Na véspera de morrer foi acometido por uma fúria emputecida, justamente porque constatou que todos os seus contemporâneos haviam degenerado ao seu juízo, salvando-se alguns poucos netos e bisnetos – e isso porque eram crianças e ainda não se haviam maculados pela safadeza e podiam lavar a sua e a honra de todos os seus precedentes. Foi justamente estes que ele procurou para fazê-los lembrar de seus antepassados, contando-os detalhada e minuciosamente cada ato de coragem e homência meritória de lembrança. Os demais, tudo uns calhordas ingratos e bandoleiros, volúveis babaovos que se bandeavam até pros malquistos, tudo pra sua desonra. Pacientemente ele falava os berros, mas ninguém dava ouvidos. Até a mãe dele que, apesar de morto, ela ainda estava vivinha da silva e, pelo jeito, não ia bater as botas nem tão cedo, coitada. Não reconhecia mais ninguém, falava sozinha e ainda, por cima, quando ele a visita, demora a reconhecê-lo e, quando o faz assim na veneta, passa-lhe uns carões como se ele ainda fosse o menino malouvido tratado aos bregues. Enfim, tanto fez pelos descendentes netos e bisnetos, todos olvidaram. A mãe, coitada, não tinha mais idade para atinar nada, muito menos entendê-lo depois de morto. Foi então que ele arretou-se e vociferou puto da vida: aqui todos são um povo bom contaminado pelas pragas dos metidos a santo nas igrejas e os sabidos que fazem a corriola dos safados nas igrejinhas profanas! Ninguém tem mais salvação! E envultou-se de novo, perdendo-se na desmemória que ele tanto combateu. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

DIREITOS DO CONSUMIDOR – Há vinte e cinco anos, exatamente em 1990, foi aprovado no Brasil o Código de Defesa do Consumidor (CDC), com o objetivo de regular as relações de consumo. A sua regulamentação teve por meta equilibrar as relações entre o mercado ofertante de produtos e serviços, e os seus adquirentes – ou seja, regrar para buscar o equilíbrio entre quem detém o poder produtivo e aqueles que necessitam daquilo por ele ofertado. Passou-se, então, a tratar todo público-alvo como consumidor, muito embora o mandamento constitucional tenha validado a condição de cidadão. Ôpa, como é mesmo? Passou-se então a se discutir se essa condição passara a considerar o cidadão-consumidor ou o consumidor-cidadão. Lei por lei é mais uma entre milhares que entram em vigor, mas que não saem do papel. Nesse caso, alguns mecanismos foram criados para garantir sua efetividade, pelo menos. E, como não poderia deixar de ser, tornou-se um diploma legal bastante elogiado e ferramenta indispensável para dar ao lado mais fraco da corda, alguma voz e acesso à Justiça. Entretanto, muito pouco se conhece de lei no Brasil – na verdade, o que tem importado mesmo é como burlá-la quando em nosso desfavor e fazê-la cumprir quando assim precisarmos, questão de conveniência. Isso não erradica a injustiça, muito menos se faz justiça; o que voga mesmo é pender pra onde está o menor prejuízo ou utilizar da cláusula da reserva do possível. Afinal, a gente precisava mesmo era um código de defesa do cidadão. Mas isso abriria outras tantas questões e feridas. Pelo menos, apesar de desaparelhada, morosa e abarrotada de litígios internos e externos, a Justiça, mesmo se arrastando claudicante, segue adiante. Vamos aprumar a conversa e tataritaritatá. Veja mais aqui, aquiaqui e aqui.

Imagem: Girl with a mandolin, do pintor italiano Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770). Veja mais aqui.

Ouvindo o álbum ao vivo Seu Francisco (Polygram, 1993) do cantor e compositor Oswaldo Montenegro, cantando músicas de Chico Buarque. Veja mais aqui.

CASA GRANDE & SENZALA – O livro Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Global, 2003), do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), aborda temáticas como escravidão, família, usos e costumes, características gerais da colonização portuguesa do Brasil, formação da sociedade agrária, escravocrata e híbrida, o colonizador português, o escravo negro na vida sexual e de família do brasileiro, entre outros assuntos. Da obra destaco: [...] Para a formidável tarefa de colonizar uma extensão como o Brasil, teve Portugal de valer-se no século XVI do resto de homens que lhe deixara a aventura da índia. E não seria com esse sobejo de gente, quase toda miúda9, em grande parte plebeia e, além do mais, moçárabe, isto é, com a consciência de raça ainda mais fraca que nos portugueses fidalgos ou nos do Norte, que se estabeleceria na América um domínio português exclusivamente branco ou rigorosamente europeu. A transigência com o elemento nativo se impunha à política colonial portuguesa: as circunstâncias facilitaram-na. A luxúria dos indivíduos, soltos sem família, no meio da indiada nua, vinha servir a poderosas razões de Estado no sentido de rápido povoamento mestiço da nova terra. E o certo é que sobre a mulher gentia fundou-se e desenvolveu-se através dos séculos XVI e XVII o grosso da sociedade colonial, em um largo e profundo mestiçamento, que a interferência dos padres da Companhia salvou de resolver-se todo em libertinagem para em grande parte regularizar-se em casamento cristão. O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne. Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho. "Las mujeres andan desnudas y no saben negar a ninguno mas aun ellas mismas acometeny importunan los hombres hallandose com ellos en las redes; porque tienen por honra dormir com los Xianos", escrevia o padre Anchieta;10 e isto de um Brasil já um tanto policiado; e não o dos primeiros tempos, de solta libertinagem, sem batinas de jesuítas para abafarem-lhe a espontaneidade. Veja mais aqui, aqui, aqui, aquiaqui

ENSINAR APRENDENDO – O livro Ensinar aprendendo: novos paradigmas na educação (Integrare, 2006), do médico e escritor Içami Tiba, é composto por onze capítulos nos quais são abordadas questões como um novo caminho para a educação, insatisfações presentes, indisciplina, ensinar aprendendo, professor e orientador, teoria da integração relacional, o beija-flor e o incêndio na floresta, aprender é como comer, etapas do aprender, canjas e feijoadas, engolir a aula, digestão, integração, transformação da aula em sabedoria, os passos da ingenuidade, descoberta, aprendizado, sabedoria, as dificuldades da jornada, anorexia do saber, a curiosidade aliada, professores e mestres: ensinar é um gesto de amor, buscando ser mestre, sábio, anônima transcendência, um banho de hormônios, desenvolvimento humano, transformação do cérebro na puberdade, alunos conforme suas etapas de desenvolvimento, estrogênio e testosterona em ação, conflito de interesses afetivos, força relacional quase instintiva, o segundo parto, cérebro em transformação no adolescente, mania de Deus, mimetismo e embriaguez relacional, estupro mental, decoreba e a indigestão do aprendizado, provas escritas, inteligências múltiplas de Gardner, memorização, escola e família, intolerância, punição, educação a seis mãos, vinte um tipos de alunos, dez tipos de professores, entre outros interessantíssimos assuntos. No livro o autor começa com esse questionamento: Professor, você está satisfeito com a situação da Educação hoje? Caso a resposta seja sim, por favor, divulgue o seu método de trabalho. Do contrário, pode admitir, sem escrúpulos, as suas insatisfações. A maioria quase esmagadora dos professores está desgastada, lutando contra muitas dificuldades para se manter em suas funções. A existência da Educação entrou em crise. Durante muitos séculos, o ensino baseou-se num paradigma: o professor ensinando alunos em sala de aula. Segundo esse critério, o professor é detentor dos conhecimentos e os transmite a um grupo de estudantes, que os recebe como informações, para depois devolverem o que aprenderam por intermédio de provas. Mas o fato de devolverem nas provas, como os professores querem, significa que os alunos aprenderam? Outra vez a maioria esmagadora dos alunos repassa o que recebeu exatamente como recebeu, mais para “agradar” e/ou satisfazer o professor do que para mostrar que aprendeu. Aliás, após as provas, os alunos pouco se lembram do que tanto estudaram. O maior agravante desse tipo de avaliação é que as questões só servem para aprovação, e pouco servem para a prática dos adolescentes. O que cai na prova escolar não é o que a vida do aluno lhe pede, mas, sim, o que o professor exige. Não são consideradas as diferenças existentes entre crianças, adolescentes e adultos em salas de aula. São todos estudantes, e como tais são tratados, sendo-lhes negadas distinções conforme as suas características e etapas de desenvolvimento. E todos os estudantes devem apresentar o mesmo desempenho, sentados nas mesmas carteiras... Veja mais aqui, aqui, aqui, aquiaqui.

PAPISA JOANA – Imagem: Lady Godina's Rout;—or—Peeping-Tom spying out Pope-Joan (1796), do caricaturista britânico James Gillray (1757-1815). - Por volta do sex. XI, a Papisa Joana assumiu o Vaticano, em conformidade com documentos do início do séc. XIII, escritos pelo historiador alemão Mariano Escoto (1028-1086), pela Chronica Pontificoram et Imperatorum do padre dominicano Martinus Polonus e do monge beneditino Sigeberto de Gembloux (1030-1113), do religioso Oto Frisinga (1114-1158), do cronista Godofredo de Viterbo (1120-1196), entre outros, bem como a registrada pelo escritor, historiador e frade dominicano Estêvão de Bourbon, ressurgindo no séc. XIX no romance A papisa Joana, do escritor grego Emmanuel Rhoides (1836-1904). Sua história foi transformada no filme épico A Papisa Joana (Die Päpstin, 2009), realizado pelo diretor de cinema alemão Sönke Wortmann, dirigido pelo cineasta, produtor e roteirista alemão Bernd Eichinger (1949-2011), baseado no romance homônimo da escritora estadunidense Donna Woolfolk Cross. Destaque para o papel desempenhado pela atriz alemã Johanna Wokalek como Papisa Joana. Veja mais aqui.



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