AUTO DO COISONÁRIO – Vivia Alagoinhanduba, naquela tarde, a maior
sensaboria. A rapaziada de sempre na virada de copo, entupia o bar do Dudé,
quando uma dupla estranha adentrou no recinto. Estranha? Sapecaram: um
agalegado sardento e um africano musculoso, nu da cintura pra cima. Os dois sentaram
à mesa, deitaram um par de peixeiras de não sei quantas polegadas com a parte
afiada para cima e começaram a maior quebra-de-braço. O perdedor teria seu
sangue cscorrendo, com certeza. Todos se voltaram para conferir a disputa. Até
doutor Zé Gulu, entretido com a sua leitura, aboticou os olhos. Para lá e para
cá, vai num vai, suspense da gota, de repente pararam, apertaram as mãos e
pediram uma cerveja. Ué, não vai sangrar ninguém não? Os dois se riam com os
abestalhados na maior expectativa e logo, na maior munganga, aos empurrões um
no outro, beliscadas, dedadas, punhos cerrados esmurrando o tórax do outro, pantins
de boxe, capoeira e outras lutas duvidosas, logo desconfiaram: tem cavalo-mago
no meio! Ah, se tem. Um mentia, o outro confirmava. O agalegado falava pelos
cotovelos. E com um detalhe: conseguia gaguejar, arrotar e peidar, tudo ao
mesmo tempo em que se esgazeava no maior estrilo, exibindo um taco de golfe. Logo
se viu: não era de trato fácil. Chamava todo mundo de rufião, para lá e para cá.
Alguém se virou e inquiriu: Ô, Coisonário, você joga golfe, é? Não, arma de
autodefesa. Como é a sua graça, hem? Temujim. Isso lá é nome! Taí, gostei do
apelido: Coisonário. Esse aqui é meu fiel escudeiro, Enkidu-Jamuga! A trupe de
soslaio se perguntava: Quem o Bagoas dos dois, hem? A gente veio caçar por
essas bandas. Caçar o quê? E desconversavam, contando casos inflados de
disputas, insultos, pisoteios, escaramuças: Deus está do meu lado! Estava
convicto o branquelo, regalava-se. O outro nem falava, só apoiando, riso largo.
E foi com essa pabulagem toda, nas tardes, noites e dias em que reapareciam, um
encangado no outro, no maior blá blá blá. Foi assim que o Coisonário, aos
trancos e barrancos, se envolveu com os habitantes dali, berrando aqui e acolá,
entre trapaças e desmantelos, até sair destronando uns e outros, e ganhar
notoriedade. O cara ia da brandura à ferocidade em fração de segundos, o que
levava todo mundo a ficar ora de cabelo em pé desconfiado, ora se cagando de
rir, descontroladamente. Regateador no papo e nos negócios, conseguiu eleger-se
vereador, ninguém sabe como. Da tribuna da casa legislativa, mandava ver nas
provocações mais cabeludas, desancando reputações e primando pelos disparates, quase
quatro anos nessa pisada. Já tinha virado piada. Mas, empenou. Entrou candidato
a prefeito, o que restou num grande desaforo: nenhum entre os eleitores da
comarca votou nele, porém, ele não só venceu o pleito, como cingiu a coroa,
chamando todo mundo de súdito pigmeu, vassalanão, no meio do maior ora ora.
Botou as manguinhas de fora com seus talentos predatórios e no dia da posse,
discursou que teve um sonho ao atravessar o rio dali: contava que estava
copulando com uma distinta boazuda e quando terminou o serviço, olhou para ela
e era a própria mãe dele, dona Olimpia que Deus a tenha em bom lugar e que ele
mesmo dizia tratar-se de uma religiosa fiel que engravidara dele, ainda virgem,
por obra divina, o que levou o pai irresponsável incrédulo a arribar por não
engolir uma história desta. Por essa razão, ele era um mensageiro de Deus para
dar jeito naquela província. E foi com esse papo que ele engalobou todo mundo
na conversa e sem fazer um só comício. Logo assumiu com providências, tidas por
ele como urgentíssimas e compromissadas nos palanques que nunca existiram,
nomeando secretários estranhos, editando leis jamais ousadas, como, só para ter
uma ideia, cobrança de tributos sobre os sentidos: quem estivesse vivo tinha de
pagar imposto, se andasse na cidade, se respirasse e por aí vai, todos pagariam
tanto pelas necessidades fisiológicas, como pelos gestos e comportamentos. Cagou,
pagou; peidou, recolhe o tributo, ora! Como é? Endoidou, só sendo. O povo foi
ficando de cabelo em pé, assustado. E quando deu fé, o cara meteu as mãos pelos
pés, usando do expediente da intriga e traições, tudo virou rivalidade e
agressões, o maior pandemônio. Em poucos meses Alagoinhanduba virou o reino da
discórdia. E agora? Rapaz, isso é um estrupício! Ora, isso é só o começo, depois
conto mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS: A melhor
parte de mim é... dúvida, desconfiança e melancolia, e dor
de cabeça por outras pessoas. Por que devo mostrá-lo a pessoas que não me
importo e não sabe? Coloquei uma armadura e uma inteligência... quando
saio para batalha. Eu sucumbi ao encanto do lugar. Vi mais do que o suficiente durante
aquela viagem para me fazer reconhecer que havia qualquer quantidade de
trabalho para mim que valha a pena fazer. Por isso, avisei a todos que eu novamente
voltei. Depoimento da etnógrafa, escritora e exploradora britânica Mary Kingsley (1862-1900), das suas
viagens pelo continente africano com pesquisas sobre as pessoas e as diferentes
espécies de flora e fauna, difundindo uma visão esclarecida do lugar.
SUDOESTE
O drama Sudoeste (2011), dirigido por Eduardo
Nunes, conta história de uma cidade pacata e perdida no mapa do litoral
brasileiro, enquanto uma jovem vê sua vida se desenrolar de maneira circular,
da morte ao nascimento, e depois à velhice mais uma vez. Ela observa as pessoas
ao seu redor, que não envelhecem, e que não entendem sua existência. Esta
mulher deve compreender a importância de temas fundamentais como a vida, a
morte, a maternidade e a violência. O destaque fica por conta da interpretação
da atriz Simone Spoladore. Veja mais
aqui, aqui e aqui.
A ARTE DE ESCULTURA
&
ARTE DE ZÉ GALDINO
A arte
do ceramista, xilogravurista, mamulengueiro, poeta popular e clown Zé Galdino.
A OBRA DE MICHEL FOUCAULT
Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo.
A obra do
filósofo, historiador, filólogo, teórico social e crítico literário francês Michel Foucault (1926-1984) aqui, aqui,
aqui & aqui.