LISZT: UM CORAÇÃO, A MÚSICA E AMORES – Putzi era
eu uma criança franzina, enfermiça, até um ataúde encomendado, nascido durante
a passagem de um cometa extraordinário. Ao invés disso, foi-se o irmão e eu
sobrevivi à desgraça. As travessuras incluíam sons e tons, aprendia a ver com o
coração: seria a esperança do triunfo onde meu pai fracassou. Enquanto crescia,
me salvei de uma explosão por mim mesmo provocada: queria ver fogos de
artifícios com pólvoras no fogão. Meus folguedos infantis e quase ponho fim aos
planos do meu pobre pai, não fosse hábil com os dedos das mãos. Não havia tempo
para ser criança e com um perfeito salto mortal no placo, ele quase morre de
susto: eu havia de aprontar muitas até desvendar-lhe a sonhada segurança e
futuro esperançoso. Viu-me bem encaminhado para o êxito, quase viveu a
felicidade extrema, não sucumbisse repentinamente aconselhando-me dedicação à
arte e distância das mulheres. O seu conselho foi logo ignorado diante de Liline,
lindíssima criatura! Tornei-me professor da filha do ministro: das aulas para a
paixão desmedida e abençoada pela mãe dela. Logo, um amor impossível: o conde antagonista
pôs termo, contrariando o desejo materno no leito de morte, caso encerrado. Era
o meu primeiro amor, o Faribolo Pastour,
a Chanson du Bearn - Pastorale e eu
queria me suicidar, ou ordenar-me, uma longa enfermidade e leituras amargas.
Sofri demais por amor, renasci das cinzas entre convulsos arpejos e acrobacias,
cadências e trilos, força de sentimentos, precisão do brilhantismo. Depois de
dez anos de adoração como criança prodígio, beldades, cortesãs, condessas,
princesas todas em meus braços de jovem deus irrequieto no influxo dos aplausos
e dos prazeres. Era-me dado o deleite da celebridade, redimindo dores e
tragédias. Marie surge, a linda condessa sedutora e intransigente, com seus
cabelos dourados, seus olhos azuis ultramarinos, seu corpo esguio, uma prévia
redenção. Entretanto, havia polegadas de gelo no seu coração: Vamos fugir! E
ela negou-se; sofri, não era a hora certa para o bote do amor, enquanto eu
queimava delirante. Forçado a me distanciar, penava solitário, até que um
vulcão acendeu de paixão em seu ser. Fugimos para Genebra e fomos infelizes
para sempre. Quatro anos de avassalador idílio e ganhei o mundo, três filhos,
cartas para a amada, plateias ululantes, as visitas durante o verão, não havia
tempo para cuidar dos filhos, fama e descontentamento, a desilusão e o ódio tomavam
o seu lugar. Errava entre aplausos efusivos e a satisfação da alma, dedicava
atenção quase exclusiva a um grande aluno que este, mais tarde, arrebatou minha
filha numa dupla traição. Mais aprendia a ver com o coração e descobria uma
nota: a do sofrimento, do desafio e rebelião ao mundo. E com ela a dança da
morte, os estudos transcendentais, fantasias, prelúdios, sonatas, rapsódias: a
plenitude da música. Novamente o amor: Carolyne, a nobre russa-polaca,
verdadeira princesa dos contos de fadas - uma sonata e dois concertos. Um
intricado processo, o marido dela e o czar revogavam o divórcio para matrimônio
em Roma, o inviável e o escandaloso, a punição. A eternidade em seus braços era
céu e inferno, nada mais era suficiente, só reinava a angústia. Eu me
transformava em um estorvo para os filhos, os netos e para mim mesmo, um antecipado
velho e tolo. O mundo danou-se com seus falsos prazeres, visualizava o
claustro. Ofereci-me prisioneiro de Deus, encerrei-me num mosteiro. Tudo foi
tão rápido, o coração aprendeu a ver reduzido ao desespero da solidão. Do
cometa, uma lembrança de sonhos infantis com as perspectiva do reino ideal. Da
arte, releituras e a explosão do talento à abstração do público até a idolatria.
Da vida, o aprendizado e o abandono entre a música e o amor: a felicidade
longínqua nos tons da morte, eu me rendia para nunca mais. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: O artista é a expressão viva de Deus, da
natureza e da humanidade. Na
minha vida de artista, existiam três pastas: Na primeira, estavam as obras de
minha famosa juventude, eu a fechei para sempre e joguei a chave no mar.
Na segunda, havia algumas obras que perdoei devido à
sua boa intenção. A terceira conterá meu
trabalho autêntico e, em alguns anos, será sabido, espero, o que quero colocar
nela. Dediquei-me escrupulosamente, como se fosse a tradução de um texto
sagrado, a transcrever para o piano não apenas a base musical da sinfonia, mas
também seus efeitos nos detalhes e na multiplicidade de combinações harmônicas
e rítmicas. A música é uma linguagem poética, certamente mais apta que a
própria poesia, para expressar tudo o que, dentro de nós, transcende os
horizontes normais, o que escapa à análise lógica, o que está nas profundezas
inacessíveis. A música instrumental é precisamente a arte de expressar
sentimentos sem lhes aplicar diretamente, sem cobri-los com a alegoria dos
eventos narrados pelo épico, representados no teatro de drama.
Faz as paixões brilharem em sua própria essência, sem
ser forçado a representá-las por personificações reais ou imaginárias. Ela as tira das circunstâncias do ambiente em que foram
formadas, como um diamante precioso e brilhante. À medida que a música
instrumental progride, ela tende a permear cada vez mais a idealidade que
estabeleceu a perfeição das artes plásticas, a tornar-se não apenas uma simples
combinação de sons, mas uma linguagem poética ainda mais apta do que a mesma
poesia para expressar tudo o que em nós transcende os horizontes comuns, que
fogem à análise, tudo o que é despertado em profundezas inacessíveis, em
infinitos pressentimentos. Não sendo as múltiplas formas de arte, mas o
fascínio diverso, destinado a evocar sentimentos e paixões, torná-los
sensíveis, tangíveis de alguma forma e comunicar grandes emoções. O gênio se
manifesta pela invenção de novas formas adaptadas às vezes a sentimentos que
ainda não haviam surgido no círculo encantado. A técnica nasce no espírito. Pensamento
do compositor erudito
húngaro Franz Liszt (1811-1886),
aquele que teve muitas paixões, entre elas Caroline
de Saint-Cricq , (1810-1872), a Liline, sua aluna e amor proibido; a
francesa Marie Catherine Sophie de Flavigny (1805-1876), a
Condessa d’Agoult que se transformou em talentosa escritora, sob o pseudônimo
de Daniel Stern; e a nobre russo-polaca Carolyne de Saynt-Wittgenstein (1818-1887).
Veja mais abaixo & aqui, aqui e aqui.
ELES VOLTAM
Eles
Voltam inicialmente foi um roteiro que escrevi em 2006. Basicamente o curta
seria o prólogo do longa-metragem que o filme se tornou, mas com algumas
diferenças. Os protagonistas do curta seriam ambos homens e o filme seria sobre
como esses pré-adolescentes lidam com o abandono, a solidão, a sobrevivência e
uma compreensão nascente de autonomia. Ganhei um prêmio de realização pelo
roteiro, mas demorei 3 anos para realizá-lo. Nesse ínterim muita coisa
aconteceu. Quando retomei o roteiro do curta, sentia que ele não me
representava mais. Me coloquei num desafio de reescrevê-lo para ver no que
dava. Em pouco tempo tinha um calhamaço de quase 110 páginas, que precisava
passar por uma pesquisa in loco para poder se sustentar como roteiro de um
longa-metragem.
ELES VOLTAM - O drama longa-metragem Eles
Voltam (2014), dirigido
por Marcelo Lordello, conta a
história de Cris e Peu, seu irmão mais velho, que foram deixados na beira de
uma estrada pelos próprios pais. Os irmãos foram castigados por brigar
constantemente durante uma viagem à praia. Após algumas horas, percebendo que
os pais não retornavam, Peu parte em busca de um posto de gasolina. Cris
permanece no local por um dia inteiro e, sem notícias dos
pais ou do irmão, decide percorrer ela mesma o caminho de volta para casa. Abandonada,
a garota é guiada por um menino para ter o que comer e onde dormir, iniciando uma
aproximação com outra realidade. Veja mais aqui.
A ARTE DE ALEXANDRA KOUKINOVA
A arte da
premiada artista, cenógrafa, figurinista, artesã marionetista ucraniana Alexandra Koukinova, que é membro da
União dos Artistas de Moscou e da União Criativa dos Artistas da Rússia. Veja
mais aqui.
VALENTINA LISITSA & A OBRA DE LISZT
Curtindo
a arte da pianista clássica ucraniana Valentina
Lisitsa, no álbum Valentina
Lisitsa Plays Liszt
(Decca, 2013), interpretando obras do compositor erudito húngaro Franz Liszt (1811-1886). Veja mais
aqui.