ALFONSINA FOI DORMIR – Vestida de mar, ela chegou com o fulgor da
nudez de sua aura, deitou sua fronte ao meu ombro e as frações de si na voz de
arrabalde em ondas esmaecidas, debulhando lembranças ao meu ouvido. Desfiava memórias
de Sala Capriasca que quase não viu, de San Juan Entre um par de valises entreabertas e o ponteiro do relógio, as
desgraças da cidade, os desamores intermitentes que gotejavam imprecisos, o império
de sua aspiração reacendendo feridas entre sargaços e maresia. O seu jeito
geminiano de quem se achava feia, redonda e de nariz achatado, escondia a
beleza na face corada, tímida e encolhida sobre o meu peito, a me contar do
primeiro livro roubado e do estremecimento conjugal: a mãe acamada com sua voz de soprano entre leituras e música, os
delírios do pai com a sua inexplicável melancolia. Era o seu descenso
sem bússola, a situação de abandono com a ruína em Rosario, as dores de mãe
solteira descartada, datilógrafa, normalista, costureira, até seus primeiros
versos, La inquietud del rosal. A melancolia com a morte do pai, fez com
se voltasse operária, valendo-se do bom humor e engajamento anarquista das
reivindicações sociais. Sobravam descompassos e era a vez da atriz, uma professorinha
rural nos palcos e o comitê das feministas de Santa Fé, seu filho no colo e as
reuniões de Nosotros para o escândalo da lírica confessional – La loba, La
muerte de la loba e El hijo de la loba. Ah, Ina – só eu a conhecia
assim nua enquanto minha– na sua autocomiseração de El dulce daño, a cantilena erótica Tú me quieres blanca e as confissões
amorosas. E me beijava demoradamente com o sal dos lábios transpirando a
caricia iminente de suas descomedidas ambições. Ao se refazer, as vastidões do
seu rugido oceânico, destilava a graciosa leveza no instante da poesia a me
recitar Irremediablemente: Hombre pequenito
enquanto se dava na Vida Femenina pelos
direitos da mulher e das crianças. Respirava profundamente, resfolegava e
olhava fundo em meus olhos: Hablo conmigo.
Eu acariciava o seu rosto, sentia sua pele febril e o meu toque eram pinceladas
na sua eriçada epiderme, e me dei ao sabor dos seus gestos sensuais jubilosos
na emboscada do seu afago e a sua boca repleta de precipícios delirantes a
declamar Languidez e o que estava
ao seu redor. Misturava o riso contido às lágrimas que escorriam de La carta ao Padre Eterno, Oh, Ina, Tao-Lao
dos Bocetos femininos, o seu mordaz dote humorístico e os saraus de Buenos
Aires. Eu sabia, El amo del mundo
& Dos farsas pirotécnicas, Ocre & Fiesta, La ronda de las muchachas, as auto-parodias,
a festa da poesia e os Poemas de amor. Oh, Ina de La mujer bella, tão bela para mim como o
Rio da Prata e o cenário uruguaio de suas rememorações. Falava comovida do suicídio
do poeta e dos achegados, o Mundo de siete pozos, o transe dos antissonetos
herméticos de Mascarilla y trébol, e
me disse que eu era Retrato de un muchacho
que se llama Sigfrido e eu não era ele e ela nua em mim no Ecuación para que eu lhe fosse Uno no seu vasto prazer de cortesã
umedecida na paisagem da minha alcova, ao encalço do milagre inquieto do meu
vigoroso falo, a paixão indivisível e enovelada nos meus guturais arroubos agitados
na maré do seu gozo e nos sufocávamos de extremo prazer enquanto acossada pela
obsessão marítima. Havia o veneno do desengano e o aniquilamento que precisava
extirpar no último ato que nos servimos do facho de desejo carnal de poesia e sexo.
A vida então valia a pena, uma vida apenas não seria suficiente para nós que
implodíamos e nos confundíamos em beijos e pernas e abraços e gozos e almas
ávidas de prazer. Não sabíamos aos poucos, não, tudo de uma vez, aos montes e
muito mais além de medidas, contagens, excessos e queda livre. Do que eu era ou
poderia ser, não seria assim a vida sem amor. E ela não culpou ninguém no remanso
da solidão de suas dores pavorosas. Beijou-me, despediu-se: Voy a dormir. E se lançou ao mar: o
golpe do punhal na sua carne amante. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: QUANDO CHEGUEI À VIDA - Vela sobre minha
vida, meu grande amor imenso. / Quando cheguei à vida trazia em suspense, / na
alma e na carne, a loucura inimiga, / o capricho elegante e o desejo que
açoita. / Encantavam-me as viagens pelas almas humanas, / a luz, os
estrangeiros, as abelhas leves, / o ócio, as palavras que iniciam o idílio, / os
corpos harmoniosos, os versos de Virgílio. / Quando sobre teu peito minha alma
foi tranquilizada, / e a doce criatura, tua e minha, desejada, / eu pus entre
tuas mãos toda minha fantasia / e te disse humilhada por estes pensamentos: / -Vigiai-me
os olhos! Quando mudam os ventos / a alma feminina se transtorna e varia… UM
DIA - Você
anda por esses mundos como eu; não me diga / Que você não existe, existe,
devemos nos encontrar; / Nós não nos conheceremos, disfarçados e desajeitados,
/ Nós caminharemos pelas estradas largas. / Nós não nos conheceremos, distantes
um do outro / Você sentirá meus suspiros e eu te ouvirei suspirar. / Onde será
a boca, a boca que suspira? / Nós diremos, a estrada retornando para refazer. /
Talvez nos encontremos cara a cara um dia, / Talvez nossas fantasias possam ser
removidas. / E agora eu me pergunto… Quando isso acontece, se acontecer, / Eu
vou saber sobre suspiros, você vai saber como suspirar? Poemas
da poeta, atriz, jornalista, dramaturga, feminista e professora argentina de
origem suíça Alfonsina Storni (1892-1938),
autora de obras como La inquietud
del rosal (Librería de la Facultad, 1916), El dulce daño (Cooperativa, 1918), Irremediablemente (Cooperativa,
1919), Languidez (Cooperativa,
1920) Ocre (Babel,
1925), Poemas de amor (Nosotros,
1926), Mundo de siete pozos (Tor, 1934),
Mascarilla y Trébol:-círculos
imantados (Imprenta Mercatali, 1938). Aos 19 anos de idade converteu-se em
mãe solteira e criou o seu filho sem um companheiro, algo rejeitável para a
época, o que não a impediu de se tornar a primeira mulher reconhecida entre os
melhores escritores naquela época. Em 1938, depois de um longo período de
andanças entre poemas, homens, luta e solidão, Alfonsina deu os seus últimos
passos nas areias da praia do Mar del Plata, Buenos Aires, para entregar-se ao
mar e nunca mais voltar. Sobre ela encontrei uma dissertação de mestrado Alfonsina Storni: uma voz de arrabalde (UFSC, 2001), de Áurea
Salete Moser Nunes. Também o filme biográfico Alfonsina (1957), dirigido por Kurt Land e escrito por José María
Fernández Unsáin, contando sobre sua vida, desde ondas quebrando
ameaçadoramente à beira-mar, acompanhadas pela poesia de autora, o anúncio de
sua doença, tudo com uma uma atmosfera romântica.
O
FLAGRANTE
[...] LEOPOLDO
O importante é essa estória morrer aqui! O Doutor Camargo Pontes, meu patrão, é
um neurótico. Tudo pra ele mancha a imagem da empresa. DELEGADO PAIXÃO Seria
por causa da câmera do celular? O lance do Antonino? LEOPOLDO (Assustado) Como
assim câmera? (Toca o celular dele) [...] (Desliga o telefone) Doutor
Paixão o senhor poderia me emprestar sua arma um minuto? DELEGADO PAIXÃO É
evidente que não! Vai matar a mulher na minha frente? LEOPOLDO Não é pra
isso... eu vou me matar... [...] LEOPOLDO
(Ar de lunático, de maluco). Delegado Paixão... o senhor me empresta sua arma? DELEGADO
PAIXÃO (Sacando a arma pra se proteger da mulher com a faca) Deixe as ideias
suicidas pra depois! Tem uma louca vindo aí! LEOPOLDO (Indo em direção ao
delegado pra tomar sua arma) Não é suicídio. EU VOU MATAR ESSES DOIS! Os outros
correm pelo palco apavorados enquanto Leopoldo tenta tirar a arma do delegado
Paixão, Delmiro aponta o revólver para o lado onde vai entrar a louca com a
faca. DELEGADO PAIXÃO (Tentando se desvencilhar de Leopoldo) Me ajude Delmiro!
Delmiro! DELMIRO (De arma em punho apontando para fora de cena) Não dá! A doida
entrou! A doida entrou! No embate com Leopoldo, Delegado Paixão dá três tiros
pro alto. Os outros gritam e correm em pânico de um lado pro outro. Caos total.
Baixa o pano.
O FLAGRANTE – Trecho da peça teatral O flagrante, do dramaturgo Durval Cunha, que trata de um adultério que vira um caso de
polícia, com os personagens e tendo como personagens o delegado Paixão, o
inspetor Delmiro, Isis, Leopoldo, Antonio Carlos, Maria Auxiliadora e pastor
Silas. Veja mais aqui.
A ARTE DE KASIA DERWINSKA
Não gosto de me definir como artista. Eu sempre digo que
todos nós somos artistas. Acredito que cada pessoa nasce com capacidade ou
talento em determinado campo de atividade e com muito trabalho, consequência e
envolvimento real, pode alcançar a arte em qualquer disciplina ou em qualquer
outro campo profissional. Se vier ao meu trabalho, prefiro me definir como
contador de histórias. A fotografia é a minha maneira de me comunicar com o
mundo. No meu trabalho, falo sobre experiências próprias, pensamentos, dúvidas,
medos e esperanças, tentando refletir o caminho da minha própria vida. Além das
minhas experiências, minhas criações são inspiradas nos sonhos noturnos, pois
desde a infância me lembro da maioria delas e acredito que os sonhos são a
linguagem mais simbólica do nosso subconsciente, um guia para navegar no mundo
moderno. Sou autodidata e não me reconheço como fotógrafo. Uso a fotografia
como ferramenta, como um pincel para pintar ou qualquer outro instrumento para
tocar música. Meu trabalho é uma tentativa de conectar a substancialidade do
mundo que nos rodeia com a evasão de sentimentos e pensamentos. Por esse motivo,
descrevo minhas criações como construindo uma ponte entre o visível e o
invisível.
KASIA DERWINSKA – A arte
da fotógrafa e artista visual polonesa Kasia Derwinska, que desenvolve um trabalho expresso através da fantasia
do surrealismo. Veja mais aqui.
A OBRA DE DRUMMOND
A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas
pessoas. Só é lutador quem sabe lutar consigo mesmo.