quinta-feira, julho 26, 2018

JUNG, HUXLEY, ANTONIO MACHADO, SHAW, LAURINDO ALMEIDA, GIBRAN & CARMEN TYRREL


A VOLTA DE ZÉ PEIÚDO – Imagem: a arte da artista plástica britânica Carmen Tyrrel. - Quase vinte anos depois, Zé Peiúdo botava os pés de volta nas terras de Alagoinhanduba. Ninguém o reconheceu a pisada, era quase outro, irreconhecível, embecado de gola e colarinho, uma garrafa metálica num bolso e O catecismo de Mister T – aquele da temperança do Big Shit Bôbras, no outro. A primeira providência: ter com o Zé-Corninho, a sua maior vítima. Ao encontrá-lo, travou conversa amistosa. Lá pras tantas: Sabe com quem tá falando, Zé? Desculpa, mas nunca vi mais gordo. Eu lhe conheço, cabra, sou Zé Peiúdo. Oxe, Corninho deu um salto solto e caiu em pé, as munhecas em riste, arregaçando a manga da camisa, pronto pra briga. Calma, meu amigo, não sou mais aquele, agora sou um Pastor de Jesus e vou provar. E deitou a maior lábia, tomou um gole da garrafa e Corninho só com o pé atrás. Daí a pouco o forasteiro deu um espirro e o milagre aconteceu: a casa do desconfiado era de taipa e tornou-se uma chique de alvenaria, a mais luxuosa do arruado. Vixe! Como você fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! Corninho com os olhos esbugalhados não acreditava no que via. Foi até a porta e ficou maravilhado: tudo novo e do melhor. Voltou-se e ficou agarrado ao agora benfeitor na maior das gratidões. Foi abraçado de quase não largar. Peiúdo depois de muxoxos e risadinhas, às despedidas, acenou, pois, tinha que continuar a sua missão. Ao arrodear a cidade, deu com um cidadão quebrando cabeça para mudar o pneu furado do carro. Permita. Enquanto o impaciente dificultoso atendia ao telefone aos esturros, ele ingeriu o líquido da garrafa e, num piscar de olhos, tudo resolvido. Ao desligar o aparelho, espantou-se com a providência: Como você fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! O satisfeito abraçou o estranho dizendo: Sabe com quem você está falando? Peiúdo disse apenas ser Servo de Jesus, enquanto o agraciado colocava um cartão no seu bolso, sob a recomendação de só vê-lo quando saísse. Assim fez. Já distante do local, pegou no bolso e viu: Juiz de Direito. 2x0. Mantendo sua caminhada a esmo, soube que a moenda da usina dera bronca. Foi lá, pediu que todos se afastassem e secretamente resolveu o impasse: Pronto, está tudo funcionando. O dono apareceu: Como fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! O usineiro arrogante perguntou quanto custava o seu serviço, negando cobrar qualquer quantia. Logo fez amizade com o ricaço. 3x0. Aí ouviu de um passante que o teto da igreja desmoronava. Foi lá, começou a remexer nas coisas e, num instante, tudo em perfeita ordem. O padre Quiba ao presenciar aquilo, saiu gritando: Milagre! Milagre! O pároco virou-se para ele: Como fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! 4x0. Dali viu uma correria do povo, acompanhou o pandemônio e era a ponte que ameaçava cair. Foi pra baixo dela, escondeu-se e, num instante, estava em perfeitas condições. O povo aplaudiu sua façanha. Como você fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! E foi obrando milagres e caridades que ele ganhou a amizade do prefeito, do delegado, do juiz, do padre, do catimbozeiro, do espírita, dos clubes de serviço e de toda população. Era o roliúde. Quem é ele? Indagavam para lá e para cá, aos elogios. Só pode ser um enviado! É um santo vestido de gente! Um anjo que caiu do céu. Ao cabo de dias, o mistério se revelava: Ah, é o Zé Peiúdo! Não pode, aquele salafrário? Não, agora é pastor duma igreja aí. Vixe! O homem agora é de vera. E passou de primavera a verão, de outono a inverno, botada e pejada na usina canavieira, e ao se aproximarem as eleições, seu nome foi cogitado, definindo-se como o favorito naquele pleito. Não tinha pra mais ninguém. Então, diante dos festejos com a sua candidatura, falou para todos que tinha uma conta para ajustar. Num comício ruidoso e discurso inflamado, lançou a candidatura de Zé-Corninho a prefeito do lugar. De novo? É reprise? E que ele, no máximo, poderia aceitar a ser vice. Ah, tá. Oxe, foi barbada, mais tivesse! Só teve um voto nulo: o do próprio Corninho que não acertou votar nele mesmo, de novo! Virou festa. Seis meses depois de assumir a prefeitura, a Câmara de Vereadores cassava espetacularmente Corninho num processo que ninguém nunca viu tramitar, para entregar o cargo ao Peiúdo, logo entronizado como Imperador, a mandar e desmandar, acoloiado com seus aliados. Pintou e bordou por três anos e meio, podre de rico, bufando e peidando. Como nem tudo dura pela vida toda, a garrafa metálica trincou e pegou fogo no bolso, queimando o catecismo, as calças e quase os seus guardados. Foi um alvoroço. Não demorou muito, ao anúncio das novas eleições, ele reeleito certo, a sorte dava uma virada e ele sabia ter chegado a hora. Sumiu de ninguém ver-lhe o rastro, assim sem mais nem menos, e da prefeitura só se ouvia sobre os salários atrasados, endividamento, afanação de saldos públicos e todo tipo de roubalheira, a ponto de instaurar uma intervenção barulhenta de findar todo mundo suspeito e envolvido na patifaria. Como é? Maior pega-pra-capar! E agora, gente? Golpe desse, ah, todo mundo paga o pato. Alagoinhanduba nunca mais foi a mesma. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violonista e compositor Laurindo Almeida (1916-1995): Music of Brazilian Master, Master Jazz, Classical Current & Leverkusener Jazztage & muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Sem uma compreensão do desejo profundo que têm os seres humanos de se autotranscenderem, da relutância natural que experimentam em tomar o caminho duro e difícil da ascensão espiritual, e da consequente procura doe uma falsa libertação, ou em torno de um aspecto de sua personalidade, não poderemos entender a época em que vivemos ou mesmo a História em geral, a vida como foi vivida no passado e como o é em nossos dias. Por esta razão, proponho discutirmos alguns dos mais comuns sucedâneos da Graça, nos quais e através dos quais homens e mulheres têm tentado escapar da torturante consciência de serem apenas eles mesmos. [...]. Trecho de Transcendência Descendente (1952), extraído da obra Moksha (Globo, 1993), do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963), título este que que em sânscrito significa “liberação”, reunindo uma coletânea de ensaios sobre experiências visionárias e com etheogenos como uma ferramenta de exploração mental e espiritual e meios de expandir os níveis de consciência. Veja mais aqui.

CONSCIÊNCIA & INCONSCIENTE – [...] O homem utiliza a palavra escrita ou falada para expressar o que deseja transmitir. Sua linguagem é cheia de símbolos, mas ele também, muitas vezes, faz uso de sinais ou imagens não estritamente descritivos. [...] O homem, como podemos perceber ao refletirmos um instante, nunca percebe plenamente uma coisa ou a entende por completo. Ele pode ver, ouvir, tocar e provar. [...] O homem desenvolveu vagarosa e laboriosamente a sua consciência, num processo que levou um tempo infindável, até alcançar o estado civilizado (arbitrariamente datado de quando se inventou a escrita, mais ou menos no ano 4000 A.C.). E esta evolução está longe da conclusão, pois grandes áreas da mente humana ainda estão mergulhadas em trevas. O que chamamos psique não pode, de modo algum, ser identificado com a nossa consciência e o seu conteúdo. [...] A consciência resiste, natural mente, a tudo que é inconsciente e desconhecido. [...] Ante acontecimentos desagradáveis, os primitivos têm as mesmas reações do animal selvagem. Mas o homem "civilizado" reage a idéias novas da mesma maneira, erguendo barreiras psicológicas que o protegem do choque trazido pela inovação. [...]. Trechos de Chegando ao inconsciente, extraído da obra O Homem e seus símbolos (Nova Fronteira, 2008), do psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). Veja mais aqui.

A VIOLETA AMBICIOSA – [...] A violeta abriu os lábios azuis e disse: “Como eu sou infeliz em meio a estas flores e como é humilde a posição que ocupo diante delas! Fez-me a natureza para ser curta e pobre... Eu vivo muito próxima da terra e não posso erguer minha cabeça até o céu azul ou voltar minha face ao sol como as rosas fazem!”... E a rosa ouviu as palavras de sua vizinha; ela riu e comentou: “Como é estranha a tua fala! Tu és feliz, embora não possa compreender tua fortuna. A natureza doutou-te de fragrância e beleza, o que não fez com nenhuma outra flor... Aparta de ti estes pensamentos, sô contente e lembra-te de que aquele que se humilha será exaltado e aquele que se exalta será esmagado”. [...] À tarde, o sol tornou-se espesso de nuvens negras; os elementos raivosos perturbaram o silêncio da existência com raios, e começaram a atacar o jardim, enviando à terra enorme chuva com fortes ventos. A tempestade lacerou os ramos e desenraizou as árvores e quebrou as hastes das flores altas, poupando apenas as pequeninas que cresciam bem junto ao coração da terra. [...]. Trecho do conto A violeta ambiciosa (Cultrix, 1967), do poeta, filósofo e pintor libanês Gibran Khalil Gibran (1883-1931).

RETRATOMinha infância: memórias de um pátio de Sevilha, / e de um horto claro onde madura o limoeiro; / juventude, vinte anos em terras de Castilha; / a minha história quero esquecer por inteiro. / Mañara, nem Bradomín hei sido / — já conheceis meu torpe alinho indumentário — / mas recebi a flecha que me apontou Cupido, / e amei quanto elas possam ter de hospitalário. / Tenho nas veias gotas de estirpe jacobina, / mas o meu verso brota de manancial sereno; / e, mais que o homem usual que sabe sua doutrina, / eu sou um homem bom, um homem sem veneno. / Adoro a formosura, e na moderna estética / cortei as velhas rosas do jardim de Ronsard; / mas não amo os enfeites da moderna cosmética, / nem sou uma ave dessas do novo gay-trinar. / Eu desdenho as romanças desses tenores pecos / e dos grilos o coro a cantar ao luar. / Procuro distinguir entre as vozes e os ecos, / e entre as vozes só escuto a que prefiro amar. / Sou clássico ou romântico? Não sei. Deixar quisera / meu verso como deixa o capitão sua espada; / famosa pela mão viril que ao alto a erguera, / não pelo douto ofício do forjador prezada. / Dialogo com o homem que sempre vai comigo / — quem fala a sós, espera falar a Deus um dia —/ meu solilóquio é prática com este bom amigo / que ensinou-me o segredo de sua filantropia. / Enfim, nada vos devo; deveis-me o que hei escrito. / A meu trabalho acudo, com meu dinheiro pago / a roupa que me cobre e a mansão que habito, / o pão que me alimenta e o leito onde me apago. / E quando chegue o dia da última viagem, / e esteja de partida a nau sem retornar, / me encontrareis a bordo ligeiro de equipagem, / quase desnudo, nu como os filhos do mar. Poema do poeta e dramaturgo espanhol Antonio Machado (1875-1939). Veja mais aqui.

PIGMALIÃO DE SHAW
[...] Liza: (Chorando.) Eu num quero. Num posso. Num é da natureza; vai mi mata. Num tumei um banho in toda minha vida; issu é, nunca tumei um banhu, di corpo intero. [...] Sra. Pearce: Bom, agora chega de chorar, vai pro teu quarto e tira a roupa. Toda! Embrulhe-se nisto (pega uma camisola de um cabide e dá a ela) e volte aqui. Vou aprontar o banho. [...] Liza: (Espantada.) Nãão! Pruquê ia tira? Pra pega tísica? A saia sim, tá bom, a saia eu tiro. Sra. Pearce: Quer dizer que você dorme com a mesma roupa suja com que anda na rua o dia inteiro? [...] Liza: Mas a sinhora nim sabi o friu qüi eu sinto – tenho hourror du friu. Já vi muita genti mourrê di friu. Sra. Pearce: A sua cama aqui vai estar bem quentinha – vou pôr um bom saco de água quente nas cobertas. [...] Liza: (Zangada) Você vai se prender, se amarrar dessa maneira com uma mulher baixa e vulgar? Pickering: (Calmo) Ele é obrigado, Eliza. (Pra Doolittle) Mas não era ela que não queria? Mudou de idéia? Doolittle: (Triste) Invergronhada, partrão. Invergronhada. A moural da crasse mérdia percisa di vítimas. Não quéu chapéu e vi ansisti meu sarcrifício, Liza? [...].
Trechos da peça teatral Pigmaleão (L&PM, 2005), do dramaturgo, escritor e jornalista irlandês Bernard Shaw (1856-1950). Veja mais aqui.

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Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo. Fone: 11 98499-2985.


PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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