CLARA, ÚNICO AMOR - Imagem: Clara Wieek, arte da artista visual
canadense Marie-Hélène Sirois. - Clara
de todas as teclas nos exímios dedos, talento de berço, nutria paixão infantil
pelo aluno saxão de seu pai, teimando em não saber se ele seguia pelas leis ou
tons na indecisão da vida em Lipsia. Tudo era apaixonante naquele estranho
jovem órfão com seus olhos de sonhos e poucas palavras na sensibilidade
melancólica aos devaneios insatisfeitos improvisados de poesia exaltada. Ele se
decide por Leipzig e depois Heidelberg formar-se advogado e, ao encontrar
Thibaut, as hesitações da mãe dele são vencidas e retorna a Lipsia para novos
pesares atormentadores, misturando desencorajamento com a ânsia de glória,
bebida e crises depressivas, o fumo e a incerteza, tudo desabonava sua
reputação. Clara orgulho de pai sabia dos salões por viagens de recitais nas
partituras, empolgada pela genialidade poética daquele jovem aluno de seu pai,
agigantando o seu prodígio nas entrelinhas do diário com um presente de sua
composição musical prometido praquele estranho que morava na sua casa. Eis que
ele se enamora da Ernestina no desejo de esposá-la, todavia é pra Clara que ele
destina os tesouros de sua alma transbordante num intenso amor. O velho
professor Wieek tinha outros planos pro futuro da filha, afastando-a para
Dresden. Golpe duro no coração daquele enamorado, e ele pede, então, a mão dela
ao pai pela primeira vez e foi negado o amor agora sofrimento incessante de
saudade noitedia. Na distância ela arranja um namorado, o que o faz explodir de
ira até conseguir desfazer aquele idílio e as pazes por apaixonadas juras de
amor. Ele pede a mão dela ao pai pela segunda vez e o amor lhe foi negado outra
vez para desespero da alma daquele poeta que compõe febrilmente canções. Afastada
daquele apaixonado, novamente ela encontra outro amor para desastre da paixão
que parte para Viena com todas as dores da plangente Humoreske, a ela dedicada.
Aí pela terceira vez pede a mão dela e o amor negado agora em excursão por
Paris, recorre aos tribunais sob calúnias e abjeções, e o casamento enfim a
glória, as oito gestações não a permitiam compor nem colaborar com o marido
divulgando sua arte. Mesmo assim abdicou de sua criação, agora ela própria em
segundo plano, para se dedicar integralmente na promoção da dele. Enquanto ela
adorava turnês, ele o silêncio e as crises nervosas da melancolia psicótica, a
nota lá dominante martelando seus ouvidos aonde quer que fosse. Seguiam a
desconhecer da asa negra da tragédia na estridente monotonia dos tímpanos que o
leva à tortura das alucinações, à loucura e tentativa de suicídio. Ao interná-lo
com depressão crônica num manicômio de Endenich, ela seguia sozinha pelo
caminho de Düsseldorf que deu Johannes o seu sustentáculo pro resto da vida. O amigo
alisa seus seios na intimidade e um pacto de fidelidade ao doente é selado,
enquanto os excessivos treinos do tratamento multimodal levavam-na à síndrome
de dor crônica, dela quase sucumbir junto com marido à sepultura. Enviuvou e
manteve-se fiel à sua memória, respeitada por Johannes. Ela era até os seus
últimos dias a única musa nas harmonias imortais de um único amor. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da pianista e compositora alemã Clara Schumann (1819-1896): Piano Works, Piano Concert in A minor Op. 7,
Klaviertrio in G moll Op. 17 & Piano Trio in G minor – em sua homenagem foi
realizado o drama musical Clara (2008), dirigido por Helma Sanders Brahms &
muito mais nos mais de 2 milhões &
500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] O
que sei? Minha resposta é clara: muito pouca coisa [...] A visão clássica associava a ciência a
certeza. A suprema glória da razão humana parecia ligada à possibilidade de
atingir a certeza. Muito pelo contrário, creio que a ideia de certeza conduz a
contradições. [...]. Pensamento do químico russo Prêmio Nobel de Quimica de
1977, Ilya Prigogine (1917-2003), Veja mais aqui.
NÃO PARAMOS DE PERGUNTAR - A questão “o que não sei?”, participa estreitamente da
vida de todo pesquisador. Cada descoberta nova – o que significa cada elemento
novo de conhecimento – constitui uma etapa que obriga a nos interrogarmos uma
vez mais. O processo científico é uma longa cadeia de interrogações. Cada
questão que encontrou sua resposta abre novo campo de investigação a explorar.
O programa avança lentamente em direção a uma resposta final ainda desconhecida.
Se todos os cientistas fazem perguntas específicas no quadro de seu programa de
pesquisa, raros são os que se arriscam a ampliar suas investigações a um campo
ou a um ramo da ciência. Os pesquisadores de hoje são formados para avançar passo
a passo, com lentidão e precaução, a fim de evitar fazer perguntas de ordem
geral, exceto se possuem boas razões e bons instrumentos para isso. No entanto,
os que estendem suas interrogações ao domínio geral se encontram muitas vezes
na origem das aberturas científicas maiores. Não paramos de nos perguntar quais
eram as coisas que não sabíamos e que queríamos compreender. [...] Ao mesmo
tempo conseguimos fornecer inúmeras respostas assumidas e aceitáveis. No
entanto, muitas coisas permanecem ainda na sombra. Gostaríamos de saber como as
células e seus componentes se adaptam a novas circunstâncias e como elas
corrigem os desequilíbrios. Estima-se entre 100 e 200 mil números de genes que formam
o genoma humano – o código genético que condiciona nosso desenvolvimento e
nossas particularidades. Mesmo nos pequenos mamíferos de laboratório, esse
número é considerável. Gostaríamos de saber quantos genes são necessários para
construir uma célula pancreática e quantos para construir um pâncreas. E, na
mesma ordem de ideias, gostaríamos de saber quantos genes são necessários para
fabricar um rim ou um cérebro. O número de perguntas sem respostas que nos
fazemos é infinito. No entanto, responder a essas questões equivaleria a
privilegiar o conhecimento por amor ao conhecimento. Mas em um futuro mais ou
menos próximo poderíamos chegar a identificar os genes que condicionam um desenvolvimento
normal. Trecho extraído do artigo Não
paramos de perguntar (Folha de S. Paulo, em 26 de março de 1995.), do
biólogo romeno e prêmio Nobel de Medicina em 1974, George Palade (1912-2008). Veja mais aqui.
O MÉDICO E O MONSTRO - Avental branco, pincenê vermelho, bigodes
azuis, ei-lo, grave, aplicando sobre o peito descoberto duma criancinha um
estetoscópio, e depois a injeção que a enfermeira lhe passa. O avental na
verdade é uma camisa de homem adulto a bater-lhe pelos joelhos; os bigodes
foram pintados por sua irmã, a enfermeira; a criancinha é uma boneca de olhos
cerúleos, mas já meio careca, que atende pelo nome de Rosinha; os instrumentos
para exame e cirurgia saem duma caixinha de brinquedos. Ela, seis anos e meio;
o doutor tem cinco. Enquanto trabalham, a enfermeira presta informações: – Esta
menina é boba mesmo, não gosta de injeção, nem de vitamina, mas a irmãzinha
dela adora. O médico segura o microscópio, focaliza-o dentro da boca de
Rosinha, pede uma colher, manda a paciente dizer aaá. Rosinha diz aaá pelos
lábios da enfermeira. O médico apanha o pincenê, que escorreu de seu nariz,
rabisca uma receita, enquanto a enfermeira continua: – O senhor pode dar
injeção que eu faço ela tomar de qualquer jeito, porque é claro que se ela não
quiser, né, vai ficar muito magrinha que até o vento carrega. O médico, no
entanto, prefere enrolar uma gaze em torno do pescoço da boneca,
diagnosticando: – Mordida de leão. – Mordida de leão? – pergunta, desapontada,
a enfermeira, para logo aceitar este faz-de-conta dentro do outro faz-de-conta.
– Eu já disse tanto, meu Deus, para essa garota não ir na floresta brincar com
Chapeuzinho Vermelho... Novos clientes desfilam pela clínica: uma baiana de
acarajé, um urso muito resfriado, porque só gostava de neve, um cachorro
atropelado por lotação, outras bonecas de vários tamanhos, um Papai Noel, uma
bola de borracha e até mesmo o pai e a mãe do médico e da enfermeira. De
repente, o médico diz que está com sede e corre para a cozinha, apertando o
pincenê contra o rosto. A mãe se aproveita disso para dar um beijo violento no
seu amor de filho e também para preparar-lhe um copázio de vitaminas: tomate,
cenoura, maçã, banana, limão, laranja e aveia. O famoso pediatra, com um esgar
colérico, recusa a formidável droga. – Tem de tomar, senão quem acaba no médico
é você mesmo, doutor. Ele implora em vão por uma bebida mais inócua. O copo é
levado com energia aos seus lábios, a beberagem é provada com uma careta. Em
seguida, propõe um trato: – Só se você depois me der um sorvete. A terrível
mistura é sorvida com dificuldade e repugnância, seus olhos se alteram nas
órbitas, um engasgo devolve o restinho. A operação durou um quarto de hora. A
mãe recolhe o copo vazio com a alegria da vitória e aplica no menino uma palmadinha
carinhosa, revidada com a ameaça dum chute. Já estamos a essa altura, como não
podia deixar de ser, presenciando a metamorfose do médico em monstro. Ao passar
zunindo pela sala, o pincenê e o avental são atirados sobre o tapete com um
gesto desabrido. Do antigo médico resta um lindo bigode azul. De máscara preta
e espada, Mr. Hyde penetra no quarto, onde a doce enfermeira continua a
brincar, e desfaz com uma espadeirada todo o consultório: microscópio,
estetoscópio, remédios, seringa, termômetro, tesoura, gaze, esparadrapo,
bonecas, tudo se derrama pelo chão. A enfermeira dá um grito de horror e começa
a chorar nervosamente. O monstro, exultante, espeta-lhe a espada na barriga e
brada: – Eu sou o Demônio do Deserto! Ainda sob o efeito das vitaminas, preso
na solidão escura do mal, desatento a qualquer autoridade materna ou paterna,
com o diabo no corpo, o monstro vai espalhando terror a seu redor: é a
televisão ligada ao máximo, é o divã massacrado sob os seus pés, é uma corneta
indo tinir no ouvido da cozinheira, um vaso quebrado, uma cortina que se
despenca, um grito, um uivo, um rugido animal, é o doce derramado, a torneira
inundando o banheiro, a revista nova dilacerada, é, enfim, o flagelo à solta no
sexto andar dum apartamento carioca. Subitamente, o monstro se acalma. Suado e
ofegante, senta-se sobre os joelhos do pai, pedindo com doçura que conte uma
história ou lhe compre um carneirinho de verdade. E a paz e a ternura de novo
abrem suas asas num lar ameaçado pelas forças do mal. Crônica
do escritor e jornalista Paulo Mendes Campos (1922-1991). Veja mais aqui
e aqui.
PROCURA DA POESIA – Não
faças versos sobre acontecimentos. / Não há criação nem morte perante a poesia.
/ Diante dela, a vida é um sol estático,/ não aquece nem ilumina. / As
afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. / Não faças
poesia com o corpo, / esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso
à efusão lírica. / Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro / são
indiferentes. / Não me reveles teus sentimentos, / que se prevalecem de
equívoco e tentam a longa viagem. / O que pensas e sentes, isso ainda não é
poesia. / Não cantes tua cidade, deixa-a em paz. / O canto não é o movimento
das máquinas nem o segredo das casas. / Não é música ouvida de passagem, rumor
do mar nas ruas junto à linha de espuma. / O canto não é a natureza / nem os homens em sociedade. / Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada
significam. / A poesia (não tires poesia das coisas) / elide sujeito e objeto.
/ Não dramatizes, não invoques, / não indagues. Não percas tempo em mentir. / Não
te aborreças. / Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, / vossas mazurcas e
abusões, vossos esqueletos de família / desaparecem na curva do tempo, é algo
imprestável. / Não recomponhas / tua sepultada e merencória infância. / Não
osciles entre o espelho e a / memória em dissipação. / Que se dissipou, não era
poesia. / Que se partiu, cristal não era. / Penetra surdamente no reino das
palavras. / Lá estão os poemas que esperam ser escritos. / Estão paralisados,
mas não há desespero, / há calma e frescura na superfície intata. / Ei-los sós
e mudos, em estado de dicionário. / Convive com teus poemas, antes de
escrevê-los. / Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam. / Espera que
cada um se realize e consume / com seu poder de palavra / e seu poder de
silêncio. / Não forces o poema a desprender-se do limbo. / Não colhas no chão o
poema que se perdeu. / Não adules o poema. Aceita-o / como ele aceitará sua
forma definitiva e concentrada / no espaço. / Chega mais perto e contempla as
palavras. / Cada uma / tem mil faces secretas sob a face neutra / e te
pergunta, sem interesse pela resposta, / pobre ou terrível que lhe deres: / Trouxeste
a chave? / Repara: / ermas de melodia e conceito / elas se refugiaram na noite,
as palavras. / Ainda úmidas e impregnadas de sono, / rolam num rio difícil e se
transformam em desprezo. Poema extraído da obra A rosa do povo (Record, 1989), do poeta,
contista e cronista Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Veja mais
aqui e aqui.
AS SUFRAGISTAS
“Nós não queremos quebrar as leis. Nós
queremos fazer as leis”
Frase da
ativista britânica Emmeline Pankhurst
(1858-1928), que embasa o drama longa-metragem As sufragistas (2015), dirigido por Sarah Gravon, delicado por
apresentar defeitos que ferem a luta por um feminismo interseccional e
respeitoso quanto ao lugar de fala de cada mulher dentro da pirâmide social. Trata-se
de um grito por representatividade, marcando o início da luta do movimento
feminista e os métodos incomuns de batalha, a história das mulheres que
enfrentaram seus limites na luta por igualdade e pelo direito de voto,
resistindo à opressão de forma passiva, mas, a partir do momento em que
começaram a sofrer uma crescente agressão da polícia,
decidiram se rebelar publicamente. Veja mais aqui e aqui.
&
A arte da artista visual canadense Marie-Hélène Sirois.
&
Domingo na Massagueira, a literatura de Moacyr Scliar, O envenenamento mental de Harvey Spencer Lewis, a arte de Henry
Yan, a música de Cláudia Telles, Elis Regina, Al Di Meola & Felipe Coelho aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo. Fone: 11 98499-2985.