OS LABIRINTOS DE BORGES - Imagem: La biblioteca Borges en París (1995), do
pintor argentino Néstor Sarmiento - Foi
pelas mãos de HermilAfonso que soube quase menino homem feito da velha dama e
outros duelos do encontro do indigno e da intrusa do Informe de Brodie, para me
dar conta dos anacronismos deliberados e suas atribuições errôneas nos
alicerces da inexistente História Geral dos Labirintos do igualmente irreal
Herbert Quain. Marinheiro de primeira viagem, fui obrigado a refazer as rotas
até chegar lá longe onde o heresiarca de Tlön, Uqbar, Orbis Tertius abominava a
cópula e os espelhos, para poder entrar no sonho do homem que sonhava e o
sonhado despertou caminhando contra as línguas de fogo das Ficções mais
ambíguas, disseram seus detratores, quando a ambiguidade era uma riqueza com o
desvario laborioso e empobrecedor de compor vastos livros, menos tautológicos
que outros não menos imaginários que o livro cíclico que é Deus. Não foi à toa
que encontrei o premiado poeta maluco Carlos Argentino no Aleph a me apresentar
das astúcias do descortês mestre-de-cerimônias Kotsukê No Suké a me contar do homem
da esquina rosada e etcétera da História Universal da Infâmia com todo virtuosismo
literário de coisas sérias e jocosas pela imaginação desenfreada, em que
heréticos foram queimados e entraram no céu, e quem perdeu foi condenado à multa
penosa na Loteria, só porque quem ganha pode presidir a vida e os tecidos do
acaso povoado pelo monstro Aqueronte que é o inferno, o pássaro que traz a
chuva, o galo celestial, o mirmecoleão, a serpente óctupla, as nagas, lêmures,
fadas, sereias e valquírias e tantos seres do satírico e mistificador no infindável
e impalpável Livro de Areia e o dos Sonhos manipulando as diversas línguas e
épocas de coisas que nunca existiram nem foram escritas, coisas inventadas do
gênio pelo universo indefinido e infinito da Biblioteca de Babilônia, com suas
escadas e galerias hexagonais repletas de livros e livrinhos e livrões mortos para
ninguém encontrar o que procura no meio do incompreensível das ruínas circulares
com o pesadelo matemático de um sonho fantástico em que as paralelas se
encontram no infinito coerentemente absurdo e poético. E ter-se com o imortal rejeitado
entre a fama e a cegueira que vinham graduais, porque o mundo de Russel nasceu
há poucos instantes e o tempo inteiro já passou e somos recordações do passado,
e só brincou com um menino como quem brinca com algo próximo e misterioso de
João, I, 14 no que É, Foi e Será do Elogio da Sombra: o dia regido pela divindade que nas selvas os corpos amantes entretece.
Porque não há mandamento que não possa
ser infringido e também os que digo e os que os profetas disseram, não exageres
o culto da verdade; não há homem que ao fim de um dia não tenha mentido com
razão muitas vezes nos Fragmentos de um evangelho apócrifo. Por fim, pôs a
palavra em liberdade com o seu Ultraísmo celebrando Buenos Aires como se fosse
as paisagens da europeias sonhadas e autobiografou seus perfis olvidando da
fama e do fracasso na demasiada ambição de amar e ser amado. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor e bandoneonista
argentino Ástor Piazzolla (1921-1992): Libertando, Mas cuatro estaciones porteñas, Live
at the Montreal Jazz Festival & Concierto para Bandoneon & muito mais
nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui, aqui & aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Onde houve
situação, haverá horizonte suscetível de se estreitar ou se ampliar. [...] significa que não vivemos nem em horizontes fechados, nem num horizonte
único [...] O que pretendemos
compreender não é o evento, na medida que é fugidio, mas sua significação que
permanece [...] É na linguística do discurso
que evento e sentido se articulam um sobre o outro. [...].
Trechos extraídos da obra Interpretação
e ideologias (Francisco
Alves, 1990), do filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005). Veja mais aqui.
ÚLTIMA PALAVRA - [...] As reduções comportamentais e as suas
descendentes não são operativas na filosofia da mente porque as características
fenomenológicas e intencionais que são evidentes a partir do interior da mente
não são adequadamente explicadas da perspectiva puramente externa a que as
teorias redutoras se limitam, devido à impressão errada de que só uma
perspectiva externa é compatível com uma mundividência científica. [...] Para usar alguns
exemplos grosseiros mas conhecidos, a única resposta possível à acusação de que
uma moralidade dos direitos individuais não é senão uma carga de ideologia
burguesa, ou um instrumento de dominação masculina, ou que a exigência de amar
o próximo é afinal uma expressão de medo do próximo, ódio e ressentimento, é
considerar de novo, à luz destas sugestões, se as razões para respeitar os
direitos individuais ou para cuidar dos outros podem ser sustentadas, ou se disfarçam
algo que não é de modo algum uma razão. E esta é outra questão moral. Não se
pode pura e simplesmente sair do domínio da reflexão moral: está
simplesmente aí. Tudo o que podemos fazer é levá-la por diante à luz de sejam
quais forem as novas provas históricas ou psicológicas disponíveis. É o mesmo
em todo o lado. Os desafios à objetividade da ciência só podem ser enfrentados
usando mais raciocínio científico, os desafios à objetividade da história só
pela história, e assim por diante [...].
Trechos extraídos da obra A última palavra
(Gradiva, 1999), do
filósofo estadunidense Thomas Nagel. Veja mais aqui.
O
PRINCÍPIO DO FIM - [...]
Só nos últimos dias de outono é que fui
enviado á frente de combate. A princípio, e apesar das sensações do combate,
senti-me defraudado. Antes me havia perguntado muitas vezes por que eram tão
poucos os homens que conseguiam viver por um ideal. Agora percebia que todos os
homens eram capazes de morrer por um ideal. Mas não por um ideal seu, livremente
escolhido, mas por um ideal comum e transmitido. Contudo, ao fim de algum
tempo, tive de confessar-me que havia julgado os homens abaixo do que realmente
valiam. Apesar da uniformidade que lhes impunha o serviço militar e o perigo
comum, vi muitos se aproximarem arrogantemente à vontade do destino, em plena
vida ou a ponto de morrer. Muitos mostravam a todo momento, e não só no ataque,
aquele olhar firme, distante e alheado que não sabe de fim nenhum e implica uma
completa entrega ao monstruoso. Fossem quais fossem suas opiniões ou idéias,
aqueles homens estavam prontos, eram aproveitáveis e podiam servir para dar
conformação ao futuro. Não importava que o mundo parecesse continuar obstinadamente
fixo em seus antigos ideais, em seu conceito tradicional da guerra, do heroísmo
e da honra, e que toda voz de verdadeira humanidade soasse mais longínqua e
irreal do que nunca. Tudo isso era apenas superfície, igual aos fins exteriores
e políticos da guerra. Sob ela, no fundo, formava-se algo novo. Algo como uma nova
humanidade. Pois havia muitos homens, e alguns deles morreram a meu lado, para
os quais era evidente que o ódio e a fúria, a matança e a destruição não se
achavam ligados aos objetos. Não; os objetos, bem como os fins, eram puramente
casuais. Os sentimentos primordiais, inclusive os mais violentos, não iam
contra o inimigo; sua obra sangrenta era apenas uma irradiação do interior, da
alma dissociada e dividida, que queria enfurecer-se e matar, aniquilar e
morrer, para nascer de novo. Uma ave gigantesca rompia a casca. A casca era o
mundo, e o mundo havia de cair feito em pedaços. Numa noite de primavera eu
estava de sentinela diante de uma granja que havíamos ocupado naquele dia. Um
vento sutil soprava em ondas caprichosas, e sob o alto céu de flandres
cavalgavam exércitos de nuvens, atrás dos quais resplandecia indefinido um
prenuncio de lua. Durante todo o dia me sentira já inquieto; uma preocupação indeterminada
me agitava. Agora, em meu sombrio posto, pensava com fervor nas imagens de
minha vida passada, em Eva e em Demian. Apoiado no tronco de um álamo,
contemplava fixamente o céu inquieto, cujos resplendores, secretamente
palpitantes, se converteram de súbito numa ampla série fluente de imagens. Na
debilidade singular de minhas pulsações, na insensibilidade de minha pele para
o vento e a chuva, e na vibrante vigília interior, senti que em torno de mim havia
um guia. Via-se nas nuvens uma grande cidade, da qual fluíam milhares de homens
que se espalhavam como enxames pelas amplas paisagens. Em meio a eles caminhava
uma poderosa divindade, o cabelo semeado de estrelas reluzentes, alta como uma
montanha. O rosto era o de Eva. Em seu interior entraramos homens em grupos
como numa caverna gigantesca e lá desapareceram. A deusa sentou-se no chão. Em
sua fronte o sinal resplandecia. Parecia sofrer o domínio de um sonho; fechou
os olhos e o amplo rosto contraiu-se num gesto de dor. De repente, lançou um
grito agudo e de sua fronte saltaram estrelas, muitos milhares de estrelas
resplandecentes, que voaram para o negro céu em curvas magníficas. Uma das
estrelas vinha, com vibrante cântico, em minha direção. Parecia procurar-me...
De repente, explodiu com estrondo em milhares de estilhaços, elevou-me nos ares
e arrojou-me novamente ao solo, enquanto o mundo caía fragorosamente sobre mim.
Encontraram-me perto do álamo, coberto de terra e com muitas feridas. Estava
estendido numa cova. [...]. Trecho extraído da obra Demian (Civilização Brasileira, 1972), do escritor alemão Hermann
Hesse (1877 – 1962). Veja mais aqui.
POEMA - Herdades
noturnas, gengiscantem! / Crepitai, bétulas azuis! / Albas da noite, zaraturvem
/ Ao céu cerúleo mozarteante! / Goyam trevas como nuvens! / Roops é um cirro
soturno! / Voa uma tromba de risos, / Enfrento firme o verdugo, / Gargalham
garras de gritos, / E em torno o silêncio escuro. / A mim convoco os valentes,
/ Saem dos rios os afogados, / O miosótis, estridente, / Declama a velames
pardos, / Gira o eixo cotidiano, / Move-se a massa vespertina, / Nas águas da
noite vogando / (Sonho) uma carpa-menina. / Mamáj – pinhos ao vento! / Nuvens
nômades de Báti! / Como cains do silêncio / Palavras santas se abatem. / Passo
tardo, cercado de tropas, / Asdrúbal azul vai ao baile das rochas. Poema do poeta da vanguarda russa Vielimir
Khlébnikov (1885-1922). Veja mais aqui.
OS LABIRINTOS DE BORGES
&
Recuerdos de un arlequín do pintor argentino Néstor
Sarmiento
&
A
paz que ninguém vê, Certo
& errado de Thomas Nagel, o teatro de Nelson Baskerville, a música de Flora
Purim, a escultura de Pietro Baratta & a arte de Tchello d'Barros aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.