NEM PINTADO A OURO - Imagem: arte da série Até que a morte nos separe, da artista plástica Graça Craidy. - Cleudizita, menina risonha, era Zitinha para os mais
achegados, franzina folgazã da saia curtinha avoada, peitinhos miúdos pulando
fora das alças decotadas e ela alvoraçada adolescia na vida. Conheceu Juvenácio
da pá virada e caíram aos esfregões apaixonados num sarro pesado. Nacinho
travou-se nela, os dois pendurados pelos beiços, aos acochos e pegações, ela
magrela tarada saia na cabeça, toda espalmada e espremida pelas travadas nos
muros e paredes, e ele dentro dela só no fungado e umbigada de saírem por aí
encangados, nem ai, só na base do homem é meu, a mulher é minha. Não demorou
muito, ela embuchou e deu na hora um casamento a pulso, ordem dos pais que não
se entendiam entre desaforos e indignação. Coisa de somenos, o que valia mesmo
era vadiação deles por baixo de lençóis e fronhas, festas domingueiras e
eventos dançantes. Tudo ia bem, bastou vê-la no centro das olhadelas da
marmanjada, ciúmes e desconfianças: Estão azarando o meu dicomer, isso não.
Grades e cadeados, dela nem sair dos escondidos. Barriguda pela boca, depois do
parto ela foi tomando corpo e cuidando exclusivamente do bruguelo, sua única
razão de viver. Nacinho enciumado não se continha e se aproveitando disso, caiu
na gandaia. Chegava tropicando com as mãos bobas nas saliências da Zitinha
desolada das lides domésticas. A indisposição dela empiorava a situação, da
paranoia de enjeitado prevalecer e o pau cantar, usada na marra, estuprada a
força sem um gozo sequer. Era a vingança dele todo santo dia depois de se enxerir
com uma e com outra, bicado insaciável de chegar ameaçando estrangular o filho e
descontar toda trovejada furiosa nela, regada a tapas e murros na indefesa, de
deixá-la fodida e com o couro quente pela violência. Todo dia, ao sair de casa
Nacinho trancava tudo, ela nem podia botar a cara na rua, do contrário,
lamboradas de sobra noite adentro. Ele no regalo com uma e com outra, ao
retornar cheio dos quequeos, tudo ao seu mando, brigas e munhecadas na
resistência dela. Anos nessa pisada, ele cheio dos pantins, até ela não
aguentar mais, levada pra polícia e findar no juizado numa separação carregada
de ameaças e insultos. Livre do marido pôde então cuidar de si e do garoto já
crescidinho, e ela tomando corpo, peitos volumosos e empinados, a bunda
arrebitada de chamar atenção pelo pandeirão, quartuda, arrumada boazuda toda e
Nacinho só de esguelha pronto pra pegá-la na virada. Não se conteve, invadiu a
casa armado de cólera e tesão para atacá-la, dela aos gritos, vizinhos
socorreram e logo a polícia botou o invasor na prisão. Regulagem da Maria da
Penha, o cabra quase espremido de tão apertado pela força da lei: um quilômetro
de distância dela, senão apodrecia na cela da penitenciária. Ele endoidou de
vez armando arapuca enquanto ela seguia livre toda feliz e cobiçada. Nacinho
transgrediu, invadiu a casa novamente, ajoelhou-se aos pés dela, pediu por Deus
e todos os santos pra ela perdoá-lo e reatar a vida do casal. Beijou-lhe os
pés, chorou, jurou e esperneou, não teve como se livrar de ser jogado atrás das
grades. E ela vingativa: Nem pintado a ouro, mô fio! Ao cabo de alguns meses
depois, ela não ouviu, as trinta e uma facadas não deixaram que ouvisse o choro
do filho na alça do caixão. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da pianista russa Yulianna Avdeeva: Concerto in E minor de Chopin, Sonata in B minor de
Chopin, Sonata in B minor de Liszt & Sonata op. 21 de Beethoven & muito
mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui.
PENSAMENTO DO DIA – Se todas as pessoas aprendessem a pensar de maneira
não-aristotélica sobre a Mecânica Quântica, o mundo mudaria de forma tão
radical que, em geral, o que chamamos de “estupidez” e até uma grande parte do
que consideramos como “insanidade” poderia desaparecer e os problemas
“intratáveis” de guerra, pobreza e justiça de repente pareceriam bem mais
próximos de uma solução. Pensamento do
filósofo, linguísta, engenheito, cientista e matemático polonês Alfred Korzybsk (1879-1950), autor de
célebres frases como “As
palavras não são as coisas que elas representam, o nome não é a coisa;
o mapa não é o território: um mapa não representa tudo de um território, o mapa ideal é auto-reflexivo”, bem
como da expressão: “Os filósofos são de
certa forma incapazes de compreender que seus trabalhos são o produto de seus
próprios sistemas nervosos. Para a maioria deles é apenas um verbalismo
desprendido (detached verbalism)”.
ARTE & EDUCAÇÃO – [...] As artes são
lugares em que os saltos metafóricos da imaginação se apreciam por seu
potencial e excelência estética. Alem disso, é na arte onde a experiência, a
natureza, e a estrutura da metáfora se convertem no principal objeto de estudo.
Este ocorre em atividades que os indivíduos criam obras de arte, mas também
entra em jogo a interpretação das obras de arte [...] O objetivo final da educação deveria ser a
maximização do potencial cognitivo dos estudantes. Isso requer o reconhecimento
do reino da imaginação e as ferramentas cognitivas, como a categorização e a
metáfora, que permitem que esta operação, provavelmente em todas as
disciplinas, mas fundamentalmente nas artes visuais [...] a imaginação se identifica como uma
atividade amplamente estruturadora que utiliza a metáfora e a narrativa para
estabelecer novos significados e conseguir representações coerentes, com
padrões e unificadas [...] Muitas
experiências físicas, como o equilíbrio, se adquirem antes de se aprender seus
nomes, como quando uma criança aprende a andar. Este conhecimento não
proposicional facilita um fundamento construído a partir de categorias de nível
básico, e proporciona uma base para a elaboração metafórica. Assim, a
experiência do ato físico pode estender–se mais adiante no ato físico de andar,
quando como um adulto pensa em coisas como uma personalidade equilibrada, as
equações químicas equilibradas, e o equilíbrio da justiça [...]. Trechos
extraídos de Art and cognition:
integrating the visual arts in the curriculum (NAEA, 2002), do professor
estradunidense Arthur Efland (1942-2009).
O VEREDICTO – [...] E quando ela, então, respirando rápido sob seus beijos,
ainda argumentava: “na verdade isso me ofende”, ele achou que realmente não era
embaraçoso escrever tudo ao amigo. “Eu sou assim e é assim que ele tem de me
aceitar”, disse consigo. “Não posso talhar em mim mesmo uma pessoa que talvez
fosse mais ajustada à amizade com ele do que eu sou.” E de fato, na longa carta
que escreveu nessa manhã de domingo, relatou ao amigo a realização do noivado
com as seguintes palavras: “A melhor novidade eu guardei para o fim. Fiquei
noivo da senhorita Frieda Brandenfeld, uma jovem da família bem-posta que só se
estabeleceu aqui tempos depois da sua partida e que portanto você dificilmente poderia
ter conhecido. Ainda haverá ocasião para lhe contar mais sobre a minha noiva,
basta hoje que lhe diga que estou muito feliz e que nossa atual relação só
mudou alguma coisa na medida em que agora você terá em mim, ao invés de um amigo
comum, um amigo feliz. Além disso você ganha, com a minha noiva, que manda
saudá-lo cordialmente, e que em breve vai escrever pessoalmente a você, uma
amiga sincera, o que não é sem importância para um solteiro. Sei que muita
coisa o impede de nos visitar, mas não seria justamente o meu casamento a
oportunidade certa para afastar os obstáculos? Seja como for, porém, aja sem
qualquer escrúpulo e segundo o que achar melhor”. Com essa carta na mão Georg
ficou longo tempo sentado à escrivaninha, o rosto voltado para a janela. Mal respondeu,
com um sorriso ausente, a um conhecido que, passando pela rua, o cumprimentara.
Finalmente enfiou a carta no bolso e, do seu quarto, atravessando um pequeno
corredor escuro, entrou no quarto do pai, ao qual não ia já fazia meses. De
resto não havia necessidade disso, pois sempre encontrava o pai na loja e almoçavam
juntos num restaurante; à noite, efetivamente, cada um cuidava de si a seu
critério, mas na maioria das vezes, quando Georg não estava com os amigos ou
visitava a noiva, o que acontecia com mais frequência, ficavam sentados ainda
um pouco na sala de estar comum, cada qual com o seu jornal. Surpreendeu Georg
como estava escuro o quarto do pai mesmo nessa manhã ensolarada. A sombra era
pois lançada pelo muro alto que se erguia do outro lado do estreito pátio. O
pai estava sentado junto à janela, num canto enfeitado com várias lembranças da
finada mãe, e lia o jornal segurando-o de lado para compensar alguma
deficiência da vista. Sobre a mesa jaziam os restos do café da manhã, do qual
não parecia ter sido consumida muita coisa.
[...]. Trecho extraído da obra Essencial (Companhia
das Letras, 2011), do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924). Veja mais
aqui e aqui.
DOIS POEMAS - VIRÁ – Deixe a mente aquietar, / percebendo a beleza do mundo / e os
imensos, inexauríveis tesouros / que armazena. / Tudo tens dentro de ti / tudo
que teu coração almeja / tudo para que tua natureza tão especialmente te
preparou / isso tudo guarda por ti / incrustado no grande todo / com certeza
virá para ti / com certeza virá. II - Oh ! Não deixeis apagar a chama! Mantida
/ De século em século / Nesta escura caverna, / Neste templo sagrado! / Sustentado
por puros ministros do amor! / Não deixeis apagar esta divina chama! Poemas
do poeta socialista e ativista politico homossexual britânico Edward Carpenter (1844-1929).
CASOU NO PAPEL & OUTRAS ARTES
Os
livros da série Casou no papel
(Autor, 2017), reúne o trabalho fotográfico do fotógrafo, educador e
videofazedor Luiz Santos, tratando
sobre os invisibilizados.
Um dos
volumes com textos e fotografias coloridas versa e exibe retratos de
personagens que são pacientes do Hospital da Tamarineira. O outro volume, preto
& branco, reúne os carregadores dos bonecos gigantes de Olinda.
&
A arte
das séries Delicadezas, Trinta contra Uma e Até que a morte nos separe da
artista plástica e cronista Graça Craidy.
&
Qual é a tua, Zé Brasil?, Membranas
e interfaces de Fernanda Bruno, a música
de Rick Wakeman, a arte de Jana Brike, o cinema de Larry Clark & Chloë Sevigny aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.