A arte da fotógrafa
e escritora estadunidense Diane Arbus (1923-1971).
PENSAMENTO
DO DIA – O artista tem o
poder de penetrar no âmago das coisas [...] capta
essa ameaça de nossa existência, e é capaz de dar forma a esse perigo.
[...]. Pensamento extraído da obra O
homem e seu espaço vivido (Papirus, 1988), da neuropsiquiatria e psicanalista francesa Gisela Pankow
(1914-1998). Veja mais aqui.
COMO É DIFICIL SER FELIZ - [...] Zadig
convenceu-se de que o primeiro mês do casamento, como está escrito no livro do
Zenda, é a lua-de-mel, e que o segundo é a lua-de-fel. Pouco tempo depois
viu-se obrigado a repudiar Azora,que se tornara difícil de aturar, e procurou
satisfação no estudo da natureza. “Ninguém é mais feliz – dizia ele, - que um filósofo
que lê o grande livro aberto por Deus diante dos nossos olhos. São suas as
verdades que descobre: alimenta e educa a alma, vive tranqüilo; nada receia dos
homens, e sua meiga esposa não vem cortar-lhe o nariz.” Cheio destas idéias
recolheu a uma casa de campo à beira do Eufrates, onde não se ocupava a
calcular quantas polegadas de água correm por segundo sob os arcos de uma
ponte, ou se no mês do rato cai uma linha cúbica de chuva a mais do que no mês
do carneiro. Não cuidava de fazer seda com teias de aranha, nem porcelana com
cacos de vidro, antes estudou sobretudo as propriedades dos animais e das
plantas, não tardando a adquirir uma sagacidade que lhe apontava mil diferenças
onde os outros homens viam só uniformidade. Certo dia passeando na orla de um
bosque, viu aproximar-se um eunuco da rainha seguido de vários oficiais que
pareciam tomados da maior inquietação, e corriam de um lado para outro como
pessoas extraviadas em busca da maior preciosidade perdida. - Moço –
perguntou-lhe o eunuco, - por acaso não viu o cachorro da rainha? Zadig
respondeu modestamente: - Creio tratar-se de uma cadela e não de um cachorro. -
Tem razão – volveu o eunuco. - É uma cachorrinha de caça que deu cria há pouco
tempo; manqueja da pata dianteira esquerda e tem orelhas muito compridas. -
Viu-a então? – Tornou o eunuco esbaforido. - Não – respondeu Zadig, - nunca a
vi e nem mesmo sabia que a rainha tivesse uma cadela. Justamente nessa ocasião,
por um capricho muito comum da sorte, o mais belo cavalo das coudelarias do rei
fugira das mãos de um palafreneiro para as campinas da Babilônia. O monteiro-mor
e todos os outros oficiais andavam atrás dele com tanta apreensão quanto a do eunuco
atrás da cadela. O monteiro-mor dirigiu-se a Zadig e perguntou-lhe se não vira
passar o cavalo do rei. - É o cavalo que melhor galopa - respondeu Zadig; - tem
cinco pés de altura e os cascos muito pequenos; sua cauda mede três pés de comprimento
e as rodelas do seu freio são de ouro de vinte quilates; usa ferraduras de prata
de onze denários. - Que caminho tomou ele? Onde está? – perguntou o
monteiro-mor. - Não sei – respondeu Zadig; não o vi nem nunca ouvi falar nele. O
monteiro-mor e o eunuco ficaram certos de que Zadig tinha roubado o cavalo do
rei e a cadela da rainha, e levaram-no à presença do grande Desterham que o
condenou ao knut, e a passar o resto do seus dias na Sibéria. Mal havia
terminado o julgamento, foram encontrados o cavalo e a cadela. Os juízes
viram-se na desagradável contingência de reformar a sentença, mas condenaram
Zadig a pagar quatrocentas onças de ouros por dizer que não vira o que tinha
visto. Primeiro ele teve que pagar a multa, e só depois lhe permitiram defender
a sua causa perante o conselho do grande Desterham onde falou nesses termos: -
Estrelas de justiça, abismos da ciência, espelhos da verdade, que tendes o peso
do chumbo, a dureza do ferro, o brilho do diamante e muita afinidade com o
ouro: já que me é consentido falar diante desta augusta assembléia, juro-vos por
Orosmade que nunca vi a respeitável cadela da rainha, nem o sagrado cavalo do
rei dos reis. Aqui está o que me sucedeu: andava eu passeando pelo pequeno
bosque onde depois encontrei o venerável eunuco e muito ilustre monteiro-mor.
Percebi na areia pegadas de um animal, e facilmente concluí serem as de um cão.
Leves e longos sulcos, visíveis nas ondulações da areia entre os vestígios das
patas, revelaram-me tratar-se de uma cadela com as tetas pendentes, e que,
portanto, devia ter dado cria poucos dias antes. Outros traços em sentido
diferente, sempre marcando a superfície da areia ao lado das patas dianteiras,
acusavam ter ela orelhas muito grandes; e como além disso notei que as
impressões de uma das patas eram menos fundas que as das outras três, deduzi
que a cadela da nossa augusta rainha manquejava um pouco, se assim posso me
exprimir. “Quanto ao cavalo do rei dos reis, sabei que estando a passear pelos carreiros
desse bosque, avistei as marcas das ferraduras de um cavalo, todas colocadas a
igual distância. ‘Eis aqui – disse comigo, - um cavalo que tem o galope
perfeito’. A poeira das árvores. Num caminho não mais de sete pés de largura,
mostrava-se um pouco revolvida a direita e a esquerda, a três pés e meio do
centro da rota. ‘Este cavalo – tornei a considerar nos seus movimentos para a
direita e para a esquerda, varreu essa poeira’. Vi depois sob as árvores, que
formavam um docel de cinco pés de altura, alguns ramos cujas folhas tinham
caído recentemente, e concluí que o animal as roçara com a cabeça, tendo,
portanto cinco pés de altura. Seu freio deve ser de ouro de vinte e três
quilates, pois tendo batido numa pedra que verifiquei ser uma pedra de toque,
pode em seguida identificá-lo. Enfim, pelas marcas das ferraduras deixadas em
pedras de outra espécie, deduzi que estava ferrado com prata fina.” Todos os
juízes admiraram o profundo e sutil discernimento de Zadig; a notícia chegou
aos ouvidos do rei e da rainha. Só se ouvia falar de Zadig nas antecâmaras, nas
salas e gabinetes; e embora alguns magos opinassem que ele devia ser queimado
como feiticeiro, o rei ordenou que lhe devolvessem a multa de quatrocentas
onças de ouro a que havia sido condenado. O escrivão, os oficiais de justiça e
os procuradores foram a sua casa em grande aparato levar-lhe as quatrocentas
onças, das quais apenas retiveram trezentas e noventa e oito para as custas do
processo, além dos honorários reclamados pelos servidores. Zadig compreendeu que
às vezes era perigoso ser demasiado sábio, e prometeu a si mesmo não tornar a
dizer o que porventura houvesse visto. A ocasião não tardou a apresentar-se. Um
prisioneiro do Estado tendo fugido, passou por baixo das janelas de sua casa.
Zadig interrogada nada respondeu, mas provaram-lhe que ele havia olhado pela
janela. Por esse crime foi condenado a pagar quinhentas onças de ouro, e ainda
agradeceu a benevolência dos juízes, como é costume na Babilônia. – “Santo
Deus! – Exclamou para si, - quanto é lastimável ir-se passear a um bosque onde
passaram a cadela da rainha e o cavalo do rei! Como é perigoso a gente chegar à
janela, e como é difícil ser feliz neste mundo.” [...]. Trecho extraído da obra Zadig ou o destino: história oriental (Saraiva,
1957), do
escritor, dramaturgo e filósofo iluminista francês Voltaire (François Marie Arouet/1694-1778). Veja
mais aqui e aqui.
O
BRASÃO DA CIDADE - [...]
No início tudo estava numa ordem razoável
na construção da Torre de Babel; talvez a ordem fosse até excessiva, pensava-se
demais em sinalizações, intérpretes, alojamentos de trabalhadores e vias de
comunicação, como se à frente houvesse séculos de livres possibilidades de
trabalho... O essencial do empreendimento todo é a idéia de construir uma torre
que alcance o céu. Ao lado dela tudo o mais é secundário. Uma vez apreendida na
sua grandeza essa idéia não pode mais desaparecer; enquanto existirem homens, existirá
também o forte desejo de construir a torre até o fim... Cada nacionalidade queria
ter o alojamento mais bonito, resultaram daí disputas que evoluíram até lutas sangrentas.
Essas lutas não cessaram mais... As pessoas porém não ocupavam o tempo apenas
com batalhas, nos intervalos embelezava-se a cidade, o que entretanto provocava
nova inveja e novas lutas... A isso se acrescentou que já a segunda ou terceira
geração reconheceu o sem-sentido da construção da torre do céu, mas já estavam
todos muito ligados entre si para abandonarem a cidade. [...] Trecho
extraído da obra O brasão da cidade
(Folha de São Paulo, 1993), do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924).
Veja mais aqui.
INUTILIDADES – Ninguém
coça as costas da cadeira. / Ninguém chupa a manga da camisa. / O piano jamais
abandona a cauda. / Tem asa, porém não voa, a xícara. / De que serve o pé da
mesa se não anda? / E a boca da calça, se não fala nunca? / Nem sempre o botão
está na sua casa. / O dente de alho não morde coisa alguma. / Ah! Se trotassem
os cavalos do motor... / Ah! Se fosse de circo o macaco do carro... / Então a
menina dos olhos comeria / Até bolo esportivo e bala de revólver. Poema do
poeta, ensaísta, jornalista e tradutor José Paulo Paes (1926-1988). Veja
mais aqui.
A arte da fotógrafa
e escritora estadunidense Diane Arbus (1923-1971).
DEMOCRACIA – A democracia, com base nos
ensinamentos de Ignácio da Silva Telles, é uma palavra oriunda do grego "Demos", que quer dizer distrito,
país, região, aldeia; quanto povo, povo simples, habitantes, homens livres; e
"Cratos", que significa
força, capacidade, potencialidade. O seu significado também abrange poder
político, regra, lei, uma autoridade, um governo. Etimologicamente democracia
significa poder, lei ou governo do povo; ou pelo povo; ou para o povo. E uma
outra definição se baseia em três idéias básicas: liberdade, igualdade e regime
de representação política do povo. A partir disso, observa-se que a democracia
já se manifestava na Grécia antiga, por volta do séc. V a.C., caracterizada
pelo próprio povo legislando e as pessoas exercendo as leis emanadas do povo. Ao
longo dos tempos vários filósofos, cientistas e estudiosos se debruçaram sobre
o desenvolvimento da democracia, desde Aristóteles e Platão, na antiga Grécia,
como Thomas Hobbes, Imanuel Kant, Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau, Aléxis
Tocqueville, até Georges Burdeau e Norberto Bobbio, dentre outros.
A democracia já suscitou estudos na
Grécia antiga quando os sofistas consolidaram as discussões em nível teórico,
tendo se manifestado, segundo Nelson Sandanha, desde a efêmera república
hebraica do sinédrio. Na Grécia antiga Platão expressara que a democracia era adoção
de um sistema em que o povo seja autor das leis de sua sociedade. Também
Aristóteles, no mesmo período, defendia que "não será legítimo o governo senão quando é exercido em proveito dos
governados e não apenas em proveito dos governantes". Querendo dizer
que a democracia deve estar voltada para a realização do bem comum e para
legitimar-se, representando a todos, seja em que nível for, seja nos anseios
que se pautar. Neste sentido, ele distingue a oligarquia da democracia,
estabelecendo que: O argumento parece
mostrar que o número de integrantes do governo, seja ele pequeno como em uma
oligarquia ou grande como em uma democracia, é acidental devido ao fato de que
os ricos, em qualquer lugar, são poucos, enquanto os pobres são numerosos.
Portanto
(...) a diferença real entre democracia e
oligarquia é a pobreza e a riqueza. Onde quer que os homens governem devido à
sua riqueza, sejam eles poucos ou muitos, há uma oligarquia, e onde os pobres
governem, há uma democracia. Desta
forma, defende o autor que a democracia é o governo constitucional, enquanto a
oligarquia é o governo da aristocracia e a tirania é a perversão da monarquia.
Para ele ao povo só é licito fazer as leis, as quais necessariamente visam o
geral. E a este respeito M. I. Finley observa que: Na
antigüidade, os intelectuais, em esmagadora maioria, desaprovavam o governo
popular e apresentaram um grande número de explicações para sua atitude e uma
variedade de propostas alternativas. Hoje seus congêneres, em especial os do
ocidente, mas não apenas estes, concordam, provavelmente na mesma esmagadora
proporção, que a democracia é a melhor forma de governo, a mais conhecida e a
melhor que se possa imaginar. Contudo, muitos também concordam que os
princípios que tradicionalmente a justificaram, na prática, não estão
funcionando.
Observa-se, com isso, que o
regime democrático desenvolvido na Grécia antiga adotou o conceito de um
sistema de governo do povo, pelo povo e para povo, recebendo críticas tanto de
Aristóteles quanto de Platão.
No período republicano de Roma, assinala M.
I. Finley e Nelson Saldanha que houve instituições que podem ser consideradas
de tipo democrático com movimentos sociais no sentido de atender as
reivindicações igualitaristas,
Na Idade Média, George Burdeau, John
Dewey e Nereu Corrêa observam que ocorreu um período em que os diversos povos
do ocidente estavam organizados em monarquias e voltados para a ordem social
feudal, também pode ser registrado a existência de concepções igualitaristas
dentro das heresias religiosas que contestavam as estruturas vigentes.
Na época moderna, G. Jorgensen e Nelson
Saldanha registram que mesmo sob a vigência do absolutismo monárquico, ocorreram
revoluções liberais combatendo a concentração de poder. E é a partir do
Renascimento que Thomas Hobbes identifica a democracia como uma assembléia de
todos os que se uniram, mesmo sendo ele o criador da teoria que fundamenta o
Estado Soberano com poderes ilimitados e defendendo que este se enfraqueceria
com a separação dos poderes. Mais adiante, John Locke, um dos clássicos do
liberalismo político, defendeu que todos os homens são livres, iguais e
independentes por natureza, e que estes reunidos na constituição de uma
comunidade ou governo, são incorporados e formam um corpo político no qual a
maioria tem o direito de agir e resolver por todos. Neste sentido, propôs uma
articulação entre a igualdade e a liberdade naturais dos homens, dentro do direito
individual num governo limitado pelo consentimento e na supremacia da lei, na
defesa do regime representativo com separação dos poderes, supremacia da
sociedade sobre o governo e a exigência da limitação do poder soberano baseado
nos direitos individuais. Foi o filósofo e moralista francês Montesquieu que formulou
os princípios fundamentais da democracia moderna ao estabelecer os critérios do
governo republicano fundamentado na virtude e das leis relativas à democracia,
estabelecendo que o povo como um todo possui o poder soberano, assinalando
“(...) uma lei fundamental da democracia
que só o povo institua as leis” e a liberdade política garantida pelos
poderes fundamentais do Estado: executivo, legislativo e judiciário. Em
seguida, o pensador jusnaturalista contratualista francês, Jean-Jacques
Rousseau, traz a idéia de que a democracia está sedimentada na construção
coletiva da igualdade e da liberdade garantida pelo ideal republicano. No
entanto, este defendia a democracia no sentido de que sua existência só é
possível quando a comunidade diretamente e sem intermediários tomar as
deliberações, sendo, portanto, adversário do modelo democrático representativo
por colidir com a lei natural pelo fato da maioria governa minoria. Observa-se,
portanto, que desde os ideais do Iluminismo e mesmo depois com pensadores como
Hegel, Comte, Marx e Spencer, todos sintetizaram os ideais democráticos na
bandeira da bem-aventurança e nos princípios de liberdade e igualdade. Dentre
eles havia uma associação de idéias, apesar dos posicionamentos díspares, de
que a democracia seria o atendimento real de todas as necessidades humanas. Já Alexis
de Tocqueville defendia que as leis da democracia tendem ao bem do maior
número, pois emanam da maioria dos cidadãos tendo em vista esta ser um atributo
do Estado caracterizada na liberdade e igualdade dos cidadãos. No entanto, ele sinalizava
para uma antinomia entre igualdade e liberdade, sob o argumento de que numa
estrutura social formada pela primeira suprimirá a segunda totalmente. Isto é,
se fundamenta na igualdade de todos e todos devem ser iguais, alguns requererão
mais igualdade, e sob essa condição suprimirão a liberdade de alguns. Mais
amiúde: se ricos requererem igualdades entre eles próprios, suprimiriam a
liberdade de quem não esteja tal qual eles, visto que excluiriam, como ainda
hoje excluem quem não se encontre entre as classes abastadas, formando
verdadeira segregação. Tal observância é considerada por Georges Burdeau ao
observar que: Racionalmente e de fato,
a democracia está indissoluvelmente ligada à idéia da liberdade. (...) É um sistema de governo que tende a incluir
a liberdade na relação política, isto é, nas relações entre mando e obediência.
A autoridade subsiste, sem dúvida, mas de tal maneira conduzida que fundamentada
na adesão daqueles que lhe são sujeitos, permanece compatível com a liberdade.
Esta condução leva a
entender que nem sempre a liberdade está associada à igualdade, quando se
postula, contudo, que ambas devam estar juntas para gerar o princípio democrático.
No entanto, é conveniente anotar que na França, por exemplo, a democracia foi
utilizada apenas para unir o terceiro estamento francês às suas elites durante
a revolução, ou seja, aliar a burguesia ao clero e à aristocracia, servindo
então à igualdade proferida por Aléxis de Tocqueville que era identificado mais
como liberal do que democrata, prezando pela liberdade e igualdade. Por esta
razão, G. Jorgensen defende que o princípio democrático está assentado no: (...) processo geral do desenvolvimento tendendo
sempre ao maior igualamento das liberdades para sempre mais dilatadas esferas
da população. (...) a democracia pode
ser conceituada como processo no sentido de igualamento e da libertação. Entende-se, assim, que a democracia é o
tipo de governo onde os cidadãos dotados de direito e representando o povo ou a
totalidade da população reconhecida nos costumes e na lei, participa
efetivamente do controle e das decisões políticas da coletividade. Na esteira
de tal análise, encontram-se as idéias expressas por J. A. Schumpeter
entendendo a democracia como um método que legitima a competição pela
liderança, dando direito a livre concorrência pelo voto e pelo poder e um
sistema institucional destinado à tomada de decisões políticas, marcadas por lutas
competitivas pelo poder que permite a escolha da liderança em eleições livres e
voto livre. Neste sentido, o autor define que o modelo democrático está
assentado no mecanismo de escolha e autorização dos governos, a partir da
existência de grupos que competem pela governança, associados em partidos
políticos e escolhidos por voto; na função dos votantes que não é a de resolver
problemas políticos, mas a de escolher homens que decidirão quais são os
problemas políticos e como resolvê-los – a política é uma questão de elites
dirigentes; na função do sistema eleitoral em criar o rodízio dos ocupantes do
poder, tendo como tarefa preservar a sociedade contra os riscos da tirania; no
modelo político baseado no mercado econômico fundado no pressuposto da soberania
do consumidor e da demanda que, na qualidade de maximizador racional de ganhos,
faz com que o sistema político produza distribuição ótima de bens políticos; e na
natureza instável e consumidora dos sujeitos políticos obrigando a existência
de um aparato governamental capaz de estabilizar as demandas da vontade
política pela estabilização da "vontade geral", através do aparelho
do Estado, que reforça acordos, aplaina conflitos modera as aspirações. Com isso, para o autor mencionado, o papel
do povo é formar o governo diretamente ou através de um corpo intermediário e
também de dissolvê-lo. Isto significa a aceitação de um líder ou de um grupo de
lideres, uma vez que a função do voto é eleger a liderança, o voto é a marca da
aceitação. Já para Anthony Downs entende que a democracia é entendida sob a
ótica da teoria da escolha racional, como o método importante para se ter à
estabilidade necessária para a racionalidade. Para ele, então, é fundamental a liberdade
de expressão, de criticas e de opinião que devem ser respeitadas e fazem parte
do jogo político. Na ótica de Robert Dahl, a democracia é o regime de governo
que garante aos cidadãos formular, expressar e ter suas preferências
consideradas sem discriminação, onde existem instituições democráticas que lhe
proporcionam estas funções. Por esta razão, defende ele que a democracia é um
regime que lida com conflitos de interesses, oposição, participação, mas que
garante as preferências da maioria sem desprezar os interesses da minoria, a
relação entre liberalização e inclusividade permite um equilíbrio democrático
de opiniões. Desta feita, assinala que a democracia é um regime regulador de
conflitos, onde o governo possui o papel de mediador e, por esta razão, defende
o autor o modelo poliárquico que a seu ver para isso é fundamental a
participação do cidadão e a presença das instituições democráticas para o
processo de democratização nas democracias. Chega-se a esta altura dos estudos
que o termo democracia é tão rico possibilitando a criação de incongruências
conceituais que são levantadas pelo cientista político Norberto Bobbio ao
mencionar que "entende-se por
democracia quando o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de
todos, ou melhor, da maior parte". E acrescenta que: Definição mínima de democracia, segundo a qual, por regime
democrático, entende-se primariamente um conjunto de regras de procedimento
para a formação das decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a
participação mais ampla possível dos interessados. (...) Se se inclui no conceito geral de democracia
a estratégia do compromisso entre as partes através do livre debate para a
formação de uma maioria, a definição aqui proposta reflete melhor a realidade
da democracia representativa, pouco importando se se trata de representação
política ou de interesse, que a realidade da democracia direta: o referendum,
não podendo colocar os problemas a não ser sob a forma de excludência, de
escolha forçada entre duas alternativas, obstaculiza o compromisso e favorece o
choque, e exatamente isto é mais adequado para dirimir controvérsias sobre
princípios do que para resolver conflitos de interesse. Vê-se, portanto, a existência de modelos
democráticos conferindo uma tipologia específica, tais como a democracia de
natureza direta, semidireta e representativa.
A democracia direta é compreendida,
conforme Norberto Bobbio, como a "participação
de todos os cidadãos em todas as decisões a eles pertinentes". Isto é,
a seu ver para que exista uma democracia direta no sentido próprio da palavra, onde
o indivíduo participa ele mesmo nas deliberações, é preciso que entre
indivíduos deliberantes e a deliberação não exista nenhum intermediário. Com
isso, os institutos da democracia direta no sentido próprio da palavra são
dois: a assembléia dos cidadãos deliberantes sem intermediários e o
"referendum". No entanto, com base nisso deduz-se que nenhum sistema
complexo como é o de um Estado moderno pode funcionar apenas com um ou com
outro, e nem mesmo com ambos conjuntamente, porque em decorrência da vastidão
do território, do número de habitantes e da multiplicidade dos problemas que
devem ser resolvidos, não é possível a democracia direta devendo-se então
recorrer à democracia representativa.
A democracia representativa foi
idealizada pelo abade Emmanuel-Joseph Siéyes ao propor a unidade da nação e do
Terceiro Estado, este último representando o povo. E é vista por M. Duverger
como aquela que apresenta a democracia como um sistema representativo em que o
cidadão escolheria seus representantes para legislar e governar em seu nome: Uma vez que os cidadãos, pessoalmente, não podem participar
do governo, designarão entre eles seus representantes, os quais constituirão, e
somente eles, a Assembléia Nacional de onde vem o nome de democracia
representativa.
Já Norberto Bobbio conceitua
como sendo a democracia representativa: As
deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à
coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem
parte mas por pessoas eleitas para essa finalidade (...) As democracias representativas que
conhecemos são democracias nas quais por representante entende-se uma pessoa
que tem duas características bem estabelecidas: na medida em que goza da
confiança do corpo eleitoral, uma vez eleito não é mais responsável perante os
próprios eleitores e seu mandato, portanto, não é revogável; e, não é
responsável diretamente perante os seus eleitores exatamente porque convocado a
tutelar os interesses gerais da sociedade civil e não os interesses particulares
desta ou daquela categoria. Mediante
tais colocações é conveniente abordar que além da direta e da representativa,
ainda se encontra a tipologia democrática semidireta ou participativa que, conforme
Anderson Sant’Ana Pedra é aquela que identificada como participativa,
caracterizada pela “(...) pela
coexistência de mecanismos da democracia
representativa com outros da democracia direta (referendo, plebiscito,
revogação, iniciativa popular e etc.)”. Entende ele que ela é assim
denominada de semidireta porque além da representatividade do sistema político,
admite, também, a utilização intervencionista que compreende o referendo, o
plebiscito, o veto popular, a iniciativa popular e o recall na direta ação dos governados em certas deliberações dos
governantes. Defende ele que a democracia
representativa não encontra legimitidade no Estado Moderno,
principalmente no Brasil, pela insatisfação dos representados face ao
comportamento dos seus representantes, que, em regra, se comportam como substitutos do povo. Já Maria
Victoria Benevides traz a tipologia da democracia republicana, conceituando-a
como o regime da soberania popular, fundada no exercício da liberdade, no
respeito à res pública - isto é, ao
que é comum a todos e insuscetível de apropriação provada - e na afirmação da
igualdade. Por fim, encontra-se que, remontando os estudos até agora
realizados, Aristóteles já na antiga Grécia defendia que o carro-chefe da
sociedade não poderia ser entregue ao povo em todas as suas funções e minúcias,
pois, a existência de um grupo pensante e elitizado é fundamental para que a
condução ao menos pragmática da sociedade fosse mantida, o que remonta a idéia
de que a democracia, com sua ênfase da palavra, jamais poderia existir. Em Jean-Jacques
Rousseau há a perspectiva de que "(...)
uma verdadeira democracia jamais existiu
nem existirá", argumentando que "(...)
se existisse um povo de deuses,
governar-se-ia democraticamente. Mas um governo assim perfeito não é feito para
os homens". Tal assertiva rousseauneana traz a dimensão utópica que se
encontra impregnada no princípio de conceituação democrática. Nesta discussão, Norberto
Bobbio assinala que: As transformações da
democracia sob a forma de promessas não cumpridas ou de contraste entre a
democracia ideal tal como concebida por seus pais fundadores e a democracia
real em que, com maior ou menor participação, devemos viver quotidianamente (...) daquelas promessas não cumpridas - a
sobrevivência do poder invisível, a permanência das oligarquias, a supressão
dos corpos intermediários, a revanche da representação dos interesses, a
participação interrompida, o cidadão não educado ou mal-educado - algumas não
podiam ser objetivamente cumpridas e eram desde o início ilusões; outras eram,
mais que promessas, esperanças mal respondidas, e outras por fim acabaram por
se chocar com os obstáculos imprevistos. Todas são situações a partir das quais
não se pode falar precisamente de degeneração da democracia, mas sim da
adaptação natural dos princípios abstratos à realidade ou de inevitável
contaminação da teoria quando forçada a submeter-se às exigências da prática.
Também Robert Dahl observa
que a democracia em seu ponto máximo não existiu em nenhum regime atual ou
contemporâneo e que o ideal democrático se parece muito com conceito de
"tipo ideal" proposto por Max Weber, servindo para avaliar os regimes
quanto a seu processo de democratização. Desta forma, ele considera as
democracias existentes pobres aproximações do ideal democrático, por este
motivo sugeriu que estas democracias fossem chamadas de poliarquias, tendo em
vista que estas são as formas da democracia no mundo moderno, caracterizadas
pelas diversidade das condições sociais, culturais e econômicas dos indivíduos
e pela multiplicidade de interesses em jogo e as condições necessárias e
suficientes para o seu desenvolvimento. Assim, a sua teoria oferece um modelo
de democracia para a produção de políticas publicas, para a participação e
representação política e, para a responsabilidade e responsividade do governo
assentada num modelo pluralista que se caracteriza pela diversidade de
interesses no mundo moderno e de que o individuo orienta suas ações para o
calculo máximo de seus interesses. E que a existência de associações e partidos
políticos é considerada necessária para a vigência da democracia em larga
escala, uma vez que eles são o veiculo da participação dos cidadãos nas
democracias modernas. Em suma, há de ficar entendido que a democracia está
fundamentada nos direitos civis, sociais e políticos, inseridos pela liberdade
do cidadão que engloba segurança, locomoção, trabalho, salário justo, saúde,
educação, habitação, liberdade de expressão, de voto, de participação em
partidos políticos e sindicatos, dentre outros. E, a partir disso, tem-se a visão
mais completa e não menos controversa do que se possa conceituar o preceito
democrático, onde, indubitavelmente, se aliaria a liberdade à igualdade e aos
direitos e deveres do cidadão. E tal condução está articulada com as idéias
expressas por T.H. Marshal quando este assinala que o período de formação
democrático surge com os anseios da cidadania, tendo seu começo no início do
século XIX, quando os direitos civis ligados ao "status" de
liberdade, já haviam conquistado substância suficiente para justificar que se
fale de um "status" geral de cidadania, formulando que as bases
democráticas da cidadania está assentada nos direitos civis surgidos no século
XVIII, nos políticos surgidos no século XIX e os sociais, no século XX. Assim, a
democracia, pois, significa de forma geral a autonomia de um povo. Como tal, a
idéia democrática está indissoluvelmente ligada ao valor de liberdade,
concebida esta, justamente, como a faculdade de todos e de cada um se definirem
ou agirem segundo sua própria determinação de totalidade, compelindo para a
participação da igualdade e à consciência solidária de conjunto que resulta,
impreterivelmente, na cidadania.
Ao efetuar uma abordagem analítica acerca
da democracia ao longo dos séculos, desde a Grécia antiga até a contemporaneidade,
encontra-se uma diversidade no seu desenvolvimento, desde a manifestação direta
dos gregos, até os modelos representativos e semidiretos ou participativos dos
tempos atuais. A grande discussão gira em torno das questões utópicas
debatidas, quando desde a antiguidade o pensamento aristotélico já mencionava a
não possibilidade de existência da democracia com a força de sua significação,
chegando à expressão das promessas não cumpridas contemporaneamente, defendida
por Norberto Bobbio, merecendo, pois, um aprofundamento necessário nos estudos
acerca do desenvolvimento da democracia. É claro que o entendimento acerca do
significado do termo democrático remonta a idéia de sua emanação do povo e de ser
exercido o seu poder para este mesmo povo, a exemplo do que ficou estabelecido
como Estado Democrático de Direito instituído no Brasil pela Constituição Federal
de 88, a tão propalada carta cidadã. Com isso, há que se observar que o Estado
se constitui no povo, território e governo com a finalidade do bem comum. A
partir disso, surge o Estado de Direito assentado na legalidade e na
juridicidade estatal. A democracia, por seu turno, traz implícita a efetiva
participação popular visando decidir sobre os destinos do Estado, traduzindo,
portanto, que o verdadeiro titular do poder é o povo, mesmo que este seja
representado por aqueles que foram submetidos à vontade popular. A partir de
tais conceitos, chega-se a entender que o Estado Democrático de Direito, em
suma, evidencia a idéia de um Estado legitimado que seja administrado e
governado em obediência à lei e aos principais democráticos da soberania
popular, propiciando a superação das desigualdades e implantação da justiça
social. Com isso apreende-se que a democracia traduz o respeito à pluralidade
das idéias, etnias e culturas na convivência livre, justa e solidária da
sociedade, emanando do povo e exercido em seu proveito.
REFERÊNCIAS
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