O AMOR É MESMO CEGO E CEGA – Imagem: Grafite
- A voz colorida das Ruas - Vera
finalmente esposou depois de emplacar décadas de solteirice, um escândalo! Óóóóóó!
Nos quatro cantos da cidade trepidava o maior escarcéu: Como é que é? Oxente,
aquela bonitona casou, foi? Quem foi o sortudo da tuia que andava cheirando os
rebolados dela? Quem sabe, ora! Pois é, a mais cobiçada e sonho de consumo de
marmanjos e quejandos de Alagoinhanduba e região, saiu do caritó e contraiu
núpcias com cerimônia privada só pra alguns familiares – nem todos, alguns
barrados metidos a parentes, achegados e cheleléus -, só com padre, juiz e uns
gatos pingados da estima dela, jurando fidelidade ao esponsal até que a morte
os separe. Já era hora, balzaquiana quase loba, tudo quanto era cueca apostava
quem o premiado. Foi aí que nasceu o pandemônio. O que deixou de queixo caído
toda população, foi, justamente, o tal do escolhido. Pra decepção de tanto Don
Juan, Casanova, artista de cinema, televisão e capa de revista - até o Chico
Buarque se engraçou da moça com versos e prosa -, a todos ela disse não, em
cima do maior salto alto. Na horagá, ela só disse sim pra maior feiúra da
humanidade: Aquilo não é gente, é uma coisa feia dos diabos, gente! Assim
passaram a tratar de Coisa Feia o Lurdinaldito, vulgo Biuzinhodito, filho de
dona Lourdes da Cocada e Beneditodito do Caixão – como o pai era chamado por
todos de Biuzito do Caixão, ficou o filho Biuzinhodito. Pense num ocrídio de
horroroso: dois olhos aboticados e um pra cada lado embaixo duma pestana grossa
e emendada, dois tufos de cabelos na careca, orelha de abano ilustrada por uma
costeleta ineivada, venta espragatada, duas bochechas proeminentes arrodeadas
por uma barbicha crespa e invocada, um único dentinho na boca, engongado, um
braço menor que o outro, corcunda e malassombrado, buchudo e cocho, pés de
barbatana, cheio de pereba e despelado. Vixe! De qual história de terror saiu
esse monstro, hem? Gente, isso é arte de bruxaria, só sendo. A Vera devia de
arrumar coisa mais apresentável! O zunzunzum não minguava, a maior despeita no
escárnio. E ela toda metida a insolente, carregando sua fera pela coleira: Sou
pela sororidade, mas por via das dúvidas, esse é meu, ninguém tasca! E o melhor
dele é no xambregado. Que coisa! Depois do casório às escondidas, Vera sumiu-se
dentro de casa com seu bicho de estimação, de nunca mais dar as caras na rua. Óóóóóó!
A macharia se mobilizou num protesto com faixas e cartazes na frente da casa
dela: Queremos Vera! Queremos Vera! Três horas depois, apareceu a prima dela seminua
como porta-voz, e foi aquele rebuliço: vestida só numa blusinha de alça que
cobria o exato necessário e mais nada, tentava falar e, cada vez que levantava os
braços, deixava as intimidades suculentas à mostra. Haja clique de fotografia e
cochichado: Visse os peitinhos dela? Ah, eu cliquei no entrecoxa, meu! Meia hora
de espetáculo e nada dela conseguir dar o comunicado pelo alvoroço geral, ninguém
arredava o pé de tão vidrados. Foi, então, de posse de um megafone, ela berrou:
A Vera está de lua de mel, só dará sinal de vida daqui uns três meses. Danou-se!
Foi a maior ovação, os apupos e protestos aumentaram quadruplicados, varando a
noite, madrugada adentro, dia corrido, e todos nada de desencangarem dali, dia
ao crepúsculo atrás de alvorada, encarreados. Aí começou a especulação: O que
aquele troglodita tem que eu não tenho? O que danado a Vera viu naquele troço? Palpites,
arengas, apostas, nada de consenso. Será que o cabra tem a tromba avantajada?
Ih, pelo jeito o mondrongo dá nela, pode ver! Foi catimbó, só sendo! Como é que
pode, hem? Por que não eu? Foi preciso juntar uma ruma de genitoras, esposas, sogras,
noivas, madrinhas, namoradas, amantes e quebra-galhos, marchando firme pra cair
na maior cabada de vassoura no quengo dos recalcitrantes pro negócio voltar à
normalidade. Isso não poupou os recém-casados de se vitimarem de buzinadas,
pedradas, impropérios e jactâncias exaltadas por mais de mês. Reclamavam todos
na passagem: Isso é um vitupério! Um semestre nessa pisada e Vera nem aí com
sua aberração, só no bem-bom. Ah, gente, o amor é mesmo cego e cega. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do grupo musical O Teatro Mágico (OTM), formado por Fernando Anitelli (Voz e
Violão), Nô Stopa (Voz & dança), Zeca Loureiro (Guitarra), Ricardo Braga
(Percussão), Rafael dos Santos (Bateria), Guilherme Ribeiro (Teclados), Sergio
Carvalho (Baixo) e as bailarinas performáticas Andrea Barbour
& Manoela Rangel: Entrada para raros, Allehop & Recombinando atos; o
quinteto vocal feminino Mulheres de
Hollanda, formado por Karla Boechat, Ana Cuba, Eliza Lacerda, Malu von
Krüger & Marcela Mangabeira: Você vai me seguir, O meu amor & A
Violeira; &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de
Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Os bárbaros são a grande fonte do mal-estar
deste final de século. A exclusão se transformou no problema social maior.
Enquanto nos morros só se ouviam os sons do samba, parecia não haver problema.
Mas agora se ouvem os tiros. Não se trata de uma guerra civil, como às vezes se
pensa, mas de uma guerra pós-moderna, econômica, que depende das artes bélicas
mas também da leis do mercado, é um tipo de comércio. [...] Eles
inauguraram um modelo de agressividade, cruel e gratuita, que não encontrava
equivalente na violência praticada pelos malandros de morro de então. Essa
geração do asfalto, que se divertia com brincadeiras como atear fogo em
mendigos, antecipou uma vertente moderna da violência urbana - a que é movida
pelo prazer da crueldade. [...] Que
crime organizado é esse sem comando centralizado, sem sucessão dinástica, sem
rígida hierarquia, sem cartel, sem consumo conspícuo e sem acumulação de
riqueza, ao contrário da máfia ou mesmo do jogo do bicho? [...]. Trechos extraídos
da obra Cidade partida (Companhia das
Letras, 1994), do jornalista e escritor Zuenir Ventura. Veja mais
aqui.
EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA – [...]
o mundo em que até os homens mais
inteligentes dos tempos idos julgavam viver, era um mundo fixo, um domínio onde
qualquer mudança somente se processava dentro de limites imutáveis de inação e
permanência, um mundo onde a fixidez e a imobilidade... era superior, mais
importante em qualidade e autoridade, do que o movimento e a mudança. [...]
um universo ilimitado no espaço e no
tempo, sem limites aqui ou ali, nesta extremidade, por assim dizer, ou naquela,
e tão infinitamente complexo na estrutura quanto na extensão. Daí, ser também o
universo um mundo aberto, infinitamente variegado, mundo que, no velho sentido,
a custo pode ser chamado de universo; tão múltiplo e extenso que não há possibilidade
de o sintetizar e condensar em nenhuma fórmula. [...] Quando a física, a química, a biologia, a medicina, contribuem para a
descoberta dos sofrimentos humanos, reais e concretos, bem como para
aperfeiçoar os planos destinados a remediá-los e a melhorar a condição humana,
tais ciências se fazem morais: passam a constituir parte integrante do
aparelhamento da pesquisa ou ciência moral. Esta perde então seu peculiar sabor
didático e pedante, seu tom ultramoralístico e exortativo. [...]. Trechos
extraídos da obra Reconstrução em
filosofia (Nacional, 1959), do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952). Veja mais aqui
e aqui.
A LITERATURA FANTÁSTICA – [...]
Por mais que me desdobrasse, procurando
afastá-lo da obsessão, Artur arranjava outros motivos para inquietar-se. Agora era
a moça que se ocultava, não dava sinal da sua permanência na casa [...] Por outro lado, a confiança que antes eu
depositava nos meus nervos decrescia, cedendo lugar a uma permanente ansiedade
por causa do mano, cujas preocupações cavavam-lhe a face, afundavam-lhe os
olhos. Para lhe provar que nada havia de anormal no solteirão, passei a vigiar
o nosso enigmático vizinho. [...] –
Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do homenzinho
viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de flores, livros, misturados
com intestinos e rins. O coração parecia estar dependurado na maçaneta da
porta, cerrada somente de um dos lados. [...] Nada mais tendo para emagrecer, seu crânio havia diminuído e o boné,
folgado na cabeça, escorregara até os olhos. O vento fazia com que o corpo
dobrasse sobre si mesmo. Teve um espasmo e lançou um jato de fogo, que varreu a
rua [...] No fim, já ansiado, deixou
escorrer uma baba incandescente pelo tórax abaixo e incendiou-se.[...] A sua voz foi ficando fina e longínqua.
Olhando para o lugar onde ele se encontrava, vi que seu corpo diminuíra espantosamente.
Ficara reduzido a alguns centímetros [...] Peguei-o com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente.
Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a rolar na
minha mão. [...]. Trechos extraídos da obra Contos reunidos (Ática, 2005), do
escritor, advogado, professor e jornalista Murilo Rubião (1916-1991). Veja
mais aqui.
SETE SONETOS DA VISÃO
PERPÉTUA – I - Anos sem fim, à luz do mar aceso, / Te vi
nudez quase total, tão grácil / Figura juvenil, ambígua e fácil, / E ao longe
às vezes totalmente nua / Em só relance de malícia crua. / Tudo isso me atraia
e me afastava, / Embora a vista, retornando escrava, / A teus lugares me
tivesse preso. / E quase sempre então tua figura, / Sentada estátua, ou falsa
sesta impura, / Lá era, ao sol, o tempo congelado. / Hoje, subitamente, tu não
viste / Ninguém senão o meu olhar quebrado, / E com lenta inocência te
despiste. / Mas quantas rugas no sorriso ansiado! II - Como velhice esta agonia desce / Ao fundo em que me
encontro só comigo. / E quanto amor trocara então contigo / Enfim te dando o
que sonhara em anos / Se torna apenas máscara de enganos / Com que te aceito,
como amor antigo, / Esse momento de ansiedade e perigo / Que no teu rosto as
rugas te recresce. / Tu sabes que de perto a juventude / Se te queimou no acaso
das entregas; / E quanto risco a tua imagem corre / Quando não está tão longe
que me ilude, / Nem já tão perto que de ciência chegas / A presumir a graça que
não morre. / Mas, porque sabes, tua graça negas. III - Não mais! Não mais! Que eu esqueça que te tive, / E
tu me esqueças debruçado em ti! / Que tudo seja como outrora eu vi: / Uma
figura ao longe recortada, / E fina e esbelta, ou suave e alongada, / não tão
distante que me não entendas, / nem tão perto de mim que tu me vendas, / no
mesmo corpo belo, o que não vive / nesse teu rosto, ou sob a tua pele: / uma
malícia esplêndida, capaz / de se entregar violenta quando a impele, / sem mais
que orgulho, a força juvenil. / Assim será que, em mim, teu corpo jaz. / E sem
nos lábios o sorriso vil. / Mas como há-de teu corpo em mim ter paz? IV - O que o teu corpo foi, não imaginas: / A juventude,
a força, a agilidade, / A fantasia obscena, a intensidade / Com que dos gestos
se constrói prazer. / Mas isso ele foi em sonhos. Hei-de ver / Teu corpo assim,
ou como o possuí? / Ou hei-de vê-lo como ao longe o vi? / Ou como estatua, em
lixo de ruínas? / Jacente dormirá, estendida e pura? / Mas como dormirás, se em
mim não dorme / O tempo que a teu rosto ainda tritura? / Como nos mata esta
velhice enorme! / Que vinha vindo entre nós dois, tão dura, / Que melhor fora
te tornar informe… / Ou sombra dúbia pela noite escura. V - No claro dia passas lentamente, / Fingindo não me
ver. Será que tu / Sentiste quanto no teu corpo nu / Não encontrei, menos que a
tua, a minha / Memória de ser jovem? Adivinha / A tua carne mais que o meu
olhar-te? / A quem tanto viveu de contemplar-te / Te dói de te haveres dado
ansiosamente? / E, á luz do mar, ao longe te recortas. / Vejo que fluem para
ti, já mortas, / Quantas imagens te criei, tão vivas. / Já não desejo mais do que
sorrir-te. VI - E, todavia, eu não quisera
amar-te. / Mas ter-te, sim, de todas as maneiras. / Quem és e como és, de quem
te abeiras, / Que dizes ou não dizes, pouco importa. / E muito menos hoje me
conforta. / Neste sorriso que dou tranquilo, / Eu ponho num remorso tudo aquilo
/ Que em fundo amor eu te pudera dar-te, / Se alguma vez te amasse de amor
fundo. / Senta-te à luz da do mar, à luz do mundo, / Como na vez primeira em
que te vi, / Tão jovem, que era crime o contemplar-te. / E despe-te outra vez,
pois vêm olhar-te / Quantos te buscam de saber-te aqui. / Sendo um de tantos,
nunca te perdi. VII - E olhei-te por mais
tempo. Ainda hei-de olhar-te, / Quando, acabados teus lugares, partires, / Deixando
no ar o espaço de fingires / A graça juvenil que eu devorei, / Ano após ano, e
em meu olhar tomei / De todos que te tinham sem te ver. / Ainda hei-de
olhar-te, se, quando morrer, / Puder voltar aqui a procurar-te / No espaço que
deixaste. Mas não te amo, / Não te amei nunca, e nunca te amarei. / Não se ama
nunca a quem olhamos tanto. / Nem se deseja. Quando por ti clamo, / Neste
silencio em que de ti fiquei, / Não é senão o libertar do encanto / Que foste
ao longe, a luz do mar aceso. / E à luz que te recorta é que estou preso. Poemas
do poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor
universitário Jorge de Sena (1919-1978).
Veja mais aqui.
NOVAS AVENTURAS DE JOÃO GRILO, DE LOURDES
RAMALHO
[...] JOÃO
Se as pernas não me conduzem – de joelhos vou caminhando, as armas já
destroçadas na estrada vou deixando, só o resto da viola me acompanha soluçando!
Agora só, sigo em busca da água medicinal. Vocês, fiquem aqui de guarda para
evitar outro mal. Vou procurar pelo mundo – o cálice Santo Graal! ÁGUA E lá se
foi o João Grilo – que é homem e é criança, a enfrentar os caminhos, cheio de
esperança de encontrar o Santo Graal – que trará paz e Bonança. TODOS Adeus,
adeus, bom amigo, Deus te conserve a nobreza, pois é de homens assim que têm na
alma a riqueza, que o mundo necessita – pra salvar a Natureza!
Trecho da
peça teatro Novas aventuras de João Grilo,
da professora, poeta, dramaturga e pesquisadora Lourdes Ramalho. Veja mais aqui.
O Centro
Cultural Vital Corrêa de Araujo informa:
XXVIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em Música (ANPPOM) & muito mais na Agenda aqui.
&
Dia
de muito, véspera de nada, a literatura
de Aníbal Machado, Brincarte do Nitolino & a música de Juliana de Aquino aqui.