MADAME PUXENCOLHE – Imagem: arte da
fotógrafa estadunidense Imogem
Cunningham (1883-1976) - A madame acordou infeliz. Nada faltava, o
mundo ao seu gosto, a vida ideal. Mas, estava infeliz. O prazer da solidão, a
angústia de tudo nos conformes. Olhou do lado, todo conforto! Pensou em mudar
as persianas, depois de tantas, convenceu-se: melhor não há. Ah, mudar o teto,
esse o último escolhido entre centenas de outros, não, não. Podia trocar a cama
e todos os utensílios do quarto, quantos não foram testados e usados, não. Ah,
melhor outro cenário: uma paradisíaca vista pro mar: não há mais bonito depois
de tantas moradias nos quatro cantos do mundo. Foi pro guarda roupa infinito:
todas as vestes glamorosas e até as que não sabia possuir, nada mais, por
enquanto. Foi pro espelho: cabelos de um lado pro outro, o penteado ideal: e se
ficasse careca? Não, não. As faces, quantas plásticas, nada mais por mudar:
lábios, nariz, os olhos, nenhum ruga, a maquiagem, não, nada, tudo ao seu
gosto. O corpo conferido: e se diminuísse aqui ou aumentasse ali, tudo de novo
e outra vez; não, estava no que ela queira, por enquanto. A casa, os empregados
entre tantos substituídos, mordomos, governantes, serviçais, todos escolhidos a
dedo a qualquer mínima destoada, adorava ser sinhazinha, mandona, servida. Os jardins,
os cômodos, os automóveis, iates, aeronaves, os cartões de crédito, a
vizinhança, os móveis, as obras de arte, os prazeres da estima, os cantos e recantos
entre zis moradias, a cortesia dos ao redor, nada por mudar. E a madame infeliz.
O céu, o sol, quantos enquadrados entre a harmonia de nuances, texturas,
tonalidades e a madame infeliz. Assim a manhã: esse o lugar dos seus sonhos,
enfim, e a madame infeliz. Será que enlouquecera? Pior, está envelhecendo, não,
só sendo. Ora, alguma coisa roubava sua satisfação. A tarde, o desjejum, as
amigas, os telefonemas: cabelereiros, manicures, ginástica, cinema, café e
conversa em dia, requintes, o ápice da elegância, o poder, as posses, e a
madame infeliz. Será que enlouquecera mesmo? Quantas extravagâncias, adorava
excentricidades e mais o quê. Até isso agora a fazia infeliz. Já anoitecia e o tédio
levou a perceber que ainda não havia feito: Paris, Quinta Avenida, os Alpes, todas
as maravilhas, os amantes ocasionais, os casamentos desfeitos, as lembranças
oníricas e a madame infeliz. Revistas, passeios, viagens, entretenimentos e ela
infeliz. Tinha de fazer alguma coisa, motorista vai ali, volta, não, pra lá, direita,
esquerda, gira: estou de saco cheio. Não devia ter dito e disse entre
semáforos, viadutos, retornos. Nas proximidades de um supermercado, descobriu
nunca ter ido. Ah, isso! Animou-se. Entra aí, pare e me espere. Pela primeira
vez seguiu sem saber pra onde, pegou um carrinho entre gôndolas, gostou de se
sentir só, escolhendo, dispensando, simpatias e ascos, desistiu de bebidas,
comidas, de tudo. Um lixo. Foi pro caixa, nada pra pagar nem levar. Não queria
nada. Queria saber quanto o passeio, pelo menos, abriu a carteira, nada para
pagar, nada? E ficou mais infeliz. Saiu, dirigiu-se ao estacionamento e ordenou
abrisse a mala do carro. Ao vê-la aberta e agora? Nada para fazer. De repente,
começou a brincar de abre e fecha: puxa e encolhe, couro de pica. E repetia,
abria e fechava, puxa e encolhe, couro de pica. E mais repetiu até gritar. Eis que
notou alguém nas imediações assistindo a tudo. Envergonhou-se, fechou a mala
com raiva, abriu a porta, acomodou-se e ordenou ao motorista que zarpasse e já,
não antes passar pelo transeunte que havia testemunhado sua brincadeira. Ao se
aproximar, ela baixou o vidro e gritou pra ele: puxa e encolhe, couro pica! E foi-se.
Ah, a madame, finalmente, estava feliz. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
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Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do cantor, compositor,
multi-instrumentista e produtor cultural Gilberto Gil: Live Festival Montreux, MTV Unplugged, Gilbertos Samba ao
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Anos de Arte Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Pois foram os próprios homens que fizeram este
mundo de nações (que foi o primeiro princípio incontestável desta Ciência,
desde que nos desesperamos de encontrá-la nos filósofos e nos filólogos); mas
este mundo, sem dúvida, saiu de uma mente frequentemente diversa e, às vezes,
de todo contrária e sempre superior a estes fins particulares que os homens se
haviam proposto; desses fins restritos, feitos em parte para servir a fins mais
amplos, se serviram sempre para conservar a humana geração nesta terra. Por isso,
querem os homens usar a libido bestial e dissipar seus benefícios, e fazem a
castidade dos matrimônios, onde surgem as famílias; querem os pais exercerem desmedidamente
os impérios paternos sobre os clientes, e sujeitá-los aos impérios civis, donde
surgem as cidades; querem as ordens reinantes dos nobres abusar da liberdade
senhorial sobre os plebeus, e tornam-se escravos das leis, que fazem a
liberdade popular; querem os povos livres livrar-se do freio de suas leis, e
seguem sujeitos aos monarcas; pois querem os monarcas, com todos os vícios que
lhe assegurem a dissolução, aviltar seus súditos, e os dispõe a aceitar a
escravidão de nações mais fortes; querem as nações dissiparem a si próprias, e
vão salvar seus restos nas solidões, donde, como fênix, novamente ressurgem. O que
fez tudo isso foi na verdade, a mente, pois que fizeram-no com inteligência;
não é questão de destino, porque o fizeram com livre escolha; nem foi acaso,
pois que com perpetuidade, sempre assim fazendo, chegaram às mesmas coisas. Assim
pois, de fato, é refutado Epicuro, que defende o acaso, e seus seguidores,
Hobbes e Maquiavel; é também refutado Zenão, e, com ele, Spinoza, que defendem
o destino: ao contrário, foram confirmados os filósofos políticos, de que é
príncipe o divino Platão, que estabelece como reguladora das coisas humanas a providência.[...]. Pensamento
extraído da obra A ciência nova (Record, 1999), do filósofo
e historiador italiano Giambattista Vico (1668-1744). Veja mais aqui.
ESCOLA
& APRENDIZAGEM
- [...] Para que a escola tenha
algum sentido, os jovens, seus pais e professores precisam ter um deus a quem
servir, ou, ainda melhor, vários deuses. Se não têm nenhum, a escola é inútil.
O famoso aforismo de Nietzsche é pertinente aqui: ‘Quem tem um porquê para viver pode suportar bem
um como.’ Isto se aplica tanto
à aprendizagem como à vida. Para dizê-lo com simplicidade, não há meio mais
seguro de pôr fim à escola do que não lhe atribuir um fim [...] o deus da
Utilidade Econômica é impotente para criar razões para a escolaridade. Pondo de
lado sua pressuposição de que educação e produtividade andam de mãos dadas, sua
promessa de prover emprego interessante é, como tudo o mais, exagerada. Não há
dados sólidos para acreditar que empregos bem renumerados e estimulantes
estarão à disposição da maioria dos estudantes após a formatura [...]. Se
soubéssemos, por exemplo, que todos os nossos estudantes desejavam ser
executivos de grandes empresas, nós os treinaríamos para bons leitores de
memorandos, relatórios trimestrais e cotações de papéis na Bolsa e não
inquietaríamos a cabeça deles com poesia, ciência, história? Eu penso que não.
Toda gente que pensa, pensa que não. A competência especializada ó pode vir por
meio de uma competência mais generalizada; isto quer dizer que a utilidade
econômica é um subproduto de uma boa educação. Qualquer educação voltada
principalmente para a utilidade econômica é limitada demais para ser útil, e,
de qualquer modo, amesquinha tanto o mundo que acaba zombando de nossa
humanidade. No mínimo, amesquinha a ideia do que é bom aluno. [...] virtuoso é quem compra coisas, pecador é
quem não compra. A semelhança entre este deus e o deus da Utilidade Econômica é
flagrante, mas com esta diferença: este último postula que você é o que você
faz para ganhar a vida, aquele diz que você é o que você acumula. [...].
Trechos extraídos da obra O fim da
educação: redefinindo o valor da escola (Graphia, 2002), do
professor crítico social e teórico da comunicação estadunidense Neil Postman.
Veja mais aqui.
HEROIS &
TUMBAS – [...] Uma energia atroz me possuía, eu me sentia uma mistura de força
cósmica, de ódio e de indizível tristeza. Rindo e chorando, abrindo os braços,
com essa teatralidade que temos quando adolescentes, gritei várias vezes ao
alto, desafiando a Deus que me aniquilasse com seus raios, se é que existia.
[...] Sim, mas podia ser um Deus imperfeito. Um Deus que não
consegue controlar muito bem as coisas, que não consegue impedir os terremotos.
Ou um Deus que dorme e tem pesadelos ou acessos de loucura: seriam as pestes,
as catástrofes [...]. Trecho extraído da obra Sobre heróis e tumbas (Sudamericana,
1977), do escritor e artista plástico argentino Ernesto Sábato
(1911-2011), romance que conta a devastadora paixão de Martin por Alejandra, o
nascimento traumático de uma nação e a história da Seita Sagrada dos Cegos, decompondo
o ciúme corrosivo de Martín, as pulsões incestuosas de Fernando, a radiografia
da demência da família Olmos e o ódio fratricida dos caudilhos na luta pela
emancipação da pátria. Veja mais aqui, aqui e aqui.
QUATRO POEMAS - CANÇÃO
DE NINAR - Longe mata adentro, / Atravessando o remoinho, / Um chalé sem acalento,
/ Um lenhador bem pobrezinho. / O caçula reclamava por papá, – / De que forma
fazê-lo parar? / Dorme, meu filhinho, dorme, / Eu sou uma mãe má. / Ouve cantar
o passarinho / Que pousou nestes umbrais… / Foi dada uma cruzinha, / De
presente, a teu pai. / A fome vem, a fome vai, / E fome em casa se aloja. / Que
São Jorge / Livre e guarde teu papai. II - Torço as mãos sob o negro xale… / “Por
que tanto te censuras?” / – Fiz que me ouvisse até deixá-lo / Embriagado de
amargura. / Como esquecer? Ele saiu, cambaleando, / Nos lábios uma horrenda
contorção… / Desci correndo, sem pegar no corrimão, / E no portão segurei ele
pela manga. / Sufocada, eu gritei: “O que se deu / Foi brincadeira. Se tu
fores, não agüento.” / Ele então com toda calma respondeu / E com frieza: “Não
te exponhas tanto ao vento”. III - Naquele
tempo eu era hóspede na terra. / O nome que me deram de batismo – Anna, / Era
doce aos ouvidos e aos lábios dos humanos. / Assim eu por milagre vi o júbilo
terrestre / E, nem sequer contando vinte aniversários, / Eram tantas minhas
festas quantos dias há no ano. / Obediente a certo ímpeto secreto, / Elegendo
um desprendido pretendente, / O sol, apenas, eu amava, e as árvores. / Encontrei,
certo verão, uma estrangeira / E àquela hora nas marés de águas quentes / Em
que juntas nos banhávamos / Estranho pareceu-me o seu traje de banho / E mais
estranhos os seus lábios e palavras – / Raras, como estrelas cadentes em
setembro. / Delicada, ensinava-me a nadar / Com sua mão me apoiando por debaixo
/ O corpo inábil sobre as ansiosas ondas. / De repente estatelei naquelas águas
azul-claras / Calmamente ela a mim se dirigiu, / E pareceu-me que a floresta
com as frondes / Farfalhava, que a areia abria fendas / Ou que o fole de uma
gaita, num assobio, / Anunciava a despedida, pois o sol ia se pondo. / Suas
palavras, não podia me lembrar, / Caía a noite sombreando seu perfil, / O
cabelo molhado circundando seu olhar, / Uma frestra que na boca entreabriu. / Como
perante uma divina mensageira, / Supliquei para a menina: “Diz-me, / Para quê
me surrupias a memória, / E sussurras-me ao ouvido, se a glória / De cantar o
que ouvi, tu retiraste-a de mim?” / Só uma vez, eu passeando na vindima, / Enchi
o meu de estimação cesto de vime / E, bronzeada, me sentei sobre o capim. / Pálpebras
cerradas, os cabelos destrançava, / Lânguida estava e dos perfumes estafada / Que
exalavam desde os figos azulados / E do hálito picante das silvestres hortelãs.
/ Do relicário da memória aproximou-se, / Essa delícia de palavras derramou, / E
o cesto cheio eu lançando pelos ares / Para a terra me joguei como se fosse / Certo
amado, a quem canta meu amor. REQUIEM: EM LUGAR DE UM PREFÁCIO - Nos anos
desgraçados da iejóvtchina eu passei dezessete meses nas filas da prisão em
Leningrado. Certa vez alguém me “identificou”. Então atrás de mim uma mulher de
lábios azuis e que, é claro, nunca na vida ouviu falar meu nome, despertou do
torpor, peculiar a todas nós, e me perguntou ao pé do ouvido (lá só aos
sussurros se falava): – E isso, tu és capaz de descrever? E eu disse: – Sou. Então
algo semelhante a um sorriso passou por aquilo, que algum dia foi seu rosto.
[...]. Poemas da poeta acmeísta russa Anna Akhmátova (1889-1966). Veja
mais aqui.
VIOLETTE NOZIÈRE
O drama Violette
Nozière (1978), dirigido pelo cineasta francês Claude Chabrol (1930-2010), é inspirado na historia real da francesa Violette Nozière (1915-1966), que foi
manchete da crônica judicial e criminal nos anos de 1933-34. Trata-se de uma
jovem adolescente que se prostitui em segredo na década de 1930, fato ignorado
pelos pais que acreditavam na criança brilhante que se tornou gradualmente
rebelde. Em revolta contra o seu estilo de vida e mentalidade reduzidos, ela se
apaixona por Jean Dabin, um jovem fisiculturista que vive praticamente graças a
pequenos roubos na casa dos pais e ao benefício da prostituição ocasional. Enquanto
isso, seus pais são informados pelo médico de Violette que ela tem sífilis. Ela
consegue convencer mais ou menos sua mãe, ainda desconfiada, e seu pai, mais
indulgente, do que de uma forma ou de outra, é virgem e deles que ela herdou a
doença. Graças a esse pretexto, ela os leva a tomar uma droga que é realmente
veneno. Seu pai morre, mas sua mãe foge e ela presa e acusada de assassinato.
Para se defender, ela afirma que seu pai abusou dela. Condenada por
envenenamento e parricídio, Violette Nozière é condenada à morte. Sua sentença
foi gradualmente liberada com base em uma acusação que ela fez sobre o abuso
dela por parte do pai. O destque do filme fica por conta da atuação da premiada
atriz francesa Isabelle Ann Huppert.
&
As
drogas e as campanhas antidrogas aqui.
&
A arte da fotógrafa estadunidense Imogem Cunningham (1883-1976).
&
Pelas ruas onde
andei: Pra quem vem ou vai, mesmo caminho, diferentes vivências aqui.
&
O plenilúnio do amor (ou os arquétipos de Luciah Lopez), a literatura de Jorge de Lima, a poesia de Ana
Cristina Cesar, o pensamento de Ernest Hans Gombrich, O mundo da leitura de Marisa
Lajolo, A mudança tecnológica de José de Mello Júnior, a arte de Wendy Arnold
& Agostino Carracci, Literótica: O
amor mais que de repente, A paixão de Aristóteles & As previsões do Doro
para Touros aqui.
&
Biritoaldo vai ao inferno, A música
de Gilberto Gil & a arte de Tchello D’Barros aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.