O QUE SOU & NÃO, CONTRADIÇÕES... – (Imagem: capa do álbum Contradições, do músico
e produtor Gilber T) – O que era não mais e o que serei não sei. Se o
céu azul se faz negro, o Sol brilha e amarelo a vida com quem sabe que, se não
deu certo, não era errado pensar e agir doutra forma. O dia ensolarado muitas
vezes foi mais breu que a madrugada, sequer tinha pra onde ir. O calor na
fervura da emoção tantas vezes era banho de água fria, mais que gelo antártico
no coração. O que de líquido e certo tivera, umbral no meio da mata que nem lá
mais existia, levando no peito arame farpado de todas as horas. Ao chegar ao
topo não era monte nem beira-mar e as ondas eram lufadas que empurravam pro
precipício. Assim cada ano por muitos instantes espremidos e nem sabia o que
era da esquina no meio do alvoroço. Fui de ontem pro amanhã, pelo certeiro por
sobre pedras falsas, sabia lá que a ponte era móvel e o rodízio era feito
redemoinho de dias... Eu sorria e a chuva era o choro da remissão. E refazia o
trajeto como se nunca tivesse por ali passado e retomando outras ideias como se
fosse possível colher cada flor no meio da correria. Saía do quintal pro meio
de longa e larga avenida, nem dava pra ouvir o alarido das ameaças, o psiu por
alarde ou o sinal vermelho. Teimava em trilhar quaisquer ousadias, lá longe o circo
dos horrores com seus desfiles por todos os lados das ruas e semblantes. O que
não dava pra atravessar eu cortava caminho e quase feliz com a criançada aos
pulos na saída da escola, a sirene abrindo portões e um tanto de gente fugindo
pelo ladrão. Eu não estava e a sorte era não reconhecer ninguém, tão estrangeiro
quanto quem nunca nascera sonhando viver. Outras atrações adiante repletas de
ondas intermináveis com luzes mais caleidoscópicas. Era um espetáculo que
pisava lágrimas, dores e espremidos. No meio da multidão uma sereia acenava e
era tão linda como um dia de festa. Com o dedo apontando tocou meu coração como
se fosse um feitiço para me fazer feliz. Pegou-me pelas vísceras a levitar
sobre uma montanha russa repleta de tapetes mágicos, contornando monumentos,
perigos e golpes de estado. Sorria cabelos nas nuvens e me contava histórias de
antanho em que mortes e vitórias sangrentas eram comemoradas pra felicidade dos
que são poderosos enterrando quem não tivesse onde cair morto. Soube que eu era
um dos vencidos gozando do último pedido nas mãos dela e a vi tão cruel quanto
bondosa, com a nudez do beijo final da viúva negra. © Luiz Alberto Machado.
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PENSAR & VIVER – Se aprender a pensar é aprender a resistir a um futuro que se apresenta
como óbvio, plausível e normal, não o podemos fazer nem evocando um futuro
abstracto, do qual foi afastado tudo o que está sujeito à nossa desaprovação,
nem referindo-nos a um futuro distante. causa que poderíamos e
deveríamos imaginar estar livres de qualquer compromisso. Resistir a um futuro
provável no presente é apostar que o presente ainda fornece substância para a
resistência, que é povoado por práticas que permanecem vitais mesmo que nenhuma
delas tenha escapado ao parasitismo generalizado que as implica a todas. Pensamento
da filósofa e historiadora belga Isabelle Stengers.
QUAL É A
VERDADEIRA? - Conheci uma certa
Benedita que enchia a atmosfera de ideal, cujos olhos resplandeciam o desejo da
grandeza, do belo, da glória e de tudo aquilo que faz crer na imortalidade. Mas
essa menina milagrosamente era bela demais para viver muito tempo; assim, ela
morreu alguns dias depois que a conheci, e fui eu mesmo que a enterrei, num dia
em que a primavera agitava seu incensório até nos cemitérios. Fui eu que a
enterrei, bem lacrada em um caixão de uma madeira perfumada e incorruptível
como as arcas da Índia. E, como os meus olhos permaneciam plantados no lugar
onde estava enterrado o meu tesouro, vi subitamente uma pequena pessoa que se
parecia muito com a defunta, e que, esperneando na terra fresca com uma
violência histérica e bizarra, dizia, explodindo de rir: "Sou eu a
verdadeira Benedita! Sou eu, uma famosa canalha! E, como punição a sua loucura
e cegueira, você me amará assim, como eu sou!". Mas, furioso, respondi:
"Não! não! não!". E, para melhor marcar minha recusa, bati o pé tão
violentamente na terra que minha perna afundou até o joelho na recente sepultura,
e, como um lobo pego na armadilha, permaneço preso, talvez para sempre, na vala
do ideal. Texto do escritor, tradutor, crítico de arte e poeta francês, Charles Baudelaire (1821-1867). Veja mais aqui, aqui, aqui,
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Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudonada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora.