DITOS & DESDITOS - O poema retorna à estação donde partem os
comboios rápidos, os quais, viajando em linha reta, por mais que rodem, jamais
alcançam o término... Um rio que jamais é o mesmo rio, eis a cruel metáfora.
Heráclito, que em tal rio navegou, também nele se afogou.... Essoutro é quem
sonha os teus sonhos. É ele que te faz subir aos altos cimos onde a Musa dita o
poema: é ele quem te leva aos sítios de onde partem os navios... Pensamento do escritor e jornalista cabo-verdiano Arménio Vieira,
que em sua obra O poema, a viagem, o sonho (Editorial Caminho, 2009),
expressa que: [...] O poema, do qual ninguém escreveu o derradeiro verso,
sendo que o primeiro é quiçá a frase com que a Divindade separou a luz da escuridão,
quem sabe em que porto vai parar esse navio, se porventura tal porto existe,
acaso um penedo capaz de o suster [...]. No seu livro Mitografias (Ilhéu,
2006), destaco os poemas: Se a desgraça estiver para vir, \ que venha de
avião. Será mais \ uma, estou habituado.\ Em todo o caso, se os elefantes,\ como
os peles-vermelhas, vivem\ em reservas, não é minha a culpa,\ nem fui eu quem
produziu a maçã\ com que Adão se lixou.\ Que eu saiba, nunca estive no Paraíso.\
Quando mataram Cristo não era eu\ o procurador de Roma. Quem disse\ que usei
napalm nas minhas brigas?\ Quem disse que eu estava em França\ na sangrenta
noite dos huguenotes?\ Em 1939-45 andava eu de fralda\ e chucha na boca. Em
Nuremberg\ não fui citado, ninguém me passou \a corda. Not guilty! E Die welt als wille und vorstellung (Mundo como Vontade e como
Representação): 1. Insaciáveis aves de rapina, \ famélicos mais que os cães.\
É como se cada homem fosse\ um avatar de Tântalo\ atormentado por miragens. 2. Reclusos
perpétuos\ de uma vasta penitenciária.\ Porém é pouco: somos as reses\ de um
imenso matadouro.
ALGUÉM FALOU: Fiquei fascinada com a sobrevivência e com a necessidade de seguir em
frente, não importa o que acontecesse. Isso sempre me atraiu. A coisa mais
difícil de se tornar famoso é tentar não se perder. O que mais gosto nisso é o
reconhecimento do meu trabalho. Talvez eu não tenha uma visão precisa de mim
mesmo. Sou teimosa, o que não é necessariamente admirável. Pensamento da atriz e escritora estadunidense Katharine Ross.
UMA
PALAVRA SUA - [...] O medo conduz o pensamento de maneiras inesperadas. [...] Quão raras são as lembranças que nos fazem desfrutar de uma felicidade que
não percebemos e com a qual saímos felizes. [...] Ser simples é cansativo. [...] Pessoas más tornam-se boas no final
da vida. Isso já é amplamente visto. Mas é isso que os idosos têm. Isso é confuso. Que despertam uma compaixão que talvez não mereçam. [...] É por isso que quando um avô senta ao meu lado e começa a me irritar
com sua solidão, eu digo a ele: espere um pouco, senhor, eu também tenho muitos
traumas. [...] Não gosto do meu rosto nem do meu
nome. Bem, as duas coisas acabaram sendo iguais. É como se eu me sentisse infeliz dentro deste nome, mas
suspeitasse que a vida me jogou nele, me fez nele e não há mais ninguém que
possa me definir como eu sou. [...].
Trechos extraídos da obra Una palabra tuya (Seix Barral, 2005), da jornalista e escritora
espanhola Elvira Lindo Garrido. Veja mais aqui e aqui.
TEMPO E CRIANÇAS - Todos os domingos,
quando eu era jovem, \ toda a família se amontoou \ em carros para visitar minha tia \ que morava tão longe \ quanto o desterro. \ Liderados pelos meus avós no seu Vauxhall branco, \ depois do último trecho de pista de cascalho, \ mal largo o suficiente para um carro \ e intransitável na chuva forte, \ sempre chegávamos na estrada estreita \ em frente à casa pronta para o almoço \ e as boas-vindas da minha tia. \ E mais tarde, nessa ordem de coisas \ isso tem a ver com domingos, \ e a maneira como os velhos entendem o tempo e crianças, \ meu avô de gravata borboleta e chapéu de feltro preto \ chamava as crianças do bairro para seu Vauxhall, \ e eles se aglomerariam no banco de trás \ de um lado e se apoiarem no colo um do outro \ e fechou a porta pesada com um estrondo. \ As crianças visitantes ficavam na calçada \ e vê-lo dirigir até o fim da estrada e manobrar o carro. \ Lentamente meu avô iria parar de novo \ na casa da minha tia, \ e fã de crianças, cairia do banco de trás. \ Toda a minha vida eu me lembrei \ a ordem dessas tardes de domingo. \ Mesmo agora, lembrando no momento \ em que eles se afastaram de nós, \ minha cabeça recua no retorno de alguma coisa. \ Em nossa observação e espera \ foi o início do reconhecimento e da perda, \ de apreender algo nem sabíamos que tínhamos. Poema da escritora
sul-africana Gabeba Baderoon.