CONFISSÃO OUTRA – (Imagem
Hermínia Veríssimo) - Confesso diante de tudo e de nada, para todos e ninguém,
a minha mais solene confissão do que sou no trâmite da solidão. Confesso viver
mais que o merecido além das satisfações e plenamente confuso com o que há e
não. Confesso adorar o Sol matinal luzindo meus olhos pras graças da vida e sinto-me
vivo com o contato de cada alvorada na imensidão do infinito e ser arrebatado
com a reluzência a saber-me integrante do espetáculo supra e nos mistérios
infras, ubiquidade suprema e una. Confesso a poesia deste instante pelo que há
de mais solidário no gozo do que é viver e a plenos pulmões, porque meus passos
são versos que se delineiam em canto à vida. Confesso a sempre amizade porque
sou no outro o que identifico ser e somos mútuos na caminhada; o lúdico momento
das mãos, umas às outras, as que de mim se completam. Confesso que sou de
campos, seres e pedras, maior do que tenho, menor que superior por todos
amálgamas de mim e de tudo. Confesso, mão espalmada, de pés juntos, pelo que
rio e choro encarando firme o inimigo que sempre tive presente e nunca vira e o
espelho refletia oi algoz que era eu mesmo o inexorável carrasco de sempre. Confesso
amar desmedidamente e, muitas vezes, senão todas, querer mais que o
merecimento, porque amo indiscriminadamente e nisso confesso ao amor minha
inteireza e ser parte do que talvez falte ou extensão e o que se quer ampliar. Confesso
a minha irredutivel teimosia, a minha mais insensata mania de persistir pelos
simulacros e de cair e restar prostrado diante do crepúsculo. Confesso meu
amadorismo, coração aberto se afogando nas horas de me perder pelos redemoinhos
labirinticos das paixão. Confesso à Lua que sou Selenito, sonâmbulo das matas
que nem sequer mais existem nas cinzas da ganância. Confesso o fascínio pelos
rios e mares, guardando comigo, precavido, os temores de não saber nadar e
morrer inevitavelmente afogado. Confesso o que ouço e também o que não li. Confesso
janela aberta nenhum segredo escondi – afora os que esqueci e me contaram, os
que imaginem nem serem secretos e não passavam de ouropeis, os que
desabrocharam das coisas por não passarem de obviedades, os que explodiram na
surpresa e os que nem eram por sequer algo de valia. Confesso a covardia de não
ter tido coragem de enfrentar meus próprios medos. Confesso ao mundo meu
desapontamento com a humanidade perdida, barbárie vigente no bolso guloso dos
oportunistas ricaços. Confesso minha incompetência geral: sou uma sombra que fenece
ao brilho do caos na inutilidade. Confesso até o que não fiz ou dexei de fazer,
omisso reincidente, sucumbente dos segundos mais espremidos. Confesso, enfim, à
Justiça todas minhas faltas e pecados – porque corri solto e impune mundo afora
vivendo o que podia e restava. Confesso desde ontem e sempre amanhã, porque sou
grato pelo prêmio da vida. © Luiz Alberto Machado.
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DITOS & DESDITOS - Os bons pais nunca se apressaram em contar aos filhos que lhes deram a
morte quando lhes deram a vida, nem como vieram ao mundo. O
jogo, sempre corrigido por um cheque, era apenas uma história que anunciava o
futuro. Assim como todas as
brincadeiras infantis: os fantoches nos mostram o quão curta e conturbada é a
nossa vida, o esconde-esconde nos ensina como procurar as emoções, o girar do
anel, o quão longe é preciso correr para realizar seus desejos, e do amor cego,
do amor cego e loucura. Pensamento da escritora
romena Marthe Lahovary (1886-1973), também conhecida como princesa Bibesco e também como
Marta Bibescu, ou mesmo pelo nome de batismo Marta Lucia Lahovari.
ALGUÉM FALOU: Há momentos em que recorremos a palavras insensatas e fazemos exigências
absurdas para esconder sentimentos lineares... Pensamento
da escritora italiana Elena Ferrante. Veja mais aqui, aqui e aqui.
MULHER
INACABADA – […] À medida que outros se tornam mais inteligentes sob estresse, eu fico
pesado, como se fosse um animal acorrentado. [...] A maioria das pessoas que sai de uma guerra sente-se
perdida e ressentida. O que foi um confronto minuto a
minuto consigo mesmo, sua luta com a coragem que você tem contra o desconforto,
pelo menos, e a morte do outro lado, liga você às pessoas que conheceu na guerra
e faz, por um vez, todos os outros parecem
estranhos e frívolos. Os amigos ficam felizes em vê-lo
novamente, mas você sabe imediatamente que a maioria deles o colocou de lado e,
embora seja fácil dizer que você deveria saber disso antes, a maioria de nós
não sabe, e é doloroso . Você está cara a cara com o que
acontecerá com você após a morte. [...] Mas o tom moral dos gigantes com cabeças inchadas, dedos gordos
pressionados sobre a bomba atômica, olhando uns para os outros através das
florestas do mundo, é monstruosamente cômico. [...] Descobri que a meia-idade e a velhice de Dottie transformaram em rocha
muitas coisas que antes eram fluidas, e as excentricidades antes encantadoras
tornaram-se estranhas demais para serem seguras ou confortáveis. [...] Foi naquela árvore que aprendi a ler, cheio das paixões
que só podem chegar aos estudiosos, gananciosos, muito jovens, desnorteados por
quase tudo o que lia, suando na tentativa de compreender um mundo de adultos do
qual fugi. na vida real, mas queria
desesperadamente participar dos livros. (Não conectei os homens e mulheres
adultos da literatura com os homens e mulheres adultos que via ao meu redor. Eles eram, para mim, outra espécie. [...].
Trechos extraídos da obra An Unfinished Woman: A Memoir (Little Brown & Co, 1969), da escritora
estadunidense Lillian Hellman (1905-1984). Veja mais aqui e aqui.
TEMPESTADE - A orquestra infernal da natureza\ Começou esta noite\ Sob um céu
acolchoado de negro\ Flashes de pratos, temporal.\ As árvores se despem
enquanto dançam\ As bananas e os pinheiros\ A brilhante dança da valsa do
furacão\ O mar executa sua partitura macabra\ Seus olhos azuis se arregalam\ Som
de ondas se casando\ Para as notas erradas da chuva\ O vento sussurra uma
sentença de morte\ Interminável e grave\ É a festa no inferno. Poema da
escritora haitiana Célie Diaquoi-Deslandes (1907-1989)
OUTRAS DITADAS VALENDO