A SURPRESA NO REINO DO AMOR – O beijo, primeiro degrau. Antes disso, à porta do cinema apareceu a menina azul e o filme que ela não viu. Um sábado cheio de pernas: primeiro encontro, conversa de almoço. Isso e aquilo. As palavras escapulindo, o mundo girando. Ela era só o olhar e um silêncio. Eu, um tagarela, depondo tudo, debulhando segredos. Ela permeável. O que eu disse? Sei lá, fiquei nu. Dali uma semana, era o primeiro beijo e o dia se iluminou. Era o reino da surpresa. E vingava a emoção. Nunca havia saboreado prazer tão imenso, intenso, inteiro, carregado. Tudo inteiramente maior na franzinice dela. Surpresa aos montes: o beijo, o toque, a pele, a entrega total. Tudo integralmente entregue, inteiramente possuído. Nunca houvera. Foi tudo como a minha fome de séculos se apossasse dos seus pés miúdos, engolisse suas pernas, mastigasse suas coxas, deglutisse seu ventre de carne saborosa e me empazinasse com seus seios de caldo mágico e dorso de cordilheiras deliciosas e ruminasse seu corpo de precipícios milenares e me apoderasse de sua alma nua de serva submissa que se deixava escrava completa ao meu bel prazer. E usei antropofagicamente do expediente de tê-la, retê-la, recolhê-la, recomê-la sucessivas vezes até ginofagicamente assentá-la, liquidá-la, enfincá-la e entronizá-la lânguida posse exaurida nos desejos do meu coração atordoado. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Que
é amar senão inventar-se a gente noutros gostos e vontades? Perder o sentimento
de existir e ser com delícia a condição de outro, com seus erros que nos
convencem mais do que a perfeição? Pensamento da escritora portuguesa Agustina
Bessa-Luís (1922-2019), também
autora da expressão: Eu acho que
não há inteligência sem coração. A inteligência é um dom, é-nos concedida, mas
o coração tem que a suportar humildemente, senão é perfeitamente votado às
trevas.
ALGUÉM FALOU: Confia
em ti mesmo: todos os corações vibram de acordo com essa corda de aço... O
mundo se encerra em uma gota de orvalho... O universo inteiro está contido num
grão de areia. Pensamento do escritor e filósofo estadunidense Ralf
Waldo Emerson (1803-1882). Veja mais aqui.
A HORA DAS CRIANÇAS – [...] PEGGY (pula, bate a mão na boca). Ai, meu Deus! Rosalie vai encontrar
aquela cópia de Mademoiselle de Maupin. Ela vai espalhar pra todo mundo. MARY.
Ah, ela não vai dizer uma palavra. EVELYN. Quem fica com o livro quando nós
mudarmos? MARY. Pode ficar com você. Era isso que eu estava fazendo hoje de
manhã − terminando o livro. Tem uma parte nele − PEGGY. Que parte? (Mary ri) EVELYN.
Bem, o que era? MARY. Espere até você ler. [...] PEGGY. Bem, a dona Lily disse que a dona Martha estava com ciúme deles
e que era como quando ela era criança, e que seria melhor ela arranjar um
namorado porque era anormal, e que ela nunca quis que ninguém gostasse da dona
Karen, e que era anormal. Nossa! E a dona Martha ficou magoada com isso. [...]. Trechos extraídos da peça The children´s hour - The collected plays
(Little, Brown & Co., 1971), da escritora estadunidense Lillian Hellman
(1905-1984), autora de frases como: As
pessoas mudam e esquecem de contar umas às outras. Se eu tivesse que dar
conselhos a jovens escritores, eu diria para não ouvir escritores falando sobre
escrita ou sobre eles mesmos. O cinismo é uma maneira desagradável de dizer a
verdade. Veja mais aqui e aqui.
POEMAS – 1. - cabelos
negros / são mil longos cabelos / descabelados / mente descabelada / descabelada
mente. 2. - aqui agora / paro para recordar / da minha paixão / sem medo da
escuridão / eu vivi como um cego / 3. ouço o poema / como negar o carmim / da
flor do campo? / delícias menina / pecar na primavera / 4. Lá mergulhada / no
fundo da nascente / a flor de lírio / corpo de vinte verões / vejo assim tão
bonito / 5. Para castigar / os homens por todos seus / pecados herdei / a pela transparente
/ longos pelos corvinos 6. nos dois países / da primavera e do amor / pra mim aurora
/ há luz em meus cabelos? / óleo da flor de ameixa. Poemas da poeta
pacifista e educadora japonesa Akiko Yosano (Yosano Shyio, 1878-1942).