LITERÓTICA: O BEIJO REVELADOR – Brincava de namorar, isso pelos doze ou treze anos de idade: um
bigodinho incipiente, pelos emergentes pelas pernas, axilas e púbis. Já me
sentia um adulto, um de meus tios ministrava ensinamentos de como tratar as
mulheres. Vez ou outra ele me levava em suas errantes noites por lugares suspeitos.
Era certo aparecer ao seu encontro duas das muitas moças prendadas esperando, argumentando
que era para eu colocar em prática tudo que me ensinara nas conversas durante o
dia. Via-lhe agarrar uma delas, beijá-la, revistá-la e, a partir disso, nela
fungar no maior xambrego. Obrigava-me a fazer o mesmo com a outra que logo se
agachava com as pernas abertas num abraço apertado colando-me ao seu corpo. Deitava
a minha cabeça entre os seus seios e relava seu ventre em mim aos delírios e
sussurros. Olhava pro meu tio e o imitava dando umbigadas nela, ela mais gemia a
pedir mais. Daí a pouco ele vinha se ajeitando, dos bolsos sacava umas cédulas
e as entregava pras duas, levando-me de volta pra casa com novas recomendações.
Era assim. Tinha também uma namorada há uns dois ou três anos, coisas de
meninice. Ela era mais nova que eu uns dois anos, mas mais atirada. Levava a
sério: queria casar. Entretanto, diante dela era tomado por uma timidez
estúpida de não saber o que fazer na horagá! Bastava os pais dela sairem para o
trabalho, a empregada pau-mandado já me cochichava que ela estava nua me
esperando na cama, insinuando que pra lá fosse. E lá ia: deitada de bruços, nua
em pelo, eu me ajeitava do lado e começava a alisá-la. Ela se virava, olhos nos
olhos, enroscava suas pernas às minhas e fechava os olhos. Esfregava-se em mim
e eu usufruia da sua inquietude de futura esposa. Daí a pouco levantava-se
furiosa dizendo que ia tomar banho. A corta-jaca ligada em tudo piscava o olho
como se dissesse que fosse atrás dela. Eu ia e à porta presenciava o seu banho,
pacientemente. Ao terminá-lo ela saía enrolada numa toalha e passava por mim ronronando
algo que não compreendia. Ela trancava-se no quarto. A alcoviteira com ar
reprovador me dava a impressão de que era hora de ir embora. Depois fiquei
sabendo que a namorada brincava com outros dois ou três, sei lá, era o que
diziam os fuxiqueiros que queriam botar caroço no meu angu. Eu só queria casar
com ela, não me importava. Até o dia que as risadagens falaram mais alto e
resolvi por fim ao namoro sonhado. Passei um tempo desorientado, zanzando
solitário e amargando minhas dores. Numa dessas caminhadas topei uma amiga que
mal lembrara-lhe o nome, morava ali desde antes e nunca notara: era na última
casa do arruado. Era mais velha que eu poucos anos. Chamou-me com firmeza e me
levou pro escurinho do terreno baldio por trás da sua casa. Beijou-me repentinamente
os lábios, esfregando-se impetuosamente. Tomou uma das minhas mãos para
desabotoar sua blusa que logo expôs o espetáculo dos seus seios nus,
obrigando-me a acariciá-los: eram deliciosos. A minha outra mão foi levada bruscamente
para baixo de sua saia, ao que senti tocando a sua úmida vagina, afogueada, saborosamente.
Ela delirava com meus toques involuntários e logo tomou meu pênis por baixo do
calção e o amolegava com voracidade, revirando os olhos, arrepiando-se,
delírios libidinosos. Ajeitando-o endurecido aos esfregões por todo seu ventre,
enfiou-lo, enfim, em sua vulva gulosa, gemendo estertorava. Mais beijava-me
remexendo-se toda no meu pênis, até provocar-me uma sensação nunca antes
sentida pelo vaivem que ela impunha aos nossos ventres, seu agarrado agitado e
uma revolução enlouquecida sem precedentes acontecia dentro de mim e ali, nela,
provei daquilo que me tornaria dali por diante um homem de verdade. Foi a primeira
vez e com ela aprendi a ser e a lição de que havia mulheres. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui,
aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Se não compreendermos as nossas ferramentas, existe o perigo de nos
tornarmos a ferramenta das nossas ferramentas. Consideramo-nos clientes
do Google, mas na verdade somos seus produtos. Se existe progresso filosófico,
então porque é que – ao contrário do progresso científico – é tão invisível? O progresso filosófico é
invisível porque está incorporado aos nossos pontos de vista. O que foi tortuosamente
garantido por argumentos complexos vem da intuição amplamente compartilhada,
tão óbvia que esquecemos sua origem. Pensamento da filósofa e escritora
estadunidense Rebecca Goldstein. Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: Eu escrevo essas palavras em aço, pois qualquer outra coisa que não seja
fixada em metal não é confiável... Conseguiríamos sobreviver sem cambistas e
corretores da bolsa. Deveríamos achar mais difícil viver sem mineiros,
siderúrgicos e aqueles que cultivam a terra...
Pensamento da atriz, escritora e ativista estadunidense Calpernia Addams.
Veja mais aqui.
NUNCA MAIS VER VOCÊ - [...] A verdadeira dor é indescritível. Se você consegue falar
sobre o que está te incomodando, você tem sorte: isso significa que não é tão
importante. Porque quando a dor te atinge sem
paliativos, a primeira coisa que te arranca é a Palavra [...] Quanto mais
perto você chega do essencial, menos você consegue nomeá-lo. [...] Todos
nós precisamos de beleza para tornar a vida suportável. Fernando Pessoa
expressou-o muito bem: “A literatura, tal como a arte em geral, é a demonstração
de que a vida não basta”. Não é suficiente, não. É por isso que estou
escrevendo este livro. É por isso que você está lendo. [...] Amor é encontrar alguém com quem
compartilhar suas estranhezas. [...] Somente sendo absolutamente livre você
pode dançar bem, fazer amor bem e escrever bem. Todas elas atividades muito
importantes. [...] A felicidade é minimalista. É simples e nua. É quase nada que é tudo. [...] Porque a característica essencial do
que chamamos de loucura é a solidão, mas uma solidão monumental. Uma solidão
tão grande que não cabe na palavra solidão e que nem imaginamos se não
estivemos lá. É sentir que você se desconectou do mundo, que não vão conseguir
te entender, que você não tem #Palavras para se expressar. É como falar uma
língua que ninguém mais conhece. É ser um astronauta flutuando à deriva na
vastidão negra e vazia do espaço sideral. É desse tamanho de solidão que estou
falando. E acontece que na dor verdadeira, na dor de avalanche, acontece algo
semelhante. Mesmo que o sentimento de desconexão não seja tão extremo, você
também não consegue compartilhar ou explicar o seu sofrimento. A sabedoria
popular já diz: Fulano enlouqueceu de dor. O luto agudo é uma alienação. Você
cala a boca e se tranca. [...]. Trechos extraídos
da obra La ridícula idea de no volver a verte (Seix Barral, 2013), da jornalista e escritora
espanhola Rosa Montero. Veja mais aqui e aqui.
DOIS POEMAS - DEPOIS
DE AUSCHWITZ - A raiva,\ negra como um anzol, \ toma conta de mim.\ Todos os
dias,\ cada nazista\ pegava, às 8h, um bebê\ e o refogava no café da manhã\em sua
frigideira.\ E a morte observa com um olhar casual\ e cutuca a sujeira sob a
unha.\ O homem é mau,\ digo em voz alta.\ O homem é uma flor\ que deve ser
queimada,\ digo em voz alta.\ O homem\ é um pássaro cheio de lama,\ digo em voz
alta.\ E a morte olha com ar casual\ e coça o ânus.\ O homem com seus dedinhos
rosados, \ com seus dedos milagrosos\ não é um templo\ mas um banheiro externo,\
digo em voz alta.\ Que o homem nunca mais levante a sua xícara de chá.\ Que o
homem nunca mais escreva um livro.\ Que o homem nunca mais calce o sapato. \ Que
o homem nunca mais levante os olhos,\ numa noite suave de julho.\ Nunca. Nunca.
Nunca. Nunca. Nunca.\ Eu digo essas coisas em voz alta. UMA MALDIÇÃO CONTRA AS
ELEGIAS - Oh, amor, por que discutimos assim?\ Estou cansado de toda a sua
conversa piedosa.\ Além disso, estou cansado de todos os mortos.\ Eles se
recusam a ouvir,\ então deixe-os em paz.\ Tire o pé do cemitério,\ eles estão
ocupados morrendo.\ A culpa era sempre de todos:\ o último copo vazio de
bebida,\ os pregos enferrujados e as penas de galinha\ que ficavam presas na
lama da porta dos fundos,\ os vermes que viviam debaixo da orelha do gato\ e o
pregador de lábios finos\ que se recusava a telefonar,\ exceto uma vez. um dia
cheio de pulgas\ quando ele entrou pelo quintal\ em busca de um bode
expiatório.\ Escondi-me na cozinha, debaixo do saco de trapos.\ Recuso-me a
lembrar dos mortos.\ E os mortos estão entediados com tudo isso.\ Mas você - vá
em frente,\ vá em frente, volte\ para o cemitério,\ deite-se onde você acha que
seus rostos estão;\ responda aos seus velhos sonhos ruins. Poemas da
escritora estadunidense Anne Sexton (Anne Gray Harvey – 1928-1974). Veja mais aqui, aqui e aqui.