E A ESCOLA SUMIU – Marcantoin não era lá muito achegado a estudo. Foi uma
professorinha simpática quem o fez cativo de não arredar o pé da sala de aula. Já
era galalau quando foi aprender as primeiras letras e rabiscos. O prédio
escolar não era lá essas coisas todas. Pra falar a verdade, não havia nem sido acabada,
nem tinha nome. Foi inaugurada antes do término das obras, e teve seu nome
colocado às pressas, por morte dum poeta duma cidade vizinha que ninguém
gostava dele, só o prefeito que era achegado às boêmias e homenageou-lo.
Falava-se dum certo Ascenso, um homem grandão do maior vozeirão que recitava
umas poesias picantes e de falas populares, chega as mulheres corarem na sua
frente e os homens caírem nas gaitadas. Diziam ser ele um poeta licencioso,
cheio das lábias e desbocado que só. Na cidade dele era malquisto, só
desgostavam de ninguém saber ao certo a razão, se motivada por alguma proeza ou
por pura inveja, parece; em Alagoinhanduba que é igual a Mariana ou Brumadinho,
só uns três ou quatro cachaceiros que lhe arremedavam os versos, incluindo o
prefeito, um pé-de-cana infeliz. Pois bem, lá foi Marcantoin pelegando para
cair nas graças da mestra: Estuda aonde, rapaz? Sei lá o nome daquela droga, só
sei o nome da professora: Gildinalda, a Naldinha do coração. Era a sua primeira
paixão na vida. Do primário até parte do ginasial que ele próprio abandonou por
ter dado falta dela no educandário, fincou pé: Pra quê estudar? Só tem
professor chato! Além do mais, qualquer dia o mundo acaba, não adianta mesmo,
só viver e mais nada. Vez em quando sem ter nada pra fazer passava pelas
imediações para ver se a via, nenhum sinal dela. Que droga! O cabra cresceu com
esse aperto no peito, valendo-se só do tirocínio e depois de dar meia volta e
volta e meia pelos quatro cantos do mundo, já madurão, mas não menos besta que
antes, voltou pra terrinha pra saber do paradeiro daquela professorinha que
ainda bulia no seu íntimo. Andou que só a má notícia e chegando ao local da
escola, havia sumido: Oxente! Primeiro foi a professora, agora escola também
some, é? Como é que pode, hem? Nem Gidinalda nem a Escola Ascenso. Como assim?
Queria saber, ora. O que ficou sabendo pela boataria: a professora zarpou
enamorada na cacunda dum cavalo falso, com um príncipe fajuto pelas capoeiras
adentro mundo afora; e a escola, a essa quase nem quis saber, mas apurou: uma
enchente tsunâmica de bater no topo de tudo, a deixou feito profunda cratera
até hoje, de ninguém sequer achar por bem de reconstruí-la. Ah, tá! Então, bem
feito – disse assim meio que frustrado -, o que tem de colégio cabuloso por aí,
não está no gibi, né, não? Por isso que ninguém quer estudar, escola por ginásio,
serve pra nada mesmo, asseguravam os funcionários da secretaria de educação
local. E o povo arremedava: Estudar endoida! Só serve pra ocupar criança, mais
nada. Se ficar taludo, precisa estudar mais não, já sabe demais; basta ficar
sabido pra não ser enrolado e anel no dedo só é bonito nos desdos dos outros
que queimam pestanas pra não fazer nadica, só dar ordem. Isso não é pra gente
não. E o nome não ajudava! Hem? Onde já se viu poeta nome de coisas, poesia não
enche barriga nem enrica ninguém. Além do mais um desses que o povo fala os
farrapos por seus maus procedimentos na gandaia, no meio dos gaiatos e com uma
fama de gente das piores qualidades, isso lá presta! E já que não era lá tão
agradável, deixaram por menos: mal exemplo que se dane, ele já morreu e que
fique enterrado com tudo. E era uma vez Ascenso, o poeta reina onde estiver. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS
[...] Dois grupos de questões ocultaram os
problemas das cidades e da sociedade urbana, duas ordens de urgência: as
questões da moradia e do “habitat” (que dependem de uma política de habitação e
de técnicas arquitetônicas) – as questões da organização industrial e da
planificação global. As primeiras por baixo, as segundas por cima, produziram –
dissimulando-o à atenção – uma explosão da morfologia tradicional das cidades,
enquanto prosseguia a urbanização da sociedade. Donde uma nova contradição que
se acrescentava às outras contradições não resolvidas da sociedade existente,
agravando-as, dando-lhes um outro sentido. [...] Atualmente, alguns acreditam que os homens só levantam problemas
insolúveis. Esses desmentem a razão. Todavia, talvez existam problemas fáceis
de serem resolvidos, cuja solução está ai, bem perto, e que as pessoas não
levantam. [...].
Trechos
da obra O direito à cidade (Centauro,
2001), do filósofo e sociólogo francês Henri
Lefebvre (1901-1991). Veja mais aqui.
A ARTE DE THAYS GOLZ
A arte
da bailarina Thays Golz, integrante
da Pennsylvania Ballet. Veja mais aqui.
MOTE: COM O GRITO DO
DINHEIRO A JUSTIÇA NÃO SE APRUMA
Glosas
Ante o seu brado guerreiro,
/ a honra desaparece, / a razão empalidece / com o grito do dinheiro; / o
sujeito interesseiro, / que com ele se acostuma, / de qualquer forma se arruma,
/ desconhece o próprio pai, / pois onde o dinheiro vai, / a justiça não se
apruma.
Movimenta o mundo inteiro /
este metal cobiçado / tudo tudo alvoroçado / com o grito do dinheiro, / onde
ele forma um berreiro, / não respeita coisa alguma, / grita, guincha, berra,
espuma, / derruba a lei do conceito, / pobre ali não tem direito, / a justiça
não se apruma.
Poema extraído da obra Inspiração
nordestina (Fortaleza, 1999), do poeta
popular, compositor, cantor e improvisador Antônio Gonçalves da Silva, mais
famoso como Patativa do Assaré (1909-2002). Veja mais aqui e aqui.
&
A poesia
do poeta Ascenso Ferreira (1895-1965) aqui
&
muito
mais na Agenda aqui.